O Globo
O noticiário foi chacoalhado nos últimos dias
com uma versão 2.0 da Vaza-Jato aplicada ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Desta vez, as reportagens da Folha de S. Paulo, assinadas pelos jornalistas
Glenn Greenwald e Fabio Serapião, trazem uma sequência de mensagens entre
auxiliares do ministro Alexandre de
Moraes no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
trocadas nos bastidores das investigações sobre fake news e sobre as
manifestações golpistas que resultaram nos ataques de 8 de janeiro.
O material mostra que Moraes encomendava
relatórios sobre os bolsonaristas investigados por ele no STF a técnicos da
Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE.
Depois (às vezes apenas horas depois), usava os documentos como base para medidas como quebra de sigilo, bloqueio de perfis, cancelamento de passaportes e intimações – mas, em vez de dizer que encomendara o material, fazia constar nos processos que eles haviam sido produzidos por iniciativa do próprio TSE ou recebidos via denúncia anônima.
As mensagens deixam claro que os técnicos
sabiam agir de forma irregular. “Formalmente, se alguém for questionar, vai
ficar uma coisa muito descarada, digamos assim”, diz num áudio Airton Vieira,
juiz instrutor e espécie de braço-direito de Moraes no STF.
“Como um juiz instrutor do Supremo manda [um
pedido] para alguém lotado no TSE, e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e
manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
Em dezembro de 2022, já depois das eleições,
Vieira pede que o perito Eduardo Tagliaferro, do TSE, faça um pente-fino nas
publicações da revista Oeste e em “todas essas revistas golpistas para
desmonetizar nas redes”.
No dia seguinte, Tagliaferro diz que só
encontrou “publicações jornalísticas”, que “não estavam falando nada” e
pergunta o que colocar no relatório. Vieira responde: “Use a sua criatividade…
rsrsrs”. E o outro: “Vou dar um jeito rsrsrs”.
Um mês depois, o canal da Oeste no YouTube foi
desmonetizado. A plataforma afirma que a medida foi tomada por iniciativa
própria, e não por decisão judicial.
As reportagens colocaram o bolsonarismo em
polvorosa, rascunhando pedidos de impeachment para se juntar aos mais de 20 que
já tramitam contra Moraes no Senado
Federal. Desencadearam também um movimento coordenado de defesa do
ministro no STF, de que participaram Flávio Dino, Luís Roberto
Barroso e Gilmar Mendes,
além do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
De acordo com eles, não há nada demais nas
mensagens porque não faria sentido o ministro pedir informações para si mesmo.
O próprio Moraes se explicou:
“Seria esquizofrênico, como presidente do
TSE, me auto-oficiar. Como presidente, tenho poder de polícia e posso, pela
lei, determinar a feitura dos relatórios”.
Se os pedidos eram legítimos, por que
escamotear sua origem?
Os amigos de Moraes dizem ainda que a
comparação é estapafúrdia, porque, diferentemente do que ocorreu lá atrás, não
há conluio entre juiz e Ministério Público para produzir ou esquentar provas.
Talvez seja até pior, porque agora o MP nem sequer está na jogada. É o juiz
quem produz as provas por conta própria. Investiga, acusa e julga como acha que
deve, depois só comunica aos procuradores.
Numa coisa, porém, eles têm razão. A ação de
Moraes não é novidade para ninguém e foi autorizada pelo próprio STF. Abertos
em 2019 e correndo em sigilo até hoje, os inquéritos para investigar a difusão
de fake news e ameaças contra os ministros do Supremo já abarcaram de tudo — de
ataques à segurança do sistema eleitoral a conteúdos golpistas ou à censura de
matérias jornalísticas que nada tinham de fake news ou golpismo.
Quando a legalidade do “inquérito do fim do
mundo” foi questionada no STF, dois procuradores-gerais da República — Raquel
Dodge e Augusto Aras —
pediram seu encerramento. Dodge ainda o chamou de “tribunal de exceção”. O
Supremo, porém, não concordou. Por dez votos a um, decidiu que o inquérito é
legal e pode continuar sabe-se lá até quando.
Ainda assim, ontem os defensores de Moraes se
preocuparam em justificar suas atitudes da mesma forma que, lá atrás, diante da
Vaza-Jato 1.0, muita gente defendeu a Lava-Jato.
Para eles, o ministro não pode ser criticado
porque nos salvou do golpismo, da mesma forma que Sergio Moro não
merecia reparo, uma vez que “livrou” as instituições da corrupção. Curioso. Se
não houvesse margem para questionamento, não seria necessário entrar nesse
mérito.
Deveríamos ter aprendido com a Vaza-Jato que,
quando o judiciário atropela os meios em nome dos fins, quem sofre é a própria
democracia. As mensagens vindo à tona mostram que, pelo jeito, não aprendemos
nada.
Aprendemos evitar um golpe de estado.
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