O Globo
O populismo não entregou o prometido, vida
digna a todos e prosperidade. Melhor buscar concorrência e renovação da
política
O embate entre esquerda e direita não parece
ser a melhor forma de analisar o cenário político no mundo – e tampouco no
Brasil, onde a diferença programática entre os partidos é opaca e as classes
populares desconfiam das elites.
Nas últimas eleições parlamentares na Europa,
prevaleceu o desejo de mudança por conta da decepção de eleitores com os
governantes, acrescido do sentimento de vulnerabilidade diante de temas
diversos, como questões ambientais, geopolíticas e de empregabilidade dos
trabalhadores pelo uso de novas tecnologias.
Há muita inquietação, inclusive com apelo para o populismo, e não exatamente simpatia pela esquerda.
No Reino Unido, os Trabalhistas derrotaram o Partido Conservador de forma esmagadora, após 14 anos de governo. Não sem razão. Ficou claro para a sociedade o alto custo econômico do Brexit, quadro agravado pela inflação alta e pela insatisfação com a saúde pública na Inglaterra.
O discurso de Rishi Sunak, ao deixar o cargo
de primeiro-ministro, por sua vez, foi sensato por não negar os problemas e
evitar maior polarização. Ele disse: “Os britânicos demonstraram que o governo
do Reino Unido tem de mudar e o seu julgamento é o único que importa. Ouvi a
raiva de vocês, a sua desilusão e assumo a responsabilidade por esta derrota”.
Já na França, o quadro é bem difícil. A
frente de esquerda ganhou, mas a votação bastante pulverizada entre os partidos
traz muitas incertezas e dificulta a vida do presidente Emmanuel Macron. Ele
ficou ainda mais enfraquecido, sendo que muitos o acusam de isolamento e de
cometer erro estratégico ao antecipar o pleito, que seria mais um sinal de
distância do eleitorado. Sua resposta foi o silêncio.
Em que pese o aumento do apoio ao partido de
extrema-direita Reform UK, do Reino Unido, o terreno fértil para o populismo é
maior na França, e revelou-se com o crescimento da ultradireita de Marine Le
Pen, apesar da derrota de seu partido, o Reunião Nacional, enquanto a vitoriosa
Nova Frente Popular incluiu a extrema-esquerda.
O crescimento do populismo não
necessariamente irá se traduzir em ameaça à democracia – nessa direção, Le Pen
busca atenuar seu discurso extremista, visando à maior competitividade
eleitoral adiante –, mas esse tampouco seria um bom caminho.
Alguns acreditam que o populismo não é
necessariamente algo ruim, como Thomás Zicman de Barros e Miguel Lago. Os
autores distinguem o que chamam de populismo inclusivo e o reacionário. O
primeiro pode transformar positivamente as instituições, tendo característica
emancipadora para aqueles “subalternizados” que sofrem com as desigualdades,
sendo sua inclusão na agenda política um fator a reforçar a democracia liberal.
Já o segundo se utiliza de discursos de intolerância e ameaça a democracia
liberal.
Para os autores, diante das incertezas e
percepções de vulnerabilidade, as pessoas podem ser seduzidas por discursos que
prometem certezas e segurança; é o que oferece o populismo reacionário, que
aponta culpados e inimigos. O emancipador questiona estruturas de dominação e
busca maior inclusão, apontando “pontos cegos” que demandam ampliação de
direitos.
Sem entrar na discussão sobre os perfis do
populismo de Lula e de Bolsonaro, que é o objetivo central do livro, entendo
que líderes populistas podem até cumprir importante papel de questionar o
status quo no debate político. Resolver os problemas de forma efetiva é outra
conversa.
No Brasil, país marcado pelo patrimonialismo
e muitas desigualdades de oportunidade, o questionamento das instituições
extrativistas se faz ainda mais necessário, mas poucos líderes o fazem. E
alguma dose de antagonismo, apontando segmentos privilegiados, é compreensível
como parte do jogo democrático, onde precisa haver o espaço para o conflito de
ideias.
Tratar, porém, a divergência como embate
entre inimigos, alimentando a cisão da sociedade, pode inviabilizar a busca de
soluções majoritárias. É falsa a promessa de que a eliminação dos “culpados”
resolverá os problemas. Além disso, se encarece a barganha política no
parlamento. Entre essas e outras é que o Centrão aumenta seu poder e o
enfrentamento dos dilemas é procrastinado.
O populismo não entregou o prometido, vida
digna a todos e prosperidade. Melhor buscar o caminho da maior concorrência e
renovação da política. Há bons exemplos no mundo.
''Prosperidade a todos'',tá difícil.
ResponderExcluir