terça-feira, 6 de agosto de 2024

Eliane Cantanhêde - Rebecas, Joões e Marias

O Estado de S. Paulo

Mais do que sorte ou acaso, os talentos brasileiros precisam de estímulo e boas escolas e professores

Rebeca Andrade é uma síntese, pobre, negra, de periferia e de uma família em que uma mãe solo, empregada doméstica, cuidou obstinadamente dos sete filhos. Enquanto ela fazia um solo incrível, vencia e recebia a medalha de ouro em Paris, sob o Hino Nacional e a reverência emocionante das americanas Simone Biles, prata, e Jordan Chiles, bronze, me vinha uma pergunta: há pouquíssimas Rebecas por aí, mas quantos talentos no Brasil, nas mais diferentes áreas, não só nos esportes, têm o estímulo e a “sorte” da nossa maior campeã olímpica da história?

Segundo os estudiosos, 90% do desenvolvimento cognitivo, social, físico e emocional ocorrem até os seis anos de idade e Rebeca reúne tudo isso de uma forma impressionante. E foi graças a uma tia que a menina de quatro anos começou a treinar num projeto social e revelou-se um prodígio. Sorte? Acaso? Magia? Dedo divino? Com ela deu certo, mas as Marias e Joões com a mesma origem não precisam (só) de sorte ou acaso, mas de escolas e professores adequados, que sirvam como alavanca de inclusão social e impulso de talentos para gramados, quadras, escritórios, laboratórios, salas de aula, seja o que for.

Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, lembra que 74% das famílias brasileiras inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) são comandadas por uma mãe solo.

Significa excesso de responsabilidades e muitas vezes falta de comida, esgoto, água tratada, colchão macio, livros. Se a mãe não é como D. Rosa, a tia não cobre a licença de alguém e no trabalho não tem projeto social, como ficam os pequenos?

Assim como Rebeca caiu por acaso num projeto social, Beatriz Souza, que deu o primeiro ouro ao Brasil, foi pescada pelas Forças Armadas, que contribuem com 47% da delegação brasileira. São 130: 98 sargentos, como Bia, e 32 saídos do Programa Atleta de Alto Rendimento (PAAR). Se os militares têm recursos, equipes e programas para assumir atletas de ponta, por que não as escolas?

Caio Bonfim, um menino magrelo da periferia de Brasília, adotou a marcha atlética, mudou a vida e trouxe a prata de Paris. Valdileia Martins, que começou a brincar de salto em altura com a vara de pescar do pai num assentamento do MST no Paraná, chegou às finais, pena que sofreu uma lesão. Gabi Portilho, também de Brasília, fez o gol que garantiu a classificação para a semifinal do futebol feminino.

A escola é fundamental para a vida, igualdade de condições, destacar talentos e dar chances para as crianças que não tenham habilidades especiais, mas direito a uma vida digna. E a Educação Física é parte essencial disso. Rebeca nos traz boas reflexões.

 

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