Folha de S. Paulo
Ela é de verdade ou os EUA são só no filme?
Nos anos 1970, em um restaurante no Rio, Fernanda Montenegro sentou-se casualmente ao lado de uma mesa de americanos. Com ela, seu filho Claudio, ainda garoto. Os americanos falavam alto. Claudio perguntou a Fernanda: "Mamãe, eles são de verdade ou é só no filme?". Claudio tinha razão de duvidar. Com os americanos, nunca podemos ter certeza. A começar pelo cinema que eles faziam nos anos dourados. Nada era o que parecia ser.
Em plena 2ª
Guerra, John Wayne e Errol Flynn interpretavam supersoldados
dizimando nazistas. Logo eles que, na vida real, não foram à guerra e nunca
vestiram uma farda —e, no futuro, o biógrafo Charles Higham acusaria Flynn de
ter sido informante para os alemães. Jerry Lewis,
um dos cômicos mais amados do mundo, era intragável como pessoa, segundo
opinião unânime em Hollywood. Já Boris Karloff, o maior monstro do cinema, era
um doce —educado, gentilíssimo, botava presentes de Natal para as crianças na
porta de seus vizinhos no Edifício Dakota, onde morava.
Rita Hayworth não tinha testa —ganhou uma à
custa de eletrólise. Marlene Dietrich teve os sisos e molares arrancados para
ficar com o rosto afilado. Victor Mature, que fez Sansão em "Sansão e
Dalila" (1949), morria de medo do leão dopado que tinha de enfrentar em
cena. E Humphrey Bogart, Gary Cooper, John Wayne, James Stewart, Fred Astaire e
Gene Kelly usavam peruca.
Nos filmes clássicos americanos, as cenas
externas noturnas eram filmadas de dia, com a chamada "noite
americana". Ninguém fazia a barba até o fim —limpava a espuma com a toalha
e já estava impecavelmente barbeado. Ninguém terminava uma refeição —era sempre
interrompido e tinha de abandonar a mesa. Nas pancadarias no saloon, com
espelhos partidos e socos a granel, ninguém saía de mão ou queixo quebrado.
E que bom que, finalmente, temos Kamala Harris.
Ela é de verdade ou os EUA são só no filme?
Pois é.
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