Folha de S. Paulo
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, quer
facilitar o calote de dívidas estaduais com a União
Imagine a leitora que o governo
federal vá doar R$ 30 bilhões por ano aos estados. Esse dinheiro
inexiste. Agora mesmo, o ministério da Fazenda pensa em mágicas e milagres para
tapar parte do rombo das contas, que calcula em R$ 26 bilhões neste ano. A fim
de doar, teria de tomar emprestado, a taxas de juros horríveis.
Em resumo, é o que propõe projeto de lei de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. Por falar em grandes ideias, Pacheco também é autor da proposta de que seja crime, previsto na Constituição, a posse de qualquer droguinha, um plano de incentivo ao encarceramento em massa, entre outras degradações.
Pacheco quer que a dívida dos estados com a
União seja refinanciada em 30 anos e que a taxa de juros, ora em 4% ao ano,
possa ser zerada.
Se um estado entregar ao governo federal
ativos no valor de 10% da dívida, fica livre de 1 ponto percentual da taxa de
juros. Se entregar 20%, 2 pontos. Deixa de pagar outro ponto percentual se
investir esse dinheiro em educação, infraestrutura e segurança. Por fim, 1
ponto percentual de juros iria para um fundo a ser distribuído entre todos os
estados.
A taxa de juros pode ir a zero, pois. Essa
conta não desaparece. Apenas é passada adiante. Se não receber os juros dos
estados, a União perderia uns R$ 30 bilhões de receita financeira por ano, o
equivalente a uns 40% do investimento federal em 2023 (sem contar o custo de
financiar esse rombo).
O que são esses "ativos" que
estados podem repassar à União? Estatais, como Cemig e Copasa, que o governador
liberal de Minas, Romeu Zema (Novo),
não vendeu. Estados poderiam se livrar do fardo da privatização; quem sabe
tentem superfaturar as empresas. Porém, teria de haver lei federal e estadual
para autorizar tal negócio. Um rolo.
Além disso, também são ativos, dívidas e
créditos quaisquer a receber. A União seria responsável por cobrar os
papagaios, sabe-se lá quantos deles recuperáveis e a qual preço, débitos que
até agora os estados não venderam no mercado. Por quê?
Os estados que entrarem no programa poderiam
usar aquele 1% de juros sobre a dívida em investimento, mas não em gasto como
pessoal, por exemplo. Como verificar? O estado seria obrigado a somar esse 1%
de juros perdoados ao que já investe hoje? De outro modo, pode burlar a regra.
Investimento novo até poderia ser útil, se
bem feito, o que é duvidoso em estados com finanças escabrosas. O governo
federal também quer investir mais. Não pode. Não tem dinheiro.
Entre 1997 e 1999, A União assumiu as dívidas
de estados quebrados por endividamento excessivo, má gestão ou bandalheira.
Ficou com uma conta cara em troca de os estados pagarem seus débitos
refinanciados, em prestações. Desde então, já houve outros perdões.
Estados continuam a se queixar de juros
excessivos, em especial Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os
casos mais teratológicos de irresponsabilidade, além de São Paulo e Goiás.
Estados maiores e mais ricos querem passar a conta para o país inteiro.
A dívida do Rio equivalia em 2023 a 188% da
receita corrente líquida do estado. A do Rio Grande do Sul, a 185%. Minas,
168%. São Paulo, que paga as contas, 128%. Dois terços dos estados tinham
dívida inferior a 30% da receita.
No projeto de Pacheco, prevê-se que os
estados que aderirem à renegociação ficariam sujeitos a regras parecidas com as
do arcabouço fiscal: o aumento da despesa poderia ser igual a, no máximo, 70%
do aumento real da receita. Mesmo que tal regra sobreviva no Congresso, é pouco
restritiva para governos teratológicos.
O sentido geral do projeto de Pacheco é de
aumento de gasto e de privilégio para irresponsáveis. Tem grande chance de
passar, pois.
Pois é.
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