Folha de S. Paulo
Se os franceses se entregarão ao canto dessa
sereia, o tempo é quem dirá
É raro, mas acontece muito. Debates
tipicamente acadêmicos entre especialistas na nova onda de partidos e
movimentos extremistas no mundo se tornam temas de divergências no jornalismo.
Em toda parte, acontece o debate se Marine
Le Pen e seu partido devem continuar sendo classificados como
de extrema
direita ou se, após um enorme esforço de reabilitação de
imagem, agora podem ser considerados como uma direita republicana, ainda que
nacionalista.
A "desdiabolização", para usar a
expressão que os franceses empregam, é um tipo de normalização que consiste na
remoção de certas características presentes em uma imagem pública, no
deslocamento de outras para o segundo plano ou na adição de novos predicados
que tornem o partido ou movimento mais palatável ao gosto médio dos eleitores.
No caso francês, foi crucial a remoção do
antissemitismo, antissionismo e do racialismo, a moderação dos radicais do
partido, a oferta de políticas sociais e um novo discurso sobre gênero.
É preciso reconhecer que Marine Le Pen fez um esforço explícito e consciente para reabilitar o movimento herdado do pai, Jean-Marie. Sinal de que entendeu que não havia esperanças de superar o sarrafo republicano ainda alto da maioria dos franceses com uma oferta ideológica que seduzia apenas os feios, sujos e malvados.
Por outro lado, qualquer discussão sobre a
classificação de uma força política como extremista deveria partir de algum
consenso sobre o que isso significa. Quem usa o modelo histórico fascista como
parâmetro dificilmente encontrará partidos fascistas bem-sucedidos nas grandes
democracias.
A nova extrema
direita europeia não incorpora teses fundamentais dos
fascistas, como o imperialismo expansionista, investidas contra a liberdade de
mercado e o individualismo liberal, ou ataques explícitos à democracia e ao
Estado de Direito.
O discurso é protecionista do território, não
expansionista; e há a crença de que a extrema direita é a última trincheira da
democracia e da civilização contra a barbárie, não adversária delas.
Retoricamente, as várias extremas direitas
vivem da promoção do alarmismo sobre identidades – nacionais, ocidentais ou
cristãs – ameaçadas. Ou da promoção da crença de que "nós",
franceses, alemães, neerlandeses, italianos, portugueses etc., somos vítimas de
um cerco de inimigos externos —as "hordas muçulmanas", os migrantes
africanos e sul-americanos— e internos, os complacentes com isso.
Por isso, reivindica uma autoridade mais
forte do que a permitida pelas amarras constitucionais para lidar com esse
enorme problema. Eventualmente, nas bordas dos movimentos, há alguma
glorificação da violência justificada pela defesa dos interesses da identidade,
mas é raro ver tais teses expostas publicamente.
Isso não é fascismo, mas quem disse que é
preciso ser fascista para ultrapassar limites republicanos inegociáveis?
O fato de não serem fascistas não os torna
menos perigosos para aqueles que são alvo de sua hostilidade. A retórica
identitária que se alimenta de um antagonismo feroz entre "nós", os
nacionais sitiados em nosso próprio território, e os estrangeiros
"inassimiláveis" que nos ameaçam, geralmente é sintoma de uma
situação em que grupos já estão tomando medidas para mostrar aos migrantes
todas as formas e cores da nossa repulsa.
Ao mesmo tempo, essa retórica funciona como
uma autorização social ao racismo, às demonstrações de desprezo, às
discriminações e à violência.
O pacote completo inclui muito mais do que o
rótulo "xenofobia" é
capaz de mostrar. Estrangeiros são responsabilizados pelos principais problemas
sociais do momento: desemprego, delinquência, queda na qualidade dos serviços
públicos, violência contra mulheres etc.
O foco está sempre nas ameaças —prostituição,
drogas, crimes, estupros— e as diferenças são destacadas com ênfase nos
estereótipos negativos, para mostrar como "eles" não aceitam nossos
valores, trazem costumes estranhos para nossa pátria e se recusam a viver como
nós, ao mesmo tempo em que consomem nossos recursos, diminuem nossas
oportunidades e ameaçam nosso modo de vida e nossa soberania.
Lá como cá, não há extremismo sem que se
apresentem antagonistas malignos, sem que se dissemine o sentimento de que
somos vítimas de um cerco ou de uma ocupação de inimigos, sentimento que passa
a justificar tudo, e sem que se difunda a sensação de que estamos em uma crise
tão grave que não há solução tradicional capaz de resolvê-la.
Se os franceses se entregarão ao canto dessa
sereia como nós o fizemos, o tempo, e não apenas esta eleição, é quem dirá.
Paris está irreconhecível, os imigrantes Ocuparam as estações de metrô, as praças e de forma ostensiva , a cidade está feia , fedida, agora vão maquiar pra olimpíada
ResponderExcluirDemétrio Magnoli já se entregou ao canto da sereia, recusando a adjetivação de extrema direita para o movimento e partido de Marine Le Pen, acreditando na conversão deles aos princípios democráticos.
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