O Globo
Fazia tempo que não se falava tanto de
transparência em Brasília como
nos últimos dias, durante a queda de braço em torno das emendas Pix, que por
pouco não desandou em conflito aberto entre Congresso, Supremo Tribunal Federal
(STF)
e Executivo.
Para quem ainda não se familiarizou com o
tema, trata-se de uma fatia de pouco mais de R$ 8 bilhões do Orçamento que os
parlamentares enviam direto para as contas de estados e municípios de forma
automática, sem ter de dizer como o dinheiro é gasto nem antes nem depois de
sua aplicação.
Na decisão que suspendeu a liberação dos
recursos, o ministro do Supremo Flávio Dino foi
claríssimo ao dizer que as emendas Pix ferem a Constituição por não obedecerem
a critérios de eficiência, transparência e rastreabilidade.
Lógico que, na origem dessa discussão, está o Executivo tentando retomar o controle do Orçamento, de que o Parlamento capturou um naco na gestão Jair Bolsonaro. Ainda assim, em meio à troca de farpas entre os Poderes, o único princípio que ninguém contestou foi a transparência.
De Arthur Lira (PP-AL)
a Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), passando pelos ministros do STF e pelos
de Lula,
todos se disseram favoráveis a critérios que obriguem os parlamentares a dizer
com que e por que o dinheiro será aplicado e a prestar contas depois que ele
for gasto.
Foi este o consenso que se produziu na
terça-feira, depois de dias de ameaças e indiretas nos bastidores: em dez dias,
o Congresso deverá apresentar uma proposta de regulamentação das emendas. Uma
ideia é que o dinheiro seja enviado prioritariamente para obras inacabadas.
Parece um final feliz, mas, antes de
comemorar, é preciso ver se nos próximos dias não surgirá nenhum duplo twist
carpado mudando o rumo da conversa. As emendas Pix já são elas mesmas uma
gambiarra para contornar o cerco ao orçamento secreto, e o próprio Flávio Dino
afirma em sua decisão que o Poder Executivo tinha o “poder-dever” de barrar o
envio de recursos que não seguissem critérios técnicos, o que não aconteceu.
Esse é só um exemplo de que é fácil exigir transparência do vizinho, difícil é
aplicar no próprio quintal.
O mesmo Supremo que exige (corretamente) do
Congresso que exponha ao público como usou as emendas frequentemente se recusa
a informar ao público quem paga as viagens de seus ministros para eventos de
empresas no exterior e costuma não responder se eles recebem cachê para
realizar suas palestras. As agendas dos ministros, que em tese deveriam ser
públicas, também nem sempre estão disponíveis no site da instituição.
O presidente Lula se elegeu pregando contra o
sigilo de cem anos imposto por Bolsonaro a documentos públicos, mas só no
primeiro ano de mandato seu governo negou 1.339 pedidos de informação,
praticamente o mesmo número do último ano de Bolsonaro no Planalto.
O levantamento a esse respeito feito em maio
mostrou que, no balaio do sigilo secular, estão dados tão diversos como a
agenda da primeira-dama Janja,
o documento sobre possíveis conflitos de interesse do ministro de Minas e
Energia, Alexandre
Silveira, e a lista de autoridades que usam os aviões da FAB para
seus deslocamentos.
Nesse ponto, o governo contou com a boa
vontade do Tribunal de Contas da União (TCU),
que autorizou segredo “eterno” para os deslocamentos do presidente da
República, da Câmara dos
Deputados, do Senado
Federal e ainda dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do
procurador-geral da República. O motivo: razões de segurança, mesmo argumento
tantas vezes usado por Bolsonaro.
Em termos de transparência, o TCU produziu
uma pérola: desde o ano passado, tirou do ar as sessões de julgamento que
transmite ao vivo pelo YouTube.
Quem quiser conferir o que foi falado numa sessão específica precisa pedir o
vídeo via Lei de Acesso à Informação e aguardar até 60 dias.
Questionados por um cidadão inconformado, os
ministros decidiram por unanimidade que não são obrigados a deixar o material
na rede para todo mundo ver.
Olhando em perspectiva, nem parece que faz
tão pouco tempo os órgãos de imprensa tiveram de montar um consórcio para
garimpar na marra os dados sobre a quantidade de brasileiros mortos por
Covid-19, em resposta a um governo negacionista e antitransparência por
princípio.
Felizmente, não é preciso mais brigar por
esse tipo de informação. Mas o caso das emendas Pix mostra que ainda falta
muito para que se possa dizer que a transparência se tornou um valor universal
e incontestável no Brasil. Pelo contrário. Em
Brasília, transparência só é um refresco nos olhos dos outros.
Falando em transparência, parece que tem um rolo envolvendo esse Rui Costa no caso da compra de uma fazenda cuja propriedade foi colocada em nome de uma aliada política e, cereja do bolo, também parece que a região da tal fazenda foi contemplada com a transferência de verbas do PAC.
ResponderExcluirConfere produção?
😏😏😏
Excelente texto! A colunista capricha sempre.
ResponderExcluirCruzes!
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