terça-feira, 20 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Momento é favorável a Kamala

O Globo

Prestes a sagrar-se candidata, ela avança nas pesquisas — mas precisa ter cuidado com populismo econômico

O discurso da vice-presidente dos Estados UnidosKamala Harris, previsto para quinta-feira à noite será o ponto alto da Convenção Nacional Democrata iniciada ontem em Chicago. Não pelo que todos já sabem: ela aceitará ser a candidata do partido à Presidência contra Donald Trump. Isso é mera formalidade. Mas porque, desde que o presidente Joe Biden desistiu de concorrer à reeleição, Kamala injetou energia na campanha e tornou a disputa mais acirrada, minando o favoritismo de Trump. Para seus simpatizantes, o discurso alimentará esse entusiasmo. Para eleitores indecisos, o interesse é outro. A dúvida é qual é o programa de um eventual governo Harris — e como ela se distinguirá de Biden se vencer.

As últimas pesquisas têm trazido ótimas notícias para Kamala. Ela aparece empatada com Trump na média das sondagens nacionais, mas isso tem importância menor na eleição americana, decidida pelo Colégio Eleitoral. Nos três estados mais críticos para a vitória, a mudança de candidato trouxe avanço nítido para os democratas. Na média das pesquisas do site Real Clear Politics, ela está na frente em Michigan e Wisconsin e quase empatada com Trump na Pensilvânia. Pela conta do FiveThirty-Eight, ela lidera nos três — e isso bastaria para lhe garantir a vitória se a eleição fosse hoje.

Os democratas também avançaram noutros quatro estados pendulares, que pareciam destinados a ficar sob controle republicano: Arizona, Carolina do Norte, Georgia e Nevada. Faltando mais de dois meses para a eleição, é cedo para saber se a maré favorável a Kamala se confirmará na urna. Mesmo assim, ela é incontestável e desafia a campanha de Trump.

O êxito de Kamala em novembro dependerá sobretudo do que ela prometer. A herança de Biden é positiva na economia. Em julho, o desemprego foi menor que antes da pandemia. A renda dos sem diploma universitário foi a que mais cresceu. Os dados de consumo também são positivos. Porém a percepção dos eleitores é outra. Devido à inflação, eles relatam estar mais difícil fechar as contas todo mês. Em resposta, dando ouvidos à ala mais à esquerda de seu partido, Kamala anunciou a intenção de controlar o que chamou de “manipulação de preços” de produtos essenciais, como alimentos ou higiene.

Há, é claro, modos eficazes de a política econômica contribuir para a queda dos preços. O principal é estimular a competição, reduzindo tarifas de importação ou fomentando concorrentes internos. Não se sabe ao certo se Kamala pensa nisso ou nalguma outra saída sabidamente nociva, que interfira na liberdade econômica.

Kamala precisa tomar cuidado para não embarcar no populismo associado às intervenções sobre o mercado — até porque abriria um flanco à campanha de Trump, que a tem descrito como radical de esquerda. Se, em vez disso, ela souber apresentar um programa viável que garanta as conquistas do governo Biden e saiba olhar para as oportunidades econômicas do futuro, tem tudo para vencer e fazer um bom governo.

Infiltração do PCC na campanha eleitoral expõe risco para democracia

O Globo

Chefe da inteligência da PM de SP afirmou que influência dos criminosos é maior do que ele imaginava

É preocupante a declaração do coronel Pedro Luis de Souza Lopes, chefe do Centro de Inteligência da Polícia Militar de São Paulo, afirmando que a influência do crime organizado nas eleições é maior do que ele imaginava. Num seminário promovido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Souza Lopes disse que não é possível afirmar ao certo em quantos municípios paulistas há infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa do estado e do país. Mas garantiu haver indícios palpáveis de movimentação para financiar campanhas eleitorais. O PCC, disse ele, ambiciona firmar contratos com o poder público para lavar dinheiro.

A infiltração do crime organizado no Estado já é realidade, como ficou comprovado recentemente em operação policial contra empresas de transporte da capital paulista controladas pelo PCC. Agora, está em curso uma operação eleitoral no estado de São Paulo, promovida pelo serviço de inteligência da PM. Houve uma reunião do alto-comando policial com representantes dos tribunais regionais eleitorais para criar um canal capaz de agir a qualquer sinal de ingerência da facção criminosa nas eleições. É uma medida necessária.

A Polícia Civil paulista deflagrou em agosto uma operação que constatou o apoio do PCC a dois candidatos a vereador em Mogi da Cruzes e Santo André, na Grande São Paulo. A relação de cidades visadas na operação dá uma ideia da amplitude da investigação: ao todo houve diligências em 15 municípios.

Souza Lopes entende que a organização criminosa, depois de expandir o tráfico internacional de drogas, está em busca de novas atividades para lavar dinheiro. Para o PCC, as oportunidades não se restringem ao transporte, mas se estendem também a contratos de obras e outros serviços públicos. Financiar campanhas é uma forma de contar com apoio para tais iniciativas nas câmaras de vereadores.

Nada muito diferente do que há anos ocorre no Rio, onde representantes dos milicianos ocupam espaços nas casas legislativas para protegê-los e beneficiá-los. Recentemente, a deputada estadual Lúcia Helena Pinto de Barros (PSD), conhecida como Lucinha, popular em território sob o jugo de milícias, foi alvo de uma operação para investigar sua atuação em benefício de milicianos. Documentos e celulares apreendidos com ela comprovaram a proximidade com o crime. Lucinha também empregara em seu gabinete um PM acusado de integrar milícia e a nora de outro. Mas nada disso bastou para cassar seu mandato. Em fevereiro, numa votação vergonhosa, a Assembleia Legislativa do Rio o manteve por 52 votos, 16 a mais que o necessário.

Enquanto não houver consciência do perigo que representa a infiltração criminosa nas instituições, casos assim se repetirão. A busca de legitimação política pelo crime organizado põe em risco o próprio Estado de Direito e deve ser combatida com energia. Não apenas a Justiça Eleitoral precisa estar atenta, mas principalmente os eleitores, que têm o dever de barrá-la com a ferramenta mais poderosa numa democracia: o voto.

Kamala e Trump duelam sobre economia em eleição apertada

Valor Econômico

Trump quer corte de impostos e mais tarifas; Kamala, taxar ricos para gastar em programas para a classe média e trabalhadores

A indicação de Kamala Harris para concorrer à Presidência dos Estados Unidos, após a desistência do presidente Joe Biden, reequilibrou a disputa entre os candidatos. Os democratas vinham perdendo terreno em todas as frentes com Biden e agora há disputa ponto a ponto tanto nas pesquisas gerais como nas dos seis Estados pêndulos, cuja votação varia entre os dois partidos, ao contrário do histórico dos demais. Serão decisivos para o resultado: Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Nevada, Arizona e Georgia. O desfecho ainda é imprevisível.

Pesquisa do Financial Times aponta que a esmagadora maioria dos americanos (80%) está preocupada com a marcha da inflação. A economia tem sido o principal tema de campanha do republicano Donald Trump, em especial a marcha dos preços, que atribui às políticas de Biden e de sua vice, Kamala. A inflação está caindo, mas em um ritmo mais lento do que gostariam os democratas para transformar em um trunfo eleitoral. Kamala não está apresentando um programa diferente daquele que abraça como vice de Biden, mas lançando outras ideias que seguem as linhas da atual administração, porém com ênfase nos trabalhadores e na classe média. “Trump luta pelos bilionários e grandes empresas, eu luto por devolver o dinheiro para os trabalhadores e a classe média”, disse, ecoando uma bandeira tradicional da centro-esquerda do partido.

Kamala prometeu ampliar programas de assistência a famílias com recém-nascidos e crianças e um bônus de US$ 25 mil para os adquirentes da primeira moradia, além de US$ 40 bilhões ao longo do seu mandato para construtoras fazerem esses imóveis. A meta, de 3 milhões de imóveis ao longo de quatro anos, foi tida por analistas como decepcionante - os EUA constroem hoje 1,5 milhão de residências por ano.

Essas promessas podem ser relevantes, mas o discurso sobre a plataforma econômica na Carolina do Norte, realizado na sexta-feira, acendeu um sinal de alerta indesejável para a campanha. Kamala disse que era necessário refrear o ímpeto e o poder das empresas em reajustar preços, disse que terá maior vigilância sobre elas e deu sinais de que pretende coibir “preços abusivos”. Não definiu como, mas a simples menção soa como heresia em um país onde reina um dos sistemas mais competitivos do mundo.

O discurso surpreendeu até membros de seu próprio partido. “Não é uma política sensível”, afirmou Jason Surman, presidente do Conselho de Economistas do governo Barack Obama. Entre os economistas, provocou certa perplexidade. “É uma ideia horrível”, disse Kenneth Rogoff, professor de Harvard. Para Trump, pode ter sido um prato cheio, transformando Kamala na “comunista total” que ele diz achar que ela é.

Os empresários estão divididos. Corte de impostos é uma música irresistível para eles, mas as tarifas e balbúrdias do mandato de Trump não deixam boas lembranças. Kamala tem a seu favor os programas do governo Biden: protecionismo, produção doméstica de bens de tecnologia, como semicondutores, incentivo a tecnologias verdes, com subsídios substanciais em todas essas áreas. Se a arrecadação de campanha é uma prova do apoio de quem tem dinheiro, há receptividade - ela amealhou US$ 200 milhões na primeira semana. Dinheiro não falta a Trump, que até julho coletara US$ 400 milhões.

Os planos econômicos de Trump são volúveis - estão em sua própria cabeça e mudam com os dias de campanha. Há a ideia predominante de novo corte de impostos para empresas e de um tarifaço não apenas para produtos da China - tarifas elevadas a 60% -, como também dos países amigos: 10% sobre todos e, nos últimos dias, 20%, de acordo com o candidato. O republicano não gosta da autonomia do Federal Reserve, como já demonstrara nas escaramuças com Jerome Powell na eleição de 2019. Ele insinuou que quer ser consultado antes das decisões de política monetária e que pode abreviar o mandato de Powell, que vai até 2026. Trump achou também que tem uma solução para o alto preços das moradias e dos aluguéis no país - a expulsão em massa dos imigrantes. Prometeu colocar para fora do país mais de um milhão de pessoas.

O Comitê por um Orçamento Federal Responsável, uma ONG que se dedica ao tema, fez um cálculo sobre o que as propostas dos candidatos representariam para o elevado déficit público americano de US$ 34 trilhões, cerca de 120% do PIB. As propostas feitas até agora por Kamala aumentariam a dívida pública em US$ 1,7 trilhão em dez anos. As de Trump, sempre supondo que sejam executadas, custariam US$ 7 trilhões em dívidas.

Para além da economia, a plataforma antidemocrática de Trump o impede de ir além das pessoas que já cativa. A entrada em cena de Kamala deu um nó em sua campanha, que ainda não encontrou uma forma de melhor atacá-la, afora os xingamentos habituais. As promessas de anistia para os fanáticos que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro reforçam sua imagem de radicalismo, assim como a promessa de vingança contra investigadores que foram indicados para seus processos judiciais. Só os eleitores dirão se isso importa muito.

Ricos devem contribuir para preservar florestas

Folha de S. Paulo

Países emergentes que não desmatarem merecem receber apoio financeiro, conforme proposta correta de Marina Silva

Merece apoio a proposta em gestação no governo federal de um fundo internacional chamado Florestas Tropicais para Sempre. Seria passo decisivo para países ricos demonstrarem, com desembolsos de recursos novos, um compromisso mais firme e equitativo com o desafio do aquecimento global.

A iniciativa brasileira esteve no centro da entrevista de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, à Folha. Segundo ela, calcula-se que o Brasil possa receber R$ 8 bilhões anuais do fundo inovador.

Há muitas e boas razões climáticas para preservar florestas tropicais, mesmo sem considerar a manutenção de sua biodiversidade. Derrubadas como são no ritmo atual, essas matas densas contribuem, dependendo do ano e da estimativa, com 10% a 20% do carbono emitido no planeta a intensificar o efeito estufa.

Reduzir o desmatamento constitui meio mais rápido e barato de mitigar a crise do clima do que reformar toda a base instalada em setores ciclópicos como energia e transportes. Ademais, florestas saudáveis retiram carbono da atmosfera, absorvendo com a fotossíntese CO2 emitido alhures.

Já existe mecanismo para remunerar nações detentoras de florestas tropicais, conhecido no jargão das negociações ambientais como REDD+, mas ele focaliza a redução do desmatamento. O Fundo Amazônia, mantido por Noruega e outros países, faz pagamentos ao BNDES quando recuam taxas de desflorestamento por aqui.

O Brasil fixou meta de reduzir o desmate a zero em 2030. Caso alcance o objetivo ambicioso, a biodiversidade remanescente na amazônia, no cerrado e na mata atlântica seguirá prestando benefícios à saúde do planeta, como a mitigação da mudança climática e a regularização de recursos hídricos.

Nada mais justo, portanto, que debater desde já como recompensar países por tais serviços. Faz bem a ministra em liderar essa formulação no governo federal e nas negociações internacionais sobre clima, para que ela amadureça a tempo de ser adotada na conferência de 2025 em Belém, a COP30.

Haverá resistências. Nações desenvolvidas sempre regatearam o cumprimento de compromissos de prover fundos para prevenir e arrefecer a crise do clima, em obediência ao princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, adotado na Rio-92.

No Brasil, obstáculos a tais iniciativas foram erguidos durante décadas por setores retrógrados do Itamaraty e do estamento militar. Escombros dessa paranoia ressurgiram no governo Jair Bolsonaro (PL), mas foram soterrados de novo pelas evidências em favor da realidade da emergência climática.

Maconha made in Brazil

Folha de S. Paulo

É preciso legalizar plantio para baixar preços e inserir país no mercado global

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária permite a venda de remédios derivados da maconha, importados ou nacionais, mediante prescrição médica. Mas a lei 11.343/2006, ou Lei de Drogas, proíbe o cultivo da planta no Brasil.

Criou-se, assim, uma distorção que o Congresso, por conservadorismo tacanho, recusa-se a enfrentar. O Superior Tribunal de Justiça, contudo, pretende julgar ainda neste ano a liberação do plantio para fins medicinais e industriais.

Nesses casos, a variedade mais usada é a Cannabis ruderalis (cânhamo), que tem baixo nível de THC, princípio ativo que produz os efeitos alucinógenos, e é rica em CBD, substância de uso terapêutico.

As fibras do cânhamo são usadas em uma gama variada de produtos, como tecidos, papel, cimento, plástico biodegradável e até lataria de automóveis; seu óleo serve para tintas, cosméticos e alimentos.

No âmbito da saúde, o CBD é prescrito para epilepsia, dor crônica, depressão, esclerose múltipla, náusea por quimioterapia, doença de Parkinson, distúrbios do sono e outras condições.

Como as empresas nacionais precisam importar insumos, o que eleva custos, e os produtos estrangeiros são caros, a judicialização aumenta com pacientes que buscam autorização para plantar de forma individual ou coletiva.

O mercado mundial de maconha medicinal movimentou US$ 14,9 bilhões em 2019 e, neste ano, estima-se que chegue a cerca de US$ 43 bilhões. Dos US$ 10,8 milhões em produtos à base da planta que a Colômbia exportou em 2023, US$ 3,4 milhões (ou 32%) foram para o Brasil.

Num país de dimensões continentais, com clima favorável e expertise no agronegócio como o nosso, é um contrassenso ficar fora desse mercado e aprofundar desigualdades, ao submeter pacientes a preços elevados, burocracia e contendas judiciais.

Há dois projetos de lei parados, um na Câmara e outro no Senado, que visam legalizar e regular a plantação para esses fins. Seria bom que os parlamentares se pautassem pela lógica para liberar, com normas e fiscalização, toda a cadeia produtiva da maconha medicinal e industrial no país.

A chance do Senado

O Estado de S. Paulo

Câmara perdeu a oportunidade de regulamentar a reforma tributária com o cuidado que o texto merecia. Que o Senado não cometa o mesmo erro e corrija as inconsistências do texto

O relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), pediu ao governo que retire o pedido de urgência do texto para não trancar a pauta de votações da Casa durante todo o semestre. O Senado quer apreciar a proposta somente após as eleições municipais, uma vez que boa parte dos senadores deve se envolver nas disputas regionais. Braga não vê problemas se o texto for votado apenas no primeiro trimestre do ano que vem, mas o governo ainda não decidiu se acatará ou não a solicitação.

O Senado, ao contrário da Câmara, não tem pressa para discutir o tema. Esse tempo adicional pode ser positivo se os senadores decidirem encarar os problemas do texto, algo que os deputados preferiram ignorar. E há muito a ser enfrentado, como Braga demonstrou em entrevista ao Estadão, a começar pelo teto de 26,5% que os parlamentares impuseram à alíquota padrão.

Como disse Braga, da forma como a trava foi elaborada, a conta simplesmente não fecha. Não basta impor um teto e desconsiderar todas as exceções que foram agregadas ao texto final. A comparação feita pelo senador é útil para entender o que os deputados pretendiam, ao estabelecer uma alíquota máxima, e o que eles efetivamente fizeram.

“Você imagina o seguinte: pega um reservatório de água, ele transborda e você coloca uma tampa em cima. O que vai acontecer? Ou para de botar água ou transborda. Mas o que fizeram foi isto: encheram o tanque e meteram uma tampa”, explicou Braga.

Essas inconsistências, por óbvio, geram incoerências, como no caso do Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”. O tributo deveria ser algo a desestimular o consumo de itens que geram externalidades negativas à saúde ou ao meio ambiente. Tudo indica, no entanto, que terá caráter arrecadatório. Setores mais bem posicionados politicamente, no entanto, conseguiram se livrar da taxação.

Enquanto refrigerantes foram sobretaxados, alimentos ultraprocessados ficaram fora do alcance do imposto. Não havia justificativa para sobretaxar os carros elétricos com o Imposto Seletivo, a não ser a necessidade de manter a competitividade dos carros com motores a combustão, que representam a maioria dos veículos produzidos no País. Já os caminhões ficaram livres da taxação, independentemente do combustível utilizado, assim como as armas.

“Eu acho que a gente não pode, no intuito de fazer a coisa certa, fazer da forma errada. Se tem um bem que eu quero taxar porque é importado, vamos ter coragem de criar um imposto de importação sobre esse bem. E não disfarçar o imposto de importação com o Seletivo”, afirmou o senador. “Era tudo que todo mundo sempre disse que não podia fazer com o Seletivo… Virar arrecadatório.”

Lamentavelmente, o maior dos problemas da reforma – a isenção dos itens da cesta básica – deve passar incólume pelo Senado. Para Braga, a inclusão das carnes na cesta deve gerar desequilíbrios, mas ele julga não haver espaço para retirá-las. O senador, inclusive, acusou a bancada ruralista de quebrar o acordo feito no Legislativo, no qual as proteínas teriam desconto de 60% na alíquota cheia.

Lideranças da Câmara, como esperado, não gostaram de saber que o Senado pretende levar todo o semestre para apreciar o texto. Em tese, a preocupação dos deputados é que os senadores cedam ao lobby de setores econômicos e acatem mudanças que acabem por elevar a alíquota padrão que eles julgam ter travado, ainda que o limite estabelecido no texto seja tão inócuo quanto o antigo teto de gastos. Mas, se o texto voltar para a Câmara apenas no ano que vem, a votação final pode se dar num ambiente completamente diferente, sem o comando de Arthur Lira (PP-AL).

A Câmara perdeu a oportunidade de regulamentar a reforma tributária com o cuidado que o texto merecia. Sem tramitar pelas comissões temáticas e sem um relator, o texto tramitou às pressas e foi aprovado a toque de caixa, também por pressão do governo. Espera-se que os senadores não cometam o mesmo erro e que aprovem um texto que dê fim definitivo ao manicômio tributário que se tornou uma marca do País.

Reforma administrativa de fachada

O Estado de S. Paulo

Ministra Esther Dweck publica portaria com diretrizes frouxas para reestruturação de carreiras, sem engajar governo Lula em reforma administrativa para melhorar serviços públicos

O governo Lula da Silva editou uma portaria com diretrizes gerais e critérios para a elaboração de propostas de criação, racionalização e de reestruturação de planos, cargos e carreiras no serviço público federal para colocar em marcha o que seria, digamos assim, uma reforma administrativa silenciosa. Infelizmente, mais parece promessa do que determinação.

A portaria foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) na quarta-feira, 14, e traz entre seus objetivos a proposta de alongar o tempo para chegar ao topo de uma carreira e reduzir o salário inicial dos servidores. Nela destacam-se, ainda, dispositivos para melhorar a eficiência do serviço público, com a avaliação de desempenho individual e coletivo, desenvolvimento de atividades complexas e engajamento e comprometimento com o trabalho.

São todas, obviamente, medidas muito bem-vindas, necessárias e, se levadas a cabo, promissoras. O cidadão que sustenta o Estado brasileiro merece receber como contrapartida a prestação de serviços públicos de qualidade.

Mas, a depender do texto assinado pela ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, sobram razões para duvidar de que essas diretrizes e esses critérios serão seriamente considerados pelos órgãos vinculados ao Executivo federal. Isso porque as regras se limitam a novos pedidos de reestruturação, mantendo inalterado o esquizofrênico modelo atual, que soma hoje 43 planos de cargos e carreiras, 120 carreiras e mais de 2 mil cargos distintos.

E tamanho ceticismo decorre, sobretudo, das palavras criteriosamente selecionadas para a construção da portaria. Há tantas ponderações que a ministra Esther Dweck só faltou pedir desculpas por baixá-la.

Um exemplo disso é o fato de que o servidor cumprirá o “período mínimo de, preferencialmente, vinte anos para o alcance do padrão final da carreira”. Ora, em bom português, significa dizer que tendem a ser mínimas as chances de os novos pedidos de reestruturação seguirem essa previsão, haja vista que não há a obrigação de cumpri-la. Seria ingênuo crer que parte dos servidores federais muito bem organizados em entidades sindicais com forte poder de lobby concordará em postergar a chegada ao topo da carreira.

Ainda de acordo com a portaria, o passar dos anos não pode ser o “critério único” para evoluir na carreira e ganhar aumento. O chamado “cumprimento de interstício temporal” pode ser combinado com outros cinco critérios previstos na portaria. Mas, ora vejam, não há o estabelecimento de uma combinação de parâmetros para a progressão na carreira, o que pode levar ao mínimo esforço possível para a ascensão, com o critério do tempo e mais um outro apenas.

Tudo isso só reforça a histórica resistência lulopetista à modernização do Estado. O governo Lula da Silva, ao que tudo indica, tenta mesmo é ganhar tempo diante da pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de ressuscitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32) da reforma administrativa discutida na gestão Jair Bolsonaro. Nos moldes em que o texto foi formatado, seria melhor esquecê-lo de vez. Ademais, a maior parte das atualizações imperativas para o setor público dispensa uma PEC.

São urgentes, porém, muitos ajustes legislativos, tais como as normas gerais para concursos públicos, aprovadas corretamente pelo Senado, a limitação dos supersalários e a discussão séria sobre projetos de lei com poder para reconfigurar as carreiras, a começar não por reestruturá-las apenas como pretende a portaria, mas por diminuir essa quantidade exorbitante de mais de uma centena delas.

Com tantos desafios ainda a serem superados, a portaria de Esther Dweck só reforça a falta de engajamento do governo Lula da Silva na discussão da melhoria efetiva dos serviços públicos prestados à população e a defesa de interesses corporativos. Empolgam mesmo a ministra o anúncio de realização de concursos e a contratação de servidores, que, segundo ela, serão mais 21 mil até 2026. Pelas prioridades do governo e pelo teor da portaria, trata-se de uma reforma administrativa de fachada.

As fragilidades do ensino

O Estado de S. Paulo

Resultado do Ideb mostra que o País estagnou na Educação. São Paulo anda para trás

Mais do que apontar uma incômoda estagnação na qualidade de ensino e confirmar fragilidades na aprendizagem de Português e Matemática, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023 revelou o tombo de São Paulo, o Estado mais rico do País, na corrida educacional. Repetido a cada dois anos, o Ideb é elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), e tem como principal objetivo apurar a qualidade da Educação para aproximar o Brasil do nível médio de aproveitamento dos países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Das metas estabelecidas para as avaliações dos três níveis de ensino – Fundamental I e II e Ensino Médio – apenas uma foi atingida, relativa aos primeiros anos do ensino fundamental, com nota 6, exatamente o limite mínimo estabelecido, em uma escala de zero a 10; as outras duas ficaram aquém do objetivo. Considerando apenas as escolas da rede pública, também nessa etapa o resultado (5,7) foi inferior ao esperado. Vale ressaltar que as metas foram fixadas para o ano de 2021 e mantidas para 2023 por causa das distorções que o prolongado período de suspensão das aulas presenciais durante a pandemia produziu na qualidade de ensino.

O Estado de São Paulo, o mais rico da Federação, tem o dever de ter uma educação à altura dessa potência, mas registrou piora nos três níveis de ensino, desde os primeiros anos do ensino básico, de responsabilidade das prefeituras, até o ensino médio, que cabe ao governo estadual. Ainda que as oscilações tenham sido suaves, foram suficientes para atestar o tombo do ensino no Estado em todos os rankings, na comparação com 2019.

A rede paulista de escolas não ficou nem entre as dez melhores das capitais; na lista das 20 cidades brasileiras com maiores notas no Ideb ao fim do ensino fundamental, não há nenhuma de São Paulo. O resultado medíocre não chega a surpreender. A avaliação do Saresp, divulgada há alguns meses, apenas com a rede estadual de ensino, já demonstrava que o desempenho dos estudantes piorou em 2023. O ponto positivo é que, apesar de os dados gerais ainda estarem aquém do necessário, o Ideb mostrou que a queda dos índices não é um fenômeno generalizado.

A superintendente da organização Itaú Social, Patrícia Mota Guedes, fez uma análise certeira ao identificar na qualidade das políticas públicas, mais do que mesmo no volume de capital investido, o sucesso ou o fracasso educacional. Mais do que isso, enfatizou como políticas contínuas bem desenvolvidas podem fazer a diferença na formação estudantil. “Estados com continuidade de políticas públicas, mesmo com mudanças de governo, como Ceará, Paraná e Goiás, têm mostrado bons resultados”, disse a especialista ao jornal Valor.

Não há como atribuir os resultados de 2023 especificamente a um ou outro governo. O avanço educacional depende de um somatório de contribuições num terreno que obrigatoriamente tem de estar acima de questões político-partidárias.


 

 

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