segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Entrevista | Jairo Nicolau - Urnas devem fortalecer PL, PT e PSD, avalia cientista político

Por Camila Zarur / Valor Econômico

Cientista político acredita que pleito municipal deste ano servirá para partidos se reorganizarem para disputa presidencial e parlamentar de 2026

Quem espera que as eleições municipais sejam uma prévia da disputa presidencial de 2026 poderá se frustrar ao ver que a polarização entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não deve se refletir nas urnas deste ano. O pleito de agora, diz o cientista político Jairo Nicolau, professor e pesquisador da FGV CPDOC, é um referendo das questões locais, e os dois líderes políticos não estão sob avaliação.

No entanto, pondera o especialista, a corrida eleitoral deste ano pode deixar antever as eleições parlamentares de daqui a dois anos. O motivo é a reorganização e reestruturação pelas quais os partidos passam na votação municipal, sobretudo pela proximidade que o pleito gera entre o político e a sigla com o eleitor.

“A análise corrente tende a olhar a eleição municipal como uma prévia da presidencial. E ela não é”, diz Nicolau, em entrevista ao Valor. “É uma eleição importante na perspectiva do quadro partidário e da recomposição das forças”.

Essa característica, contudo, não afugenta a polarização - ela já está presente e pode, ainda mais, se solidificar conforme o movimento dos partidos dos dois líderes. Nicolau projeta que tanto PL quanto PT se sairão como as forças partidárias da eleição, junto com o PSD, que deve se consolidar como uma sigla de centro-direita, “âncora num sistema polarizado”.

Os outros partidos podem sair pior ou melhor de acordo com o desempenho agregado nacional. Mas nessas três forças [PL, PT e PSD] é que a política nacional vai se organizando em torno”, explica.

Pelo lado bolsonarista, Nicolau descreve o PL como o “partido de direita mais organizado depois da redemocratização”. “Pelo menos está se desenhando como tal”, diz.

Desde 2021, quando passou a abrigar Bolsonaro entre seus quadros, a legenda clássica do Centrão passou a se portar de forma mais ideológica, mais alinhada aos ideais conservadores e reacionários do ex-presidente. Isso somado à estruturação do partido, o PL elegeu 99 deputados em 2022; um feito, na avaliação do especialista, que há muito não ocorria.

Em relação ao partido do atual ocupante do Palácio do Planalto, Nicolau acredita que o PT continuará como a principal força da esquerda, ampliando a hegemonia conquistada pela sigla na eleição de 2022 ante o enfraquecimento das demais legendas do mesmo polo que tentavam se colocar como opção a Lula.

“Em 2022, na Câmara, a esquerda ficou mais ou menos do mesmo tamanho de quando entrou no pleito. Mas houve um fenômeno relevante, o enfraquecimento dos partidos rivais ao PT que estavam ali como uma tentativa de crescer e virar alternativa ao Partido dos Trabalhadores. É o caso do PSB, que foi mal [na eleição], e o PDT, que vive um processo de declínio”, diz.

Os demais partidos, como PCdoB e Rede, acabaram ficando à sombra de Lula e do PT, seja por terem formado federação com a sigla do presidente, seja por terem seus líderes dentro da base do governo - como é o caso de Marina Silva, que tentou por anos se firmar como oposição ao petista, após os dois romperem em 2008, mas hoje é sua ministra do Meio Ambiente.

Nicolau, porém, pondera que ainda é preciso ver se a força de Lula vai ser suficiente para recuperar o tamanho que o PT tinha antes da derrocada que sofreu na operação Lava-Jato. O partido, que já chegou a terceira sigla com o maior número de prefeitos, teve seu pior desempenho em eleições municipais em 2020, tendo eleito apenas 183 prefeituras no país - nenhuma nas capitais.

“O partido estava vivendo um esvaziamento. No último pleito municipal, ele foi muito mal, mas dois anos depois, na eleição federal, ele foi bem”, diz o cientista político, que ressalta a capacidade do partido em formar bancadas:

“Quando conta votos para vereança, que é um bom preditor do que vai acontecer nas eleições para deputado, o PT vai bem, ele tem capilaridade e está bem estruturado pelo país. Ninguém duvida que ele continuará nas eleições de 2026, seja com Lula ou sem Lula, como a maior bancada de esquerda.”

Sobre o PSD, o pesquisador credita o crescimento da sigla de Gilberto Kassab ao vácuo deixado por PSDB e MDB: “À medida que esses partidos saem de cena, deixa-se espaço para um político de centro-direita, com fortes ambições políticas, que cria organização um pouco mais eficiente. O PSD cresceu em todas as eleições que disputa, ele elege mais deputados, mais vereadores, mais prefeitos.”

“Quem está conseguindo se impor como alternativa [e meio à polarização] é o PSD, por conta das dificuldades de reconstrução do PSDB e de renovação do MDB.”

A força da sigla também se dá, diz Nicolau, pela gestão de Kassab: “Como o PSD da República de 1946, os estados têm muita autonomia no partido. Ele dá autonomia para as lideranças estaduais operarem. Na eleição presidencial, o partido não fechou questão. O Kassab apoiou o Lula, mas não foi a bancada inteira”.

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