terça-feira, 20 de agosto de 2024

Daniela Chiaretti - A eleição mais importante das nossas vidas

Valor Econômico

Posições climáticas opõem Donald Trump e Kamala Harris e podem afetar o planeta

”A eleição dos Estados Unidos é tão importante para o destino do mundo que todos no planeta deveriam votar”, disse um ambientalista há oito anos em tom de piada e desespero. Em novembro de 2016 o republicano Donald Trump derrotaria a democrata Hillary Clinton e seguiu o script de quem se referia à mudança do clima como uma farsa - “a hoax, em suas palavras. O 45th presidente dos EUA saiu do Acordo de Paris, apoiou o setor de carvão, tornou irrelevante a poderosa agência ambiental americana, a EPA, tratou com desdém ONU, organismos multilaterais e negociações climáticas, e fez seguidores em outras partes tão ou mais irresponsáveis. Trump, à frente do país que é o maior emissor histórico de gases-estufa e hoje vem depois só da China, atrasou o mundo em um tema em que os seres vivos só têm perdas.

A crise do clima volta a ser tema na campanha americana agora com mais prioridade, estratégia e ataques. A anedota do parágrafo anterior é muito atual, mas perdeu a graça.

A realidade não é divertida. O domingo 21 de julho foi o dia mais quente já registrado no mundo desde, pelo menos, 1940. O serviço de mudança climática europeu Copernicus divulgou que naquele domingo a Terra viveu seu dia mais quente com temperatura média global diária de 17,09°C. Para quem não se emociona com médias, há episódios que ilustram o que está acontecendo: um incêndio de grandes proporções ameaçava Atenas na semana passada; Palm Springs, na Califórnia, registrou 51°C em 5 de julho e mais de 50 milhões de pessoas nos EUA ficaram sob alerta diante do calor brutal que matou gente; ao menos 1.300 peregrinos morreram de calor indo à Meca em junho.

Pouco antes e mais perto de seu umbigo, Trump reuniu 20 lobistas do petróleo em seu resort em Palm Beach, na Flórida. Era 11 de abril. Segundo o “Washington Post”, o ex-presidente disse a eles que deveriam doar US$ 1 bilhão à sua campanha porque, reeleito, reverteria regras ambientais que prejudicavam o setor. O “New York Times” apurou que havia no jantar executivos da ExxonMobil, da EQT Corporation e do American Petroleum Institute.

Trump prometeu eliminar as regras climáticas de Joe Biden destinadas a acelerar a transição energética. Disse ainda que abriria mais terras públicas para exploração de petróleo e gás.

O barão do petróleo Harold Hamm, fundador da Continental Resources (uma das dez maiores produtoras independentes de petróleo dos EUA) e próximo a Trump, começou a telefonar a seus pares para convencê-los a abrirem suas carteiras. “Temos que fazer isso porque é a eleição mais importante de nossa vida”, repetia o bilionário, segundo o Post. Trump deve participar de mais eventos sobre petróleo e gás este ano. Em seu discurso na convenção republicana, o homem deu o recado ao repetir o bordão “drill, baby, drill”.

A vice-presidente e candidata democrata, Kamala Harris, por seu turno, é feita de outra farinha. Tem marcos em sua trajetória política de preocupação com o ambiente. Entre 2011 e 2017, quando era procuradora-geral da Califórnia, processou a Chevron e a BP em casos de contaminação por combustível. Como senadora apoiou o Green New Deal e como vice-presidente deu o voto de desempate para o Inflation Reduction Act, o maior investimento climático da história dos EUA, promovido pelo presidente Biden. A lei injeta mais de US$ 370 bilhões ao longo de dez anos em energia eólica e solar, carros elétricos e baterias e foi criada para ajudar o país a se afastar dos combustíveis fósseis.

A Reuters diz, contudo, que Kamala tem sido ambígua em suas posições na área de energia. No passado ela se opôs ao fracking em terras federais, posição que teria revisto. Na Pensilvânia, Estado disputado por Kamala e Trump, ela ganhou o apoio dos sindicatos. A região é a segunda maior produtora de gás natural do país. Biden suspendeu as novas licenças de exportação de gás natural liquefeito em 2024 e não se sabe o que Kamala pensa a respeito.

Os democratas apostam que as posições climáticas de Kamala atrairão o eleitorado jovem. As entidades das juventudes, contudo, ainda não declararam seu apoio.

Enquanto isso, a agência Bloomberg relata que em Phoenix, no Arizona, o calor é desafio constante e que em 2023, depois de a cidade registrar 31 dias seguidos com mais de 43°C, a escola Paideia comprou coletes de resfriamento carregados com sacos de gelo para professores usarem nos intervalos. As “cooling vests” são até estilosas, a julgar pelas imagens disponíveis. Na Austrália surgiram neste verão “cooling hubs”, tendas com ventiladores para abrigar moradores em situação de rua. Em Miami e em Tóquio já existem “cooling centers” - espaços públicos fechados com muito ar-condicionado e cadeiras para as pessoas se refugiarem nos dias muito quentes.

O calor já afeta a rotina e os horários de trabalho em todo lado. Em Roma muitas empresas concedem dias de home office a funcionários para poupá-los das altas temperaturas das ruas. A empresa Urbaser, de Madri, proibiu a varredura de vias públicas quando a temperatura for superior a 39°C e atrasou o horário dos turnos da tarde das 14h30 para as 17h. Sindicatos na Itália e na Grécia demandam novas regras que protejam os trabalhadores.

Tudo isso sem mencionar aqui no Brasil, onde os incêndios queimam o Pantanal, a seca avança no semiárido e no Centro Oeste e começa precoce na Amazônia, ameaçando ser mais grave do que a de 2023.

 

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