sábado, 24 de agosto de 2024

Cristovam Buarque - Aos mestres, com carinho

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E se fizermos um Enem de avaliação para os professores?

O ENEM foi criado em 1998 para avaliar o desempenho dos alunos e mostrar a qualidade do aprendizado deles em cada estado e escola. Na época, a proposta teve pouca repercussão e foi combatida pelos sindicatos de professores, contrários à avaliação. O Enem só teria aceitação pública a partir de 2004, quando passou a servir para seleção nacional de ingresso nas universidades. Repetia-se o que ocorrera em Brasília, a partir de 1996, com a adoção pela UnB do Programa de Avaliação Seriada (PAS), de modo a selecionar os estudantes por meio de provas aplicadas ao longo dos três anos do ensino médio.

A recusa ao “Enem-­avaliador do ensino médio” e o fascínio pelo “Enem-chave para a universidade” mostra a preferência nacional pelo ensino superior e o descuido com a educação de base. Chega-se a aceitar promoção automática entre os anos escolares sem necessidade de avaliação do desempenho. A própria adoção do Enem com apenas uma prova em vez das três do PAS mostra o descuido com o alicerce educacional. A expressão virou marca para indicar sistema de seleção: exemplo é chamar de “Enem” o recente concurso público nacional para selecionar servidores federais, mas sem preocupação em escolher nacionalmente os que desejam ingressar na carreira de professor, assegurando um preparo mínimo nacional, independentemente do município ou estado onde será contratado e exercerá sua função.

“O governo federal tem a tecnologia para realizar a certificação nacional. Basta querer fazer”

Em 2008, o Piso Nacional determinou um salário mínimo para todo o país, mas não determinou um piso nacional de conhecimento e de habilidade para o professor, que continuou a ser selecionado por critérios exclusivamente locais. Como se as crianças e os alunos fossem responsabilidade exclusiva do município ou da família. Com a exigência de um certificado nacional para os professores municipais e estaduais, os alunos de todo o país poderiam ter um padrão mínimo para a formação dos docentes. Ainda não seria a carreira nacional do magistério que a educação de base precisa, mas seria passo necessário na busca de qualificação e equidade no Brasil, não importando o endereço do aluno.

Em 2003, no primeiro governo Lula, o MEC deu início a essa ideia com a criação do Sistema Nacional de Formação Continuada e Certificação de Professor a cada cinco anos. Apesar da forte resistência do movimento sindical dos professores e demais trabalhadores em educação, o programa foi aprovado em diversas instâncias, até porque os professores aprovados receberiam uma complementação salarial a ser paga pelo governo federal. Em dezembro de 2003, o sistema estava pronto para ser implantado, mas em janeiro do ano seguinte o ministro foi substituído e a proposta foi engavetada.

Vinte anos depois, ainda é tempo de os auxiliares do presidente Lula sugerirem a adoção da Certificação Nacional do Professores, tanto quanto retomou a Poupança Escola, também executada localmente, desde 1996, no Distrito Federal e proposta para todo o Brasil pelo ministro de 2003, mas só agora retomada com o nome Pé-­de-Meia. O concurso para dar a certificação nacional do professor, um Enprof, nos moldes do “Enem” dos Concursos, daria um piso nacional de qualificação para os docentes municipais ou estaduais. O governo federal tem a tecnologia para realizar essa certificação nacional. Basta querer fazer, simples assim.

Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907

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