Valor Econômico
Maior rede de cafeterias da China assinou acordo no valor de US$ 500 milhões para a compra de 120 mil toneladas de café “robusta amazônico”
Em tempos amargos e de “segundas sangrentas”,
de colapso dos mercados, aversão ao risco e incertezas fiscais, a boa notícia,
quem diria, vem do café, bebida amargosa que acende e aquece o nosso cotidiano.
E vem do café da Amazônia, cada vez mais popular, em meio aos preparativos para
a Cúpula Mundial do Clima (COP30) que em 2025 será em Belém (PA), na região
amazônica.
O governo já bateu bumbo para a notícia de que a maior rede de cafeterias da China assinou, no começo de junho, um acordo com a Agência Brasileira de Promoção à Exportação (ApexBrasil) no valor de US$ 500 milhões para a compra de 120 mil toneladas de café “robusta amazônico”.
A empresa chinesa é a “Luckin Coffee”, o
“café da sorte”, mas que os chineses traduziram para a comitiva brasileira,
liderada pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio (Mdic), Geraldo Alckmin, como o “café da felicidade”. De fato,
arrancou sorrisos das autoridades brasileiras: em 2022, os chineses haviam
destinado US$ 80 milhões para o café brasileiro, número que saltou para US$ 280
milhões em 2023, e para meio bilhão de dólares neste ano.
Ao testemunhar vários “negócios da China”
celebrados entre os dois países, Alckmin disse à coluna discordar de um certo
grau de pessimismo na ordem do dia com a economia brasileira. Ao citar o
risco-país, que mede o ambiente de investimentos, o vice-presidente reconheceu
que ele continua alto, em 166 pontos, mas lembrou que já bateu os 254 pontos.
“O risco-país é um problema, mas a reforma tributária vai ajudar a
controlá-lo”, afirmou. Ele ponderou que as novas regras não entrarão em vigor
imediatamente, mas observou que “tudo o que é difícil, faz-se com gradualismo”.
Alckmin enumerou outros indicadores que, ao
seu ver, acenam para a saúde da economia brasileira: a trajetória de queda da
inflação - embora a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco
Central tenha emitido alertas, não descartando a alta da Selic-, taxa de
desemprego de 6,9%, a menor desde 2014, a maior renda do brasileiro desde o
Plano Real e reservas cambiais que fecharam 2023 em US$ 355 bilhões. “Isso não
deve nos acomodar, temos desafios grandes, mas a realidade é positiva”,
ressaltou.
A cifra atraente do negócio de US$ 500
milhões com a China ganhou ampla divulgação, porém, não a opção dos chineses
pelo café amazônico - iguaria que tem o dobro de cafeína do que o campeão de
vendas arábica, em especial, o mineiro.
Dados da Apex mostram que cerca de 75% do
café brasileiro exportado é arábica, e somente 25% é canéfora (ou conilon) -
cultivado no Espírito Santo, em Rondônia e no Acre. O café amazônico é
resultante do cruzamento do conilon com o robusta, com assessoria técnica da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Para entender por que os chineses optaram
pelo café amazônico, é preciso voltar no tempo, à Semana Internacional do Café
em Cacoal, Rondônia, em novembro de 2023.
O presidente da Apex, Jorge Viana, mostrou à
coluna a discrepância entre as exportações das regiões Norte e Nordeste, em
especial em comparação com o volume total de vendas ao exterior. No ano
passado, o Brasil exportou cerca de US$ 340 bilhões em produtos nacionais;
desse total, o Norte foi responsável por US$ 29,4 bilhões (impulsionado pela
Vale, no Pará), e o Nordeste por US$ 24,9 bilhões.
Diante desse cenário, Viana decidiu criar
programas voltados a turbinar as vendas de produtos dessas duas regiões. Foi
nessa conjuntura que, em novembro, ele trouxe para o Brasil 23 compradores de
11 países: Estados Unidos, China, Emirados Árabes, Reino Unido, África do Sul,
Armênia, Bélgica, Canada, Grécia, Jordânia e Paraguai. “Agora a gente está
trazendo quem compra para conhecer aqui os nossos produtos”, argumentou.
Ele levou os potenciais compradores até o
município de Cacoal, considerado a capital do agronegócio de Rondônia, para
conhecer os produtores locais. O grupo ainda visitou a Aldeia Lapetanha, do
povo Paiter Suruí, pioneiros na criação de uma agência de etnoturismo indígena.
Os empresários almoçaram com os índios e saborearam o café de alta qualidade
dos indígenas. Após uma premiação em 2019, o Povo Suruí fechou parceria com uma
grande marca nacional, que compra 90% dos grãos colhidos, enquanto o restante é
dividido entre os indígenas.
Um desses empresários era um chinês
representante da “Luckin Coffee”, que manifestou o interesse pela compra do
café amazônico. Sete meses depois, Alckmin e Jorge Viana assinaram o contrato
com os chineses em Pequim. A empresa controla 19 mil cafeterias na China - no
país asiático, a rede Starbucks, gigante americana, tem cerca de 6 mil
unidades.
Alckmin ficou impressionado com o aplicativo
instalado no celular do dono da rede de cafeterias, que monitora as vendas em
tempo real. Eram 15 horas, e já haviam sido vendidas 5,5 milhões de xícaras de
café. Em média, são vendidas cerca de 10 milhões por dia.
O Brasil é o maior produtor e exportador de
café do mundo, representando cerca de 38% da produção global. Contudo, a
referência mundial de café é a Colômbia, assim como o vinho está para a França,
os charutos para Cuba e a vodca para a Rússia. “Nosso desafio é transformar o
café do Brasil em marca mundial”, diz Jorge Viana.
A notícia é ótima, desde que, de fato, resulte em geração de riquezas e possibilidades efetivas de crescimento para as populações amazônicas. Mas, ao mesmo tempo, não consigo deixar de lembrar de uma pequena fala do economista Paulo Gala, professor da FGV, quando ele caracterizou a economia chinesa atual: uma economia de mercado altamente competitiva e pujante, combinada com a presença de empresas estatais voltadas para o desenvolvimento do que há de mais moderno na indústria e tecnologias de ponta. Um país que conseguiu criar uma classe média de 500 milhões de pessoas com um ganho per capita médio de cerca de US$ 5.000,00. Nas últimas décadas, os chineses conseguiram promover uma das maiores revoluções já realizadas, superando um quadro de pobreza e penúria da maior parte de sua população. Não apenas os chineses realizaram esse incrível salto, mas boa parcela dos asiáticos. Também não consigo deixar de lembrar uma cena de frequentadores de bares em São Paulo assistindo doramas coreanos como se fossem crianças magnetizadas pela tela da TV. Enquanto isso, exportamos café.
ResponderExcluirEnfim.