O Estado de S. Paulo
Pelo lado da política, desenvolvimento requer um elenco com disposição para deslanchar uma reforma abrangente
Antes tarde do que nunca; finalmente, a
economia deu sinais positivos nos Estados Unidos e trouxe forte alívio à alma
dos brasileiros.
Afastado o espectro da recessão e aberta a
janela para a esperada redução dos juros nos Estados Unidos, nosso índice
Ibovespa reagiu eufórico, atingindo o nível recorde de 135.778 pontos.
Ultrapassar a barreira maldita dos 3% de crescimento do PIB neste ano torna-se,
assim, uma conjectura com pé e cabeça. Mas, claro, para a luzinha brilhar com
mais força, tornando-se uma tendência efetiva, como diria o Barão de Itararé,
começar já é um começo.
Por enquanto, somos infelizmente forçados a repetir que ficar patinando nos 3% durante vários anos não nos levará a lugar algum. Esse número demoníaco significa que tão cedo não conseguiremos duplicar nossa já pífia renda por habitante, sem enxergar o sonhado horizonte de um país de fato desenvolvido. Ao cronista restará a obrigação de martelar o lugar-comum de que o marco zero dessa esperança é fazer o dever de casa.
Cabe aqui evocar uma lição atribuída ao
general Charles de Gaulle: “D’abord, la politique” (Primeiro, a política). Em
qualquer país, desenvolvido ou não, é por aí que a situação pode se desarranjar
seriamente. No Brasil, só um obtuso não percebe que a situação já se encontra
assaz desarranjada. Começando pelo presidente da República, lembremos que na
semana passada, sem abrir mão de sua sutileza de estadista, Lula da Silva
afirmou que a Venezuela “é um regime muito desagradável”, mas não uma ditadura.
Por aí podemos inferir que Lula pode até possuir outros dos requisitos
necessários ao cargo que ora exerce, mas com certeza não o dom do verbo.
Algumas semanas antes, presumivelmente tentando ajudar seu colega Fernando
Haddad, afirmou que ajustes fiscais fazem o povo sofrer.
Do Congresso Nacional, o que mais se ouve, e
não me atrevo a discordar, é que a presente legislatura é a pior de nossa
história. Um parlamentarismo sério, racionalizado, como o da Alemanha, nem ele
e nenhum antecessor de Lula se animaram a tentar instituir. Mas construíram com
notável eficiência uma divisão de Poderes em que ambos mandam, o Centrão com a
condição de amplo acesso a uma variedade de “emendas” e Lula como sua
contraparte executiva, mas não exatamente “republicana”. Veja-se, a propósito,
a soma distribuída aos parlamentares, um recorde histórico, compreensível em
ano de eleição municipal, e ele, Lula, com o apetite aguçado pela eleição
presidencial de 2026. Referindo-se em conjunto aos Três Poderes, houve quem
cogitasse um almoço de reconciliação, hipótese que não deve valer mais que uma
nota de três reais, como bem assinalou a jornalista Eliane Cantanhêde.
Mas isso não é tudo. Imaginar que os atuais
protagonistas do processo político encetarão de dentro para fora as
imprescindíveis reformas política e do Estado é incidir no grave pecado do
autoengano. Primeiro, precisamos nos convencer de que nossas camadas médias e
altas são despolitizadas, interesseiras, diria mesmo indiferentes aos destinos
do País. (Falo das camadas médias e altas; questionar severamente os 30% ou 40%
inferiores em escolaridade quase equivaleria a praticar um ato de tortura.)
Nossas camadas médias não destoam do figurino
da passividade e da indiferença. Cada família, tendo empregos estáveis para se
manter, casa própria e, se não for pedir demais, um automóvel, os outros que se
danem. São um retrato ainda vivo de um país formado pela contrarreforma, ou
seja, aquela mentalidade avessa ao estudo, aquela mesma que não foi capaz de
sustentar a dianteira outrora sustentada pela Itália, que se deixou ficar na
rabeira científica à medida que a dianteira migrou para o norte, para a Inglaterra
e a França, países que se desvestiram dos antigos preconceitos religiosos e
abraçaram de corpo e alma a ciência experimental.
Mas vejo indícios positivos. De uns dez anos
para cá, diversos grupos profissionais e até famílias passaram a se reunir para
conversar sobre coisas sérias. Mas isso ainda é pouco, muito pouco. A “arte da
associação” a que Alexis de Tocqueville se referiu em 1835 não pode se reduzir
a grupos isolados. Associar-se horizontalmente e com o objetivo de pressionar
de fora para dentro os Poderes, deles exigindo as reformas e comportamentos de
que o País precisa com urgência. Eis aí, em poucas palavras, a questão inexorável
com a qual cedo ou tarde nos iremos deparar.
Pois é, meus caros leitores e leitoras,
mantenhamos a luzinha que ora rebrilha no fim do túnel, mas conservemos, por
enquanto, a dúvida sobre qual e quanto combustível a mantém acesa. No que me
toca, sou forçado a repetir, com o habitual constrangimento, que, pelo lado da
economia, desenvolvimento requer investimento numa quantidade e qualidade que
não estão à vista, aumento da produtividade, ciência e tecnologia e um sistema
econômico mais aberto ao exterior. Pelo lado da política, um elenco com disposição
para deslanchar uma reforma abrangente, lúcida e corajosa.
E mudar os congressistas,urgentemente!
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