O Estado de S. Paulo
Mais do que sorte ou acaso, os talentos brasileiros precisam de estímulo e boas escolas e professores
Rebeca Andrade é uma síntese, pobre, negra, de periferia e de uma família em que uma mãe solo, empregada doméstica, cuidou obstinadamente dos sete filhos. Enquanto ela fazia um solo incrível, vencia e recebia a medalha de ouro em Paris, sob o Hino Nacional e a reverência emocionante das americanas Simone Biles, prata, e Jordan Chiles, bronze, me vinha uma pergunta: há pouquíssimas Rebecas por aí, mas quantos talentos no Brasil, nas mais diferentes áreas, não só nos esportes, têm o estímulo e a “sorte” da nossa maior campeã olímpica da história?
Segundo os estudiosos, 90% do desenvolvimento
cognitivo, social, físico e emocional ocorrem até os seis anos de idade e
Rebeca reúne tudo isso de uma forma impressionante. E foi graças a uma tia que
a menina de quatro anos começou a treinar num projeto social e revelou-se um
prodígio. Sorte? Acaso? Magia? Dedo divino? Com ela deu certo, mas as Marias e
Joões com a mesma origem não precisam (só) de sorte ou acaso, mas de escolas e
professores adequados, que sirvam como alavanca de inclusão social e impulso de
talentos para gramados, quadras, escritórios, laboratórios, salas de aula, seja
o que for.
Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, lembra
que 74% das famílias brasileiras inscritas no Cadastro Único para Programas
Sociais (CadÚnico) são comandadas por uma mãe solo.
Significa excesso de responsabilidades e
muitas vezes falta de comida, esgoto, água tratada, colchão macio, livros. Se a
mãe não é como D. Rosa, a tia não cobre a licença de alguém e no trabalho não
tem projeto social, como ficam os pequenos?
Assim como Rebeca caiu por acaso num projeto
social, Beatriz Souza, que deu o primeiro ouro ao Brasil, foi pescada pelas
Forças Armadas, que contribuem com 47% da delegação brasileira. São 130: 98
sargentos, como Bia, e 32 saídos do Programa Atleta de Alto Rendimento (PAAR).
Se os militares têm recursos, equipes e programas para assumir atletas de
ponta, por que não as escolas?
Caio Bonfim, um menino magrelo da periferia
de Brasília, adotou a marcha atlética, mudou a vida e trouxe a prata de Paris.
Valdileia Martins, que começou a brincar de salto em altura com a vara de
pescar do pai num assentamento do MST no Paraná, chegou às finais, pena que
sofreu uma lesão. Gabi Portilho, também de Brasília, fez o gol que garantiu a
classificação para a semifinal do futebol feminino.
A escola é fundamental para a vida, igualdade
de condições, destacar talentos e dar chances para as crianças que não tenham
habilidades especiais, mas direito a uma vida digna. E a Educação Física é
parte essencial disso. Rebeca nos traz boas reflexões.
Muito bom!
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