sexta-feira, 5 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Embora tímido, recuo de Lula é bem-vindo

O Globo

Ele poderia ter evitado as declarações desastradas que fizeram o dólar disparar

Mesmo que acanhada, é bem-vinda a reviravolta aparente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à crise fiscal. O anúncio — tardio — de que o governo congelará recursos ainda neste ano e enviará ao Congresso o Orçamento de 2025 com previsão de corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias traz, enfim, alguma realidade ao compromisso de equilibrar as contas públicas. Lula determinou o cumprimento “a todo custo” das metas previstas para 2024, 2025 e 2026 no arcabouço fiscal, plano de ajuste do governo que perdia credibilidade dia após dia. Se cumprir as promessas, contribuirá para diminuir o ritmo de aumento da dívida pública, derrubar os juros, atrair mais investimentos e, com isso, impulsionar o crescimento econômico e o bem-estar da população.

O endividamento público vem ganhando proporções insustentáveis desde 2014. Há dez anos, a dívida era inferior a 60% do PIB. Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), fechará este ano em 74,4%. À medida que cresce, maior fica a dúvida sobre a capacidade do governo de pagá-la, criando todo tipo de incerteza. Num primeiro momento, o Executivo, com apoio do Congresso, buscou mais receitas para manter o mesmo patamar de gastos. Quando a estratégia chegou ao limite, Lula passou a atacar sem trégua os cortes e a política monetária do Banco Central (BC). A cada nova investida, o dólar subia. Foi assim em 18 de junho, quando Lula disse em entrevista à rádio CBN que o BC era a “única coisa desajustada” no Brasil. De lá para cá, pelo menos outras quatro manifestações dele contribuíram para a disparada do câmbio.

Só houve sossego nesta semana, com a decisão de anunciar atos concretos na direção do ajuste fiscal. Na quarta-feira, Lula bateu o martelo sobre os cortes em reunião com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e Rui Costa (Casa Civil). A motivação era encontrar uma solução para resgatar a credibilidade.

É verdade que a cotação do dólar tem subido em diferentes partes do mundo, influenciada pela política de juros do Fed, o banco central dos Estados Unidos. Mas o real é destaque negativo. As dúvidas sobre a política fiscal e os repetidos ataques à autoridade monetária levaram a moeda brasileira a figurar entre as que mais desvalorizaram desde o início do ano. Lula poderia ter evitado isso, não fossem suas declarações desastradas. O recuo na pauta fiscal era o passo mais esperado. O próximo é ele parar de erodir a confiança no BC, mas isso é menos provável.

A escolha de Roberto Campos Neto, presidente do BC, como nêmesis segue uma lógica política. Pesquisas de opinião encomendadas pelo Palácio do Planalto mostram que a maioria da população apoia as estocadas, embora todos saibam que eleitores não conhecem os fundamentos de uma política monetária séria. As críticas começaram 18 dias depois da posse. De janeiro a junho do ano passado, houve 19 ataques, a maioria em dias consecutivos. No segundo semestre, houve uma tentativa de aproximação. Em setembro, Campos Neto foi recebido no Palácio do Planalto e, em dezembro, participou de uma confraternização na Granja do Torto. O fim da trégua neste ano já cobra seu preço. Com seus ataques, Lula dificulta a queda dos juros e o combate à inflação. Se continuar assim, ele próprio voltará a perder popularidade.

Ataques de Milei a Lula desgastam relação entre o Brasil e a Argentina

O Globo

Não há justificativa para presidente argentino desprezar reunião do Mercosul e ir a encontro conservador

Desde antes de assumir, têm sido injustificáveis as manifestações do presidente argentino, Javier Milei, em relação a seu par brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. A última desfeita foi a decisão de Milei de não comparecer à reunião de cúpula de chefes de Estado do Mercosul na próxima segunda-feira em Assunção, no Paraguai, enquanto marcará presença no fim de semana num encontro conservador em Balneário Camboriú (SC).

Será a primeira viagem de Milei ao Brasil depois de eleito. No evento, provavelmente encontrará Jair Bolsonaro. Como político de ultradireita, ele tem o direito de discordar das ideias de Lula sobre todo tipo de política pública. Mas os xingamentos e a opção por prestigiar um evento da oposição em solo brasileiro em detrimento do Mercosul soam como ofensa a todos os brasileiros.

Durante a campanha presidencial na Argentina, a posição institucional do governo Lula era que o Brasil não tinha candidato. Mas era uma isenção de fachada. Não faltaram sinais de que a torcida era pelo peronista Sergio Massa, que contratou marqueteiros do PT. Depois do primeiro turno, ministros em Brasília saudaram Massa publicamente por ter terminado em primeiro lugar. A dias do segundo turno, Lula disse que a Argentina precisava de um presidente que “goste de democracia”. Com razão, Milei se sentiu atacado.

Mas sua reação, de lá para cá, tem sido pueril. Ainda candidato, fez acusações de interferência (sem provas) e proferiu uma série de ofensas, chamando o brasileiro de “comunista” e “corrupto”. Em entrevista no final de junho deste ano, Lula disse não ter ainda falado com o presidente da Argentina “porque acho que ele tem que pedir desculpas ao Brasil e a mim”. A uma emissora argentina, Milei respondeu não ser preciso pedir desculpas e repetiu os xingamentos.

O descomedimento dele não é dirigido apenas a Lula. Em maio, num encontro de políticos de direita na Espanha, Milei chamou de corrupta Begoña Gómez, mulher do primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, desencadeando uma crise diplomática. No domingo, a crise foi com a Bolívia. Sem apresentar nenhuma prova, um comunicado da Presidência chamou de falsa a denúncia de tentativa de golpe de Estado em La Paz na semana passada.

Milei atira no exterior, mas o alvo é o público interno. A estratégia é alimentar a imagem de político destemido. Não há inovação alguma em usar inimigos externos para reforçar o apoio do eleitorado. A novidade trazida pelos populistas de hoje é a profusão de grosserias e mentiras. Quando era presidente dos Estados Unidos, Donald Trump também distribuía caneladas. À frente da maior potência mundial, não sofreu retaliações. Milei deveria ter mais cuidado. Para tirar a Argentina do atoleiro, precisará atrair investimentos e boa vontade. Em primeiríssimo lugar, do Brasil.

Emprego e renda indicam que PIB pode surpreender

Valor Econômico

Performance da economia será mais equilibrada este ano e menos dependente de resultados extraordinários da agricultura, como ocorreu no ano passado

A economia deve crescer mais do que o previsto, como tem ocorrido nos últimos anos e como indica o comportamento do mercado de trabalho e da renda, que se aproxima dos melhores números do século. O desemprego caiu no trimestre móvel encerrado em maio para 7,1%, a taxa mais próxima do recorde de 6,8%, observado em 2014. O número de pessoas sem trabalho caiu pela primeira vez em muito tempo para abaixo dos 8 milhões.

O Banco Central reviu suas projeções para o crescimento do PIB, de 1,9% para 2,3%, em coro com uma série de consultorias que esperam um resultado melhor em 2024. A previsão mais otimista continua sendo a do Ministério da Fazenda, de 2,5%, mas todas as demais estão com viés de alta. O BC avalia, admitindo um alto grau de incerteza, que a tragédia no Rio Grande do Sul terá um impacto modesto sobre a atividade e que ele será especialmente concentrado no segundo trimestre. As estatísticas do IBGE sobre o desempenho da indústria, que teve queda de 0,9% em relação ao mês anterior, foram mais positivas do que o que se previa sobre os efeitos econômicos negativos da tragédia gaúcha.

Como era esperado, a performance da economia será mais equilibrada este ano e menos dependente de resultados extraordinários da agricultura, como ocorreu no ano passado - em 2024, segundo o BC, o setor deve recuar 2%. Empurrarão simultaneamente o PIB para cima os gastos das famílias e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), reduzindo um pouco, e talvez apenas provisoriamente, a preocupante defasagem entre aumento do consumo e os investimentos destinados a expandir a capacidade de oferta e elevar a produtividade. O consumo das famílias, pela previsão do BC no Relatório de Inflação de junho, teve aumento significativo - de 2,3% para 3,5% -, enquanto a FBCF deverá crescer 4,5% ante a tímida expectativa de 1,5% anterior.

É a demanda doméstica que permitirá um PIB o mais próximo possível do de 2023 (2,9%). Ela deverá se expandir 3,2%, amortecendo o peso negativo da demanda externa, que retirará 0,9 ponto percentual do PIB no ano. As importações estão crescendo a um ritmo mais forte do que as exportações, graças ao vigor das atividades, o que reduzirá um pouco o saldo comercial recorde do ano passado, de R$ 98,8 bilhões.

A geração de empregos com carteira assinada aumentou e o saldo médio mensal de empregos dessazonalizado, de acordo com o novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), subiu para 200 mil no trimestre fevereiro-abril. O número é muito superior aos 139 mil observados do fechamento do trimestre novembro-janeiro, que, por sua vez, já superava o ritmo registrado em 2019, antes da pandemia.

A troca de emprego voluntária, motivada pela quase certeza de melhor remuneração prospectiva, aumentou e chegou ao maior nível desde abril de 2009. A relação entre desligamentos por vontade própria e total de desligamentos aumentou na margem - uma em cada três pessoas que deixaram sua ocupação o fez intencionalmente. E, ao contrário de épocas de abundância de mão de obra, quando caíam, os salários de admissão estão subindo mês a mês. Eles cresceram 0,3% no trimestre encerrado em abril, depois de aumentarem 0,5% no trimestre findo em janeiro. Como um todo, os reajustes médios dos salários nominais subiram 4,8% nos três meses encerrados em maio. O reajuste real, por seu lado, avançou em ritmo menor ante o trimestre anterior - 0,7% ante 0,9%.

Para a queda do desemprego e melhora salarial foi determinante, segundo o BC, o aumento da ocupação, algo que só começou a ocorrer na segunda metade do ano passado. A expansão foi de 0,5% no último trimestre encerrado em maio, depois de alta de 0,8% no trimestre anterior. O resultado de todos esses números é que a massa habitual de salários continua aumentando, atingindo perto de R$ 318 bilhões mensais, e, consideradas todas as fontes de renda (renda nacional disponível bruta das famílias), inclusive precatórios, avançou a R$ 521 bilhões.

O aumento de renda e o avanço do emprego, que elevam o consumo das famílias e o crescimento, tornam mais lenta a queda da inflação. A inflação dos serviços intensivos em trabalho em 12 meses registrou 6,15% em maio, e a dos serviços subjacentes, mais ligados ao ciclo econômico, 5%, evolução ainda incompatível com a meta de 3% do IPCA. A interrupção dos cortes da Selic, em um nível de juro real muito alto, tenderá a desacelerar um pouco a atividade econômica e reduzir o IPCA lentamente, na suposição de que os estímulos concedidos pelo governo diminuam ou ao menos se estabilizem.

A escalada recente do dólar prejudica a convergência do nível de preços para a meta, mas pode ter sido só um interregno desnecessário e desfavorável à queda da inflação. O presidente Lula prometeu responsabilidade fiscal e o ministro Fernando Haddad, cortes no orçamento, para cumprir as metas fiscais. Se cumprirem suas promessas, os tumultos de junho ficarão no passado e a economia poderá crescer em um ritmo adequado, sem sobressaltos.

Governo muda atitude, mas 'corte' é ilusório

Folha de S. Paulo

Embora bem-vindas, interrupção da verborragia de Lula e revisão de gastos não tornam política fiscal menos insustentável

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfim decidiu fazer algo para estancar a escalada de incertezas acerca da política econômica, que se materializava por meio da alta do dólar e dos juros.

A providência mais óbvia a tomar cabia tão somente ao presidente da República —interromper a recente enxurrada de bravatas e diatribes contra o Banco Central, a política de juros, o mercado financeiro e as medidas sugeridas para conter gastos públicos.

Na quarta-feira (3), um Lula calculadamente comedido esquivou-se de uma pergunta sobre o BC e o dólar. "Eu agora vou conversar sobre feijão e arroz", disse, antes de discursar no lançamento do plano para a safra agrícola.

"Responsabilidade fiscal não é uma palavra, é um compromisso deste governo desde 2003. E a gente manterá ele à risca", foi a conclusão de seu pronunciamento.

Houve mais. No mesmo dia, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, declarou ter ouvido de Lula a determinação de que as regras orçamentárias para a contenção da dívida pública devem ser preservadas "a todo custo".

Isso significa, segundo Haddad, que o governo está disposto a bloquear despesas para cumprir a meta de reduzir o déficit do Tesouro para perto de zero neste ano.

Ademais, anunciou-se que análise técnica conduzida nos últimos 90 dias identificou despesas indevidas de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais, que serão "cortadas" do Orçamento do próximo ano.

A inflexão da administração petista produziu algum alívio imediato, também refletido nas cotações do dólar. Mitigam-se, ao menos por ora, os piores temores quanto às inclinações gastadoras e intervencionistas reveladas pela verborragia de Lula. O conjunto de anúncios, porém, é fragílimo.

Um contingenciamento emergencial de gastos será bem-vindo, mas neste momento as projeções do governo para receitas e despesas —e, portanto, para o cumprimento da meta fiscal— estão plenamente desacreditadas. Não parece provável, assim, que a medida se dará na dimensão necessária.

O "corte" prometido para 2025 não passa de uma reestimativa de custos, a ser verificada. O pente-fino nos benefícios é sempre salutar, porém equivalerá a enxugar gelo se não forem revistas as regras que impõem a alta contínua de desembolsos obrigatórios.

Não merecem maior consideração, por fim, as juras de responsabilidade do mandatário, desmentidas por outras declarações e, sobretudo, por atos. Lula, que instituiu uma regra fiscal cada vez mais percebida como insustentável, ainda governa como se desfrutasse da fartura circunstancial de recursos de seus primeiros dois mandatos.

Formando professores

Folha de S. Paulo

Medidas do MEC para licenciaturas são sensatas, mas corporativismo barra avanços

São positivas, ainda que insuficientes, as medidas adotadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para incentivar a melhora de cursos superiores que formam professores para o ensino básico.

Na mais recente delas, o Ministério da Educação criou uma versão do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) voltada para as licenciaturas. A avaliação será anual, em vez de a cada três anos, e com maior foco na prática pedagógica do que no conteúdo teórico de cada área.

No final de maio, a pasta já havia instituído a exigência de que os cursos de licenciatura e de pedagogia na modalidade de educação a distância (EAD) durem ao menos quatro anos e tenham no mínimo 3.200 horas de carga horária, sendo que 50% delas precisam ser presenciais.

As medidas indicam caminhos para melhorar a formação dos docentes, mas há deficiências que permanecem intocadas.

O Enade não produz efeito na vida acadêmica dos formandos, o que desestimula desempenhos melhores nas provas. Merecem maior atenção, ainda, taxas de evasão e trajetória dos egressos, para de fato atestar a qualidade de um curso.

Dos cerca de 790 mil ingressantes em licenciaturas em 2022, mais de 650 mil foram para instituições privadas; destes, 93,7% optaram por EAD, de acordo com o mais recente Censo do Ensino Superior.

São dados superlativos, e as preocupações do MEC têm razão de ser. O Ranking Universitário Folha (RUF) aponta que cursos EAD de faculdades particulares no geral tendem a ser mal avaliados.

Seria importante também diversificar o financiamento do ensino superior público e rever a exigência de homogeneidade entre as mais de 200 universidades —pesquisa e extensão na mesma proporção e número mínimo de cursos de graduação e pós-graduação, por exemplo— para ampliar o acesso.

Conviria, ademais, avaliar a produtividade dos professores na educação básica e rever a estabilidade do funcionalismo.

Infelizmente, as mudanças mais ousadas enfrentam oposição fervorosa da ideologia e do corporativismo, com guarida no atual governo.

Haddad, o bombeiro

O Estado de S. Paulo

Haddad conseguiu vencer uma batalha importante no governo, mas o discurso fiscal de Lula ainda será testado, e o governo terá de apresentar medidas efetivas de corte de despesas

Após semanas de fritura pública, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi escalado para conter a crise de confiança desencadeada pelas trágicas declarações do presidente Lula da Silva, que questionou, em diversas ocasiões, a necessidade de o País adotar uma política fiscal austera e de reduzir os gastos públicos.

Haddad passou o dia reunido com Lula da Silva para então dizer, ao final dele, que o governo vai cortar R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias no Orçamento de 2025. O valor, segundo ele, não é arbitrário. “É um número que foi levantado linha a linha do Orçamento daquilo que não se coaduna com o espírito dos programas sociais que foram criados”, afirmou.

O anúncio, ao lado dos ministros da Casa Civil, Rui Costa, das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e do Planejamento, Simone Tebet, foi uma tentativa de passar a impressão de que as ferrenhas disputas internas entre os membros do governo estão superadas.

Lula da Silva, segundo Haddad, determinou que o arcabouço fiscal seja preservado a qualquer custo. Antes, o presidente já havia feito sua parte. Provocado pela imprensa, recusou-se a criticar o Banco Central e, em discurso, enfatizou que a responsabilidade fiscal é um compromisso do governo. A estratégia foi suficiente para que a cotação do dólar recuasse a R$ 5,56, uma queda de 1,7%, mas ainda longe do patamar registrado no início do ano.

Era óbvio que a mudança de tom adotada pelo presidente produziria efeitos imediatos no mercado financeiro, o que claramente mostra a insensatez de manter uma atitude tão autodestrutiva nos últimos dias. Fato é que o estrago está feito, e o retorno do dólar a patamares mais próximos aos de janeiro, em torno de R$ 4,90, dependerá da real disposição do governo em colocar esse discurso em prática.

O primeiro teste será no fim deste mês, quando algumas das ações a serem adotadas em 2025 serão antecipadas durante a divulgação do relatório de avaliação do Orçamento deste ano. O ministro adiantou que o Executivo terá de adotar medidas para assegurar o respeito ao limite de gastos e o cumprimento da ambiciosa meta de déficit zero.

Segundo o Broadcast/Estadão, o bloqueio de despesas pode chegar a R$ 10 bilhões neste ano, embora especialistas calculem que o cumprimento do limite inferior da meta exija algo mais próximo de R$ 40 bilhões.

Não houve detalhamento dessas medidas, mas, ao que parece, o que se pretende é centrar esforços na revisão cadastral em despesas previdenciárias e de assistência social. Fraudes, por óbvio, sempre devem ser combatidas, mas pentes-finos não costumam gerar economia relevante ao erário.

O crescimento dos gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), por exemplo, não se deu por acidente. Se hoje eles atingiram R$ 103 bilhões no acumulado de 12 meses, foi porque as regras de acesso ao benefício foram flexibilizadas por uma lei aprovada em 2021.

No caso da Previdência Social, cujos gastos atingiram R$ 930 bilhões no acumulado de 12 meses, de fato houve aumento de concessões de benefícios temporários, como o auxílio-doença, mas as aposentadorias e pensões também tiveram crescimento.

Tampouco é justo atribuir a culpa desse avanço à política de redução de filas dos pedidos ao INSS. Ainda que as filas continuassem, seria questão de tempo para que os benefícios fossem concedidos a quem realmente tem direito a eles.

Ademais, bloqueios e contingenciamentos são medidas importantes, mas pontuais, e o anúncio de um número baixo será mal recebido pelo mercado. Como se sabe, não basta cumprir o arcabouço fiscal, uma vez que algumas das principais despesas da União crescem à revelia do dispositivo – que, é sempre bom lembrar, foi proposto pelo próprio governo de Lula da Silva.

Apostar unicamente na recuperação de receitas já não basta para cumprir a meta fiscal, e o Congresso já deixou claro que não aceita propostas que aumentem impostos. Mais cedo ou mais tarde, o governo será cobrado a apresentar medidas que representem cortes estruturais de despesas, e o discurso supostamente responsável do governo será posto à prova.

Suprema Corte embala o sonho de Trump

O Estado de S. Paulo

Trump sempre quis exercer o poder como bem entender, sem freio. Obviamente, digam o que disserem os republicanos da Corte, não foi com isso que os fundadores dos EUA sonharam

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, por 6 votos a 3, que ex-presidentes da República não podem ser investigados e julgados criminalmente por seus atos no exercício do cargo. A decisão diz respeito ao caso que envolve o ex-presidente Donald Trump, acusado de ter tentado reverter o resultado da eleição de 2020, na qual foi derrotado por Joe Biden.

Os seis votos vencedores foram dos ministros indicados por presidentes republicanos (três deles por Trump), enquanto os três votos derrotados foram dos ministros indicados por presidentes democratas, o que explicita a dimensão política do debate: para os republicanos, a decisão da Suprema Corte respeita a Constituição e a separação de Poderes; para os democratas, a decisão viola a Constituição e cria um Poder – o Executivo – acima dos demais.

Essa divisão evidente mostra que não houve debate, e sim uma disputa politicamente motivada, cujo desfecho refletiu apenas e tão somente a aritmética – aparentemente há seis juízes dispostos a defender Trump a qualquer custo e há apenas três dispostos a condená-lo de modo implacável. Eis a miséria do debate público atual, nos Estados Unidos e em praticamente todo o mundo: não parece haver mais a possibilidade de um consenso sobre aspectos basilares da vida em sociedade e sobre o funcionamento do Estado – inclusive, ou principalmente, sobre a própria Constituição, espécie de contrato fundamental da relação entre indivíduos, sociedade e Estado.

O fato incontornável, contudo, é que a questão da imunidade presidencial é decisiva para as eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos, razão pela qual seu componente político é central. Um revés para Trump na Suprema Corte possivelmente o alijaria da disputa eleitoral, e não é de hoje que aquele tribunal evita tomar decisões que possam resultar na inelegibilidade de quem quer que seja.

Recentemente, por exemplo, a Suprema Corte rejeitou uma decisão judicial que havia retirado Trump da cédula eleitoral das primárias republicanas no Estado do Colorado por seu envolvimento na invasão do Capitólio em janeiro de 2021, em que seus seguidores pretendiam impedir a certificação da vitória de Biden. É interessante observar que essa decisão foi unânime – ou seja, todos os ministros da Suprema Corte, sejam republicanos ou democratas, entenderam que nenhum Estado, individualmente, pode impedir candidaturas presidenciais.

Mas o caso da imunidade presidencial reivindicada por Trump está em outro patamar. Sua intenção evidente é escapar de punição por seus crimes, a começar pela tentativa de destruir a democracia dos Estados Unidos, sobre a qual há inúmeras e inquestionáveis evidências.

Quando os formuladores da Constituição americana imaginaram o instituto da imunidade presidencial, não o fizeram para impedir que os presidentes, uma vez fora do cargo, fossem imunes a processos por crimes, sobretudo crimes contra a democracia, e sim para dar ao presidente da República conforto jurídico para tomar suas decisões de Estado, muitas das quais impopulares, duras e eventualmente violentas, sem se preocupar com eventuais processos no futuro.

Tentar reverter o resultado de uma eleição por meio de fraude e uso da força, como fez Trump, não está, ou não deveria estar, entre as atribuições oficiais de um presidente, mas, na prática, foi isso o que a Suprema Corte decidiu. Doravante, portanto, presidentes americanos são considerados formalmente inimputáveis, mesmo que atentem contra a democracia.

Era exatamente o que os pais da República americana queriam impedir. Pois não há nada mais contrário ao espírito da República que ter um chefe de Estado acima da lei, algo próprio da monarquia – em que o rei encarna a soberania e a lei, razão pela qual não pode ser sancionado de nenhuma maneira.

É com isso que Trump sempre sonhou: cometer crimes sem ser punido e, na condição de presidente, exercer o poder como bem entender, sem qualquer tipo de freio. Obviamente, digam o que disserem os republicanos da Suprema Corte e sejam quais forem as nuances jurídicas da decisão, não foi com isso que os fundadores dos Estados Unidos sonharam.

A rinha dos galos populistas

O Estado de S. Paulo

Lula e Milei não perdem uma oportunidade de se apequenar, prejudicando Brasil e Argentina

Países não têm amigos, têm interesses. Mas os interesses de Brasil e Argentina foram sequestrados pelas animosidades de seus chefes de Estado.

O último capítulo dessa novela de mau gosto é a visita de Javier Milei ao Brasil neste fim de semana, não enquanto chefe de Estado, mas como militante num convescote reacionário liderado pela família Bolsonaro. Isso após anunciar que não participará da Cúpula do Mercosul, na segunda-feira, por “excesso de compromissos”. Já o presidente Lula da Silva disse há alguns dias que não conversaria com Milei enquanto ele não pedisse desculpas “ao Brasil e a mim”, por ter falado “muita bobagem”.

“El Loco”, sem dúvida, diz muita bobagem. O entrevero começou já nas eleições argentinas, em 2023. Lula apoiou escancaradamente o companheiro peronista Sergio Massa. Milei o acusou de interferir nas eleições e o chamou de “comunista” e “corrupto” – o que voltou a repetir agora. Na cerimônia de posse, o convite ao antípoda de Lula, Jair Bolsonaro, ensejou um pretexto para que o presidente brasileiro se recusasse a participar.

Não se trata de ponderar, como se faz com crianças, quem começou primeiro ou quem ofendeu por último. Nesse último quesito, Milei, que replica a tática bolsonarista de trocar vitupérios por votos, até leva a melhor. Mas isso só importa às relações privadas entre ambos. As relações entre chefes de Estado estão – ou deveriam estar – em outro plano, no qual inclinações pessoais e partidárias são irrelevantes.

Não é assim, contudo, que funciona a diplomacia personalista e sectária de Milei e Lula. Com estilos diferentes e ideias antagônicas, ambos instrumentalizam os palcos internacionais para destilar seus rancores ideológicos, batalhando quixotescamente em “guerras culturais” para agitar a militância e jogar areia nos olhos do cidadão comum. Essa atitude explica por que Lula também diz muita bobagem sobre questões geopolíticas, como a guerra na Ucrânia ou as “democracias” de Cuba, Venezuela e China.

A boca suja de Milei é problema dos argentinos. Mas ele ao menos, aparentemente, não padece da megalomania de Lula, que identifica seu ego com o próprio Estado. Afinal, não há razão para que Lula condicione sua relação com os governos da Argentina ou de Israel a pedidos de desculpas por supostas ofensas que ele sofreu. Aliás, Milei enviou três cartas sugerindo a aproximação entre os governos, que foram respondidas com silêncio.

Dinheiro não tem cheiro, e a rinha de galo entre os populistas não afetará as relações comerciais entre os vizinhos – ao menos não por ora. Mas há mais em jogo. Os dois países formam a base do Mercosul e representam dois terços do território, da população e do PIB do Cone Sul, cujo destino depende da cooperação entre ambos.

Desde a época das missões até as disputas sobre a Usina de Itaipu ou a corrida nuclear, Brasil e Argentina já viveram conflitos severos. Mas eles foram solucionados pelos adultos na sala, estadistas que extraíram das crises mais confiança mútua. Hoje é o inverso: não há nenhum conflito entre os dois Estados, muito menos entre os dois povos, só entre as duas crianças no poder.

Beleza a qualquer preço

Correio Braziliense

Não aprendemos a ser criteriosos nas nossas escolhas de procedimentos estéticos. Também não aprendemos a criar estratégias capazes de fiscalizar e punir, como se deve, os maus profissionais

Nesta semana, o Brasil registrou mais uma morte decorrente do provável uso inadequado de uma substância conhecida pelos malefícios: o PMMA. Uma modelo e influencer de 33 anos morreu depois de se submeter a um procedimento para o aumento dos glúteos em que supostamente foi utilizado o polimetilmetacrilato. No dia seguinte à cirurgia, ela teria sentido os primeiros sintomas (febre) de que algo poderia ter dado errado. No quarto dia, foi internada e acabou morrendo na última terça-feira. Não é a primeira vez que a proprietária da clínica estética foi detida e será investigada, mas mais uma vítima se foi. 

O PMMA é um material sintético e somente pode ser usado em casos muito específicos, em pequenas porções e nunca implantado por pessoas não qualificadas. A substância é tão perigosa que, para ser utilizada em preenchimentos subcutâneos, precisa de registro na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, é considerado um produto de uso em saúde de máximo risco (classe IV) e só pode ser administrado após treinamento, já que o profissional precisa saber determinar doses, número de injeções, áreas do corpo e características do paciente. 

No entanto, a história se repete, e, cada vez mais, em menor espaço de tempo. Vide a morte, há menos de um mês, de um homem por uso de polifenol, também utilizado por profissional não capacitado para tal. Somente em 2023, no Brasil, foram feitos mais de 2 milhões de procedimentos estéticos, calcula a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS), ocupamos o segundo lugar do mundo no ranking internacional de cirurgias plásticas, perdendo apenas para os Estados Unidos. 

Mas não aprendemos a ser criteriosos nas nossas escolhas. Também não aprendemos a criar estratégias capazes de fiscalizar e punir, como se deve, os maus profissionais. Não há fiscalização, portanto, há impunidade. A verdade é que o imediatismo e as promessas mirabolantes de beleza, aliados à busca pelo corpo perfeito ou a uma espécie de tentativa de autoaceitação frente ao espelho, têm transformado a cirurgia plástica com fins estéticos em algo imprescindível na vida de todas as pessoas.  

A boa notícia é que uma onda "natural" está começando a se formar, ainda que os números de procedimentos estéticos tendam a crescer exponencialmente nos próximos anos. Muitas mulheres que implantaram silicone nos seios, por exemplo, estão retirando o volume, e mesmo aqueles que se submetem a alguma cirurgia estão exigindo resultados mais discretos, contornos mais suaves e proporcionais ao próprio corpo.

Quem sabe, assim, possamos noticiar o sucesso deste ou daquele procedimento estético a que uma celebridade se submeteu  tamanha a naturalidade, em vez de mortes, deformações e embates nos quais profissionais e pacientes são postos frente a frente em processos judiciais que duram anos, quase sempre sem final feliz.

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