Valor Econômico
Ninguém saiu cantando vitória da reunião que reunião representantes dos três Poderes
Dino: “Teve ‘emenda Pix’ que dava pra
arrancar os dentes de uma cidade inteira.”
Lira: “Não é verdade. Aquilo não foi de
emenda parlamentar.”
Dino: “O senhor sabe que foi, eu sei que foi
e o senhor sabe que eu sei.”
Quando o ministro do Supremo Tribunal Federal
Flávio Dino mencionou o feito, estava numa cabeceira do retângulo de poltronas,
e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quase na outra.
O embate referiu-se a fatos ocorridos em
Pedreiras, no Maranhão, quando o ministro ainda era governador do Estado. Com
apenas 39 mil habitantes, o município recebeu emendas relativas à extração de
540 mil dentes em 2021, o equivalente a 14 por morador.
O desvio permitiu que Pedreiras não se
transformasse numa cidade de banguelas, mas rendeu operação da Polícia Federal,
processo no Tribunal de Contas da União e inquérito no Supremo Tribunal
Federal. Não impediu, porém, que Juscelino Filho, deputado federal mais votado
na cidade, se tornasse ministro das Comunicações deste governo.
Foi apenas um dos muitos momentos em que, sob o manto da liturgia e da graça, revelou a tensão da reunião de quatro horas no gabinete da presidência do STF em busca de um acordo para fazer cumprir as decisões de Dino, referendadas em plenário, sobre as emendas parlamentares. Apenas a ministra Carmen Lúcia, também presidente do TSE, ausentou-se do almoço que se seguiu à reunião em função da dupla jornada, lembrou a única mulher do colegiado.
Executivo e Legislativo ganharam tempo para
tomar as providências acertadas antes que uma nova decisão sobre o tema seja
tomada por Dino. Ninguém saiu cantando vitória, mas a reunião marcou o início
de um longo processo de depuração da execução orçamentária.
Lira, que fez questão de ressaltar os 513
votos que representa, queixou-se do que ele vê como aliança entre STF e
Executivo contra o Congresso: “Dizem aí fora que se trata de um 2x1.” Os
ministros Jorge Messias (AGU) e Rui Costa (Casa Civil) reagiram e Dino emendou:
“Só duas instâncias mandam em mim, presidente [da Câmara], este colegiado e
minha mulher.”
Tanto Lira quanto o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), receberam de Dino, em junho, nas respectivas
residências oficiais, o relato do que estava em curso depois da provocação ao
STF sobre o não-cumprimento das decisões da ex-ministra Rosa Weber sobre o
orçamento secreto.
O mesmo aconteceu com o ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, desta vez no gabinete do ministro do STF. Já
o presidente, tem dito Dino a quem faz insinuações como a de Lira, foi avisado
só depois das duas decisões que tomou. Ante a incredulidade do interlocutor,
explica: não queria correr o risco de, ante uma reação negativa, ter que dizer
não ao presidente.
O placar traçado por Lira colide com a
própria decisão de Dino sobre o “jogo de empurra” da execução orçamentária: o
parlamentar diz que apenas indica, o Executivo, que se limita a executar a
emenda impositiva, e governadores e prefeitos, que recebem recursos carimbados.
A disputa entre Executivo e Legislativo por
gastos discricionários ficou evidente durante o debate sobre as emendas de
comissão, capítulo mais inacabado do acordo. Custa-se a encontrar uma fórmula
que permita amarrar programas dos ministérios com emendas dos parlamentares,
limitando a liberalidade do Executivo e do Congresso.
A insinuação de Lira sobre o 2x1 não impediu
os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes de tomar a frente da reação
quando Lira e Pacheco argumentaram contra a limitação da parcela crescente da
receita corrente líquida que a execução das emendas tem tomado. Ambos os
ministros defenderam um teto para evitar que a fatia das emendas (24% do
Orçamento) cresça sem limite.
Lira argumentou que os limites do arcabouço
fiscal também deveriam se aplicar a despesas vinculadas do Executivo, como
aquelas indexadas ao salário mínimo. Desconcertado, Rui Costa reagiu, mas
estava menos à vontade que os donos da Casa. Tanto Lira quanto Pacheco foram
lembrados do preceito que exige o corte de despesa para a indicação de nova
despesa, hoje descumprido pelas emendas.
Depois da reunião, aliados de Lira
constataram que ele parecia aliviado em ter salvado as “emendas Pix” da
fiscalização da Caixa Econômica Federal à qual as demais emendas são
submetidas, ainda que tenham que prestar as informações de trâmite que lhes faltam.
Previu reação às mudanças requeridas para as emendas de bancada. Não deu outra.
No dia seguinte, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), já
questionava este capítulo do acordo. Pensadas para viabilizar projetos de
âmbito estadual, as emendas de bancada hoje funcionam por “rachadinha”, termo
que irrita os parlamentares. Num Estado com sete deputados ao qual sejam
destinados R$ 270 milhões, cada um fica com R$ 30 milhões. E, assim, no lugar
de um hospital ou uma estrada, se multiplicam quadras de esportes e praças.
Dino não pretende transformar o imbróglio das
emendas num novo inquérito do “fim do mundo”, alcunha atribuída àquele de
Alexandre de Moraes, ministro que se manteve discreto durante a reunião. Até
que os termos do acordo entre o Executivo e o Legislativo sejam conhecidos, as
decisões de Dino estão mantidas, bem como as auditorias encomendas pelo
ministro à Controladoria-Geral da União. Também seguem os inquéritos sobre
parlamentares envolvidos no desvio de emendas. O titular da PGR, Paulo Gonet,
entrou mudo e saiu calado da reunião. Limitou-se a parabenizar os envolvidos
pelo acordo alcançado.
Pois é!
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