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A desigualdade na qualidade do ensino ainda domina o jogo
O presidente Lula demonstra indignação com a realidade das famílias sem comida farta à mesa nem diploma universitário na parede. Daí sua ênfase no ProUni, nas cotas, no Fies, na abertura de universidades públicas e no apoio às particulares. Graças a ações como essas, o Brasil mudou o perfil racial e social da população com acesso ao ensino superior. Porém, a desigualdade educacional conforme a renda e o endereço do aluno não diminuiu. Apesar dos avanços na democratização da educação, aumentou a distância entre pobres e ricos quando comparamos a qualidade do ensino.
Além da persistência do analfabetismo pleno
ou funcional entre as pessoas de baixa renda e os afrodescendentes, a educação
de base com excelência continua restrita aos alunos que podem pagar boas
escolas ou aos poucos que conseguem matrícula em raras escolas públicas de
qualidade, quase todas federais. Apesar do substancial aumento nas matrículas
do ensino fundamental, o mesmo não ocorreu com a frequência, a assistência, a
permanência e o aprendizado em si. Poucos terminam o ensino médio com o
conhecimento necessário para pleitear ingresso no superior. Raríssimos obtêm
vaga nos disputados cursos de boas universidades. A exclusão continua ao longo
dos estudos e até mesmo depois de formados.
“A bola permite que a elite do futebol não
decorra do elitismo social. O Brasil precisa ‘redondear’ suas escolas”
A desigualdade não
desaparecerá enquanto o acesso a escolas de base com qualidade continuar
restrito. Universidade para todos é uma ilusão demagógica se o sistema
educacional não superar a divisão entre “escolas senzala”, para a maioria
pobre, e “escolas casa-grande”, para a minoria rica. O entorno do presidente
precisa perceber que os produtos da mesa são comprados, mas a educação
universitária é conquista de cada indivíduo, desde que tenha acesso à escola
pública de qualidade. A mudança necessária não está em políticas que
aumentem as vagas para ingresso no ensino superior. Está em garantir a
universalização do egresso oriundo de escolas com a máxima qualidade para
todos.
O Brasil já fez esse movimento com o futebol:
a bola redonda e as regras do jogo permitem que a elite futebolística não
decorra do elitismo social; os craques chegam pelo talento, não pela renda da
família. Mais do que vagas no ensino superior, o Brasil precisa “redondear”
suas escolas: todas com a mesma qualidade suficiente para cada brasileiro ter o
mapa que lhe permita buscar sua felicidade e as ferramentas que o ajudem na
construção de um país melhor.
Aqueles que, por vocação, desejarem continuar
poderão usar a persistência e o talento para levar o Brasil a um Prêmio Nobel,
tanto quanto a bola redonda leva nossos melhores jogadores à Copa do Mundo.
Quando isso acontecer, teremos produtividade para criar renda nacional
suficiente e estrutura distributiva eficiente que permitam a cada família
comprar o que precisa para a mesa. Até lá, felizmente temos bolsas, cotas e
financiamentos como forma provisória de reduzir a penúria e evitar a condenação
permanente do Brasil.
Ocorre que a maioria pobre, que jamais
aceitaria ver seus filhos condenados a jogar com bolas quadradas e os filhos
dos ricos com bolas redondas, aceita que as escolas com qualidade sejam
reservadas aos que podem pagar. Talvez por isso, apesar de sua indignação
diante da desigualdade social, o presidente Lula nunca
tenha se convencido a definir uma estratégia para “redondear” as escolas.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de
2024, edição nº
2905
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