segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Marcus André Melo - Genealogia do Chavismo

Folha de S. Paulo

A maldição dos recursos naturais ou o que explica a instabilidade política na Venezuela?

As vicissitudes da democracia na Venezuela explicam-se por vários fatores. Trato aqui de um dos mais importante deles —de natureza estrutural—: o país é um petroestado.

O país liderou a formação da OPEP (1960), embora a PDVSA só tenha sido concebida em 1976, duas décadas depois da criação da Petrobras. Durante o chamado 1º choque do petróleo, o barril do produto foi de US$ 3 para US$ 12, e chegou a US$ 34, em 1980. O país passou, então, a ostentar a maior renda per capita da América Latina.

A euforia desmesurada produzida levou os venezuelanos a serem conhecidos em Miami como "dame dos" (dê-me dois). A percepção de que o país virara uma potência global e a sua inédita popularidade mundial levaram o glamoroso presidente Carlos Andrés Perez (CAP) a buscar ser protagonista da high politics, tornando-se líder da Internacional Socialista, e mediando conflitos internacionais.

A grandiloquência de suas iniciativas, interna e externamente, deu com os burros na água quando a receita pública despencou e o país teve que se endividar fortemente para manter o vasto conjunto de projetos em curso; as isenções fiscais fabulosas para todos os setores e as subvenções sociais anabolizadas. E, sim, também iniciativas como as orquestras populares.

A colossal reversão de expectativas geradas levou à sua debacle eleitoral para a oposição (Copei). Mas CAP 2 (1989-1993) retornou quatro anos depois prometendo voltar à bonança anterior. Só que agora o projeto era implementar uma ampla reforma fiscal e do Estado com um grupo de economistas treinados no MIT e em Harvard. A reforma incluía a eleição direta de governadores, antes nomeados, a introdução de taxação efetiva sobre consumo e renda etc.

Não sobreviveu ao que foi visto como um estelionato eleitoral. Já no início do mandato a elevação do preço da gasolina deflagrou o Caracazo, no qual estima-se que 300 pessoas morreram e 5.000 ficaram feridas. Seu partido, Acción Democratica, AD, rachou; e CAP rompeu com seu mentor Rómulo Betancourt o ex-presidente por dois mandatos e fundador da AD.

Beneficiando-se da intensa frustração coletiva, o tenente-coronel Chávez e seus soldados assaltaram com blindados a "Casona" para prender o presidente, sem sucesso. Nove meses depois bombardearam o palácio presidencial. O coronel tentou dar um golpe à moda antiga e foi preso. Com a popularidade no chão, CAP sofreu impeachment, para o que a própria AD votou a favor.

Perdoado, o coronel golpista elegeu-se e se beneficiou do boom de commodities, como ocorrera com CAP 1 (1974-1979), um político populista de centro-esquerda. Foi Chávez, contudo, um populista autoritário, igualmente irresponsável fiscalmente, que deu o golpe final na democracia venezuelana.

 

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