O Estado de S. Paulo
Olhando os rumos do mundo e os do Brasil,
podemos sentir como é instável a situação, como é necessário fazer tudo para
estabilizá-la e como isso pede também o que existiu no Real
Trinta anos de Plano Real nos levam a pensar
em muitas coisas. Uma delas, a mais animadora, é saber que o Brasil é capaz de
resolver problemas complexos, como a hiperinflação, que até hoje atormenta
nossos hermanos argentinos.
Muitos desdobramentos positivos na história
recente do País dependeram da atmosfera criada pelo Plano Real. Um deles é a
política social da primeira década do século que garantiu a Lula da Silva uma
grande fidelidade dos setores mais vulneráveis da população.
Nem todos os problemas foram resolvidos ali.
A reforma tributária que deve ser aprovada neste ano é considerada um passo
adiante na trilha aberta pelo Plano Real.
Mas o que se discute com intensidade hoje é o
ajuste fiscal.
Lula parece confrontado com duas saídas
indigestas. Uma delas é voltar-se para os setores mais pobres, desvincular
benefícios previdenciários do salário mínimo, reduzir investimentos na saúde e
na educação.
Existe a alternativa de olhar para cima e para o lado: cortar subsídios, acabar com supersalários, rever a aposentadoria dos militares, realizar uma reforma administrativa.
Há uma série de outras medidas que reduzem
gastos. Uma delas é evitar o desperdício nas despesas sociais. A Índia resolveu
isso criando um sistema digital e um número para cada pessoa. Custou dinheiro,
suscitou debates, mas economizou milhões de dólares.
Enquanto decide, Lula parece preocupado com
não ter encontrado ainda o caminho do aumento da popularidade, algo que todo
governante gostaria de ter, sobretudo para não ser surpreendido eleitoralmente.
Ele escolheu bater no Banco Central e
criticar a alta taxa de juros.
É indiscutível que a taxa de juros é alta.
Mas também para um consenso o fato de que discursos não podem baixá-la. Mas, se
discursos não podem baixá-la, é justo afirmar que contribuem para aumentá-la?
Lula se ressente das críticas de que suas
falas influenciam o preço do dólar. Na verdade, ele depende de múltiplos
fatores, alguns deles, talvez os principais, acontecendo fora do Brasil.
O problema é que o discurso de um presidente
sempre pode ser aproveitado por especuladores. E isso eleva artificialmente o
dólar.
O ideal seria um cálculo político mais frio
na formulação dos discursos. Mas Lula parece estar indo no sentido oposto.
Recentemente, chamou os jornalistas de “cretinos”, por estabelecerem uma
conexão entre suas falas e o aumento do dólar.
Ele tem o direito de achar que os jornalistas
erram e de criticálos. Uma coisa é dizer que estão equivocados e que suas
interpretações não correspondem aos fatos. Outra é insultá-los.
Por que é preciso tomar mais cuidado? Lula
não pode se esquecer do capital político que reuniu para derrotar Jair
Bolsonaro. É um equívoco dilapidar esse capital, revivendo o estilo Bolsonaro
de tratar a imprensa.
Neste momento do mundo, todos nós estamos
vendo as coisas ficando mais difíceis. Joe Biden foi um fiasco no debate
presidencial nos EUA e caminha para uma derrota. A Suprema Corte americana
tomou uma decisão que fortalece os presidentes, tornando-os parcialmente
imunes. Deu a chave para o autoritarismo de Trump, caso volte à presidência.
As eleições parlamentares na Europa indicaram
um avanço da direita. Emmanuel Macron dissolveu o Parlamento e convocou novas
eleições. A direita venceu e, agora, somente um arranjo perfeito no segundo
turno poderá evitar que faça o primeiro-ministro.
Com os EUA e a Europa caminhando para a
direita, as consequências serão muito sérias. A Ucrânia terá dificuldades para
sobreviver, pois a vitória tanto na Europa como nos EUA é também uma vitória de
Vladimir Putin, tão próximo da extrema direita.
O pior de tudo é que ascendem ao poder
negacionistas do aquecimento global. Já estamos ultrapassando a meta, fixada
para 2030, de aumento de 2,5 graus na temperatura considerada um marco para
evitar o desastre.
Imigrantes, minorias, todos vão pagar uma
cota de sacrifício, mas a própria sobrevivência da humanidade estará em perigo.
Neste contexto, é difícil pensar o Brasil
como uma ilha social-democrata, sobretudo porque a direita é forte no País.
Os tempos não estão para equívocos na
política econômica, muito menos para arrogância entre democratas.
No Plano Real houve um pouco o sentido de
unidade nacional. A maioria das forças políticas compreendeu sua importância e
a população captou muito rapidamente o sentido progressista da reorganização
econômica.
A verdade é que a economia atual, graças
também ao Plano Real, não vive os tormentos daquela época, mas também é verdade
que os desafios se transformaram e pedem um nível de amadurecimento que às
vezes se dissolve nas vertigens do poder.
Se olhamos os rumos do mundo e os rumos do
Brasil, podemos sentir como é instável a situação, como é necessário fazer tudo
para estabilizála e como isso pede também o que existiu no Plano Real:
conhecimento técnico e habilidade política. •
A extrema-direita ruge.
ResponderExcluirExcelente coluna !
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