Folha de S. Paulo
A postura do governo brasileiro para com a
Venezuela está correta
Maduro roubou e levou. É uma triste constatação, mas a esta altura já é praticamente certa. A oposição teve mais votos, conforme pode ser comprovado nos mais de 80% das atas eleitorais a que ela teve acesso e que disponibilizou online, com as devidas assinaturas e QR Codes. Já o regime segue se recusando a apresentar quaisquer atas e, dado que é tecnicamente difícil falsificá-las, deve seguir assim, inventando alguma desculpa que não convencerá ninguém.
Enquanto isso, grande parte dos países
americanos e europeus se prontificou a não reconhecer a vitória de Maduro.
Alguns, como os EUA, reconhecem
a vitória de seu opositor. Já o Brasil tem adotado uma postura mais cautelosa:
não reconhece vitória nenhuma e se limita a pedir muito educadamente as
benditas atas eleitorais que estão com o CNE (Conselho Nacional Eleitoral).
Agora, um grupo de
ex-chefes de Estado espanhóis e latino-americanos —membros da
Iniciativa Democrática de España y las Américas (Grupo Idea)— cobra uma postura
mais dura do Brasil. O Brasil não é um país que valoriza a democracia? Então,
qual a dificuldade em condenar em voz alta aquilo que está óbvio para o mundo
inteiro?
Naquilo que descreve da farsa eleitoral
comandada por Maduro, o Idea diz a mais pura verdade. Quando, no entanto,
questiona a conduta brasileira, afirma algo questionável: "Admitir tal
precedente [o escândalo das eleições venezuelanas] ferirá de morte os esforços
que com tanto sacrifício seguem sendo feitos nas Américas para sustentar a
tríade da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos".
Ora, julgam os signatários que, se o Brasil
se juntar ao coro dos demais, Maduro deixará o poder? Isso já foi tentado antes
e já sabemos a resposta. Nem notas de repúdio, nem corte de relações, nem
sanções econômicas conseguirão tirar Maduro do poder. A única coisa que
potências externas como EUA poderiam fazer para mudar o regime é uma
intervenção militar. Mas quem seria louco o bastante para embarcar numa
aventura tão obviamente desastrada?
O fato incontornável é que, depois de um
breve engodo eleitoral, a ditadura Maduro
seguirá no poder como sempre esteve. Sabendo disso, é preciso decidir como
interagir com ela.
Cortar relações diplomáticas —a consequência
inevitável de se denunciar publicamente a fraude— em nada nos ajudaria. Temos
interesses em comum com a Venezuela —na
compra de energia, no controle das fronteiras, no pagamento de dívidas e
diversas outras questões que podem surgir. Assim como negociamos sem problemas
com ditaduras como China e Arábia Saudita, podemos negociar com ela.
Lembremos, ademais, que Maduro pode estar
isolado no continente, mas segue próximo de China e Rússia, que terão tanto
mais influência sobre o regime quanto menos influência tivermos nós e demais
países americanos. É isso que desejamos?
Nosso erro, olhando para trás, foi a
pretensão ingênua de que poderíamos pôr fim à ditadura. Agora que está claro o
fiasco do plano, cumpre manter as relações. O problema é que, para chegar a
essa nova normalização, teremos que dar uma resposta pública à pergunta sobre
quem venceu o pleito de 2024.
O Itamaraty acerta
ao se limitar à cobrança das atas antes de se pronunciar. Não se confunda essa
postura com as falas improvisadas de Lula e
as manifestações do PT, todas vergonhosas e
desnecessárias. Mas mesmo essa postura acertada tem data de validade. Em algum
momento ficará claro que as atas não virão mesmo, e aí restará ao governo
utilizar alguma desculpa para continuar considerando legítimo o governo Maduro.
É o preço de nossa pretensão ingênua de que poderíamos pôr fim à ditadura
diplomaticamente. Dado esse erro original, o Itamaraty agora faz o melhor que
dá.
É.
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