Folha de S. Paulo
A autocratização começou há 8 anos: que
fatores impedem uma saída negociada para Maduro?
A conversão do autoritarismo eleitoral
chavista em autocracia plena não ocorreu agora, mas em 2015. Tratei da Venezuela
historicamente aqui. Quando perdeu a maioria legislativa,
Maduro deflagrou o processo de dissolução da Assembleia Nacional. Maduro
mobilizou a Suprema Corte de maioria chavista para impedir a posse de deputados
que garantiriam o quórum constitucional oposicionista. Depois mobilizou a Corte
para a dissolução da Assembleia, o que ela fez.
A medida, no entanto, foi revertida, o que levou Maduro a convocar uma Assembleia Constituinte (que a oposição boicotou), que finalmente decretou a esperada dissolução. Ela também destituiu a Procuradora Geral do cargo, retirou a imunidade do presidente da Assembleia, Juan Guaidó; e cancelou os registros dos principais partidos da oposição, impedindo-os de participar das eleições. Tudo isso levou à crise de 2019.
Na atual eleição Maduro reproduz as mesmas
práticas ditatoriais. Quais as chances do país se redemocratizar?
Houve diversos padrões de transição à
democracia na América
Latina durante a chamada terceira onda da democracia
(1974-1999). Em três países —Brasil, Chile e Uruguai —
o processo foi negociado, assegurando-se garantias às elites autoritárias
incumbentes.
Em dois países — Panamá e Argentina — eventos
externos levaram ao colapso dos regimes : a intervenção dos EUA e derrota
militar, respectivamente. No Paraguai (1989) e na Bolívia (1978-1982) golpes
por defecções entre facções militares deflagraram o processo de democratização.
No Peru (2000), isto também ocorreu combinado com ampla mobilização interna e
externa.
Há esperanças de uma saída negociada para
Maduro, que seria menos traumática, embora a impunidade de ditadores gere
justificada perplexidade. Três fatores
tornam essa saída improvável. O primeiro deles é que o regime
está politicamente muito fraco. Primeiro, saídas negociadas ocorrem quando os
regimes ainda não estão muito enfraquecidos, como era o caso do Brasil, Uruguai
e Chile.
A segunda, é que o regime está enredado em
alta criminalidade; seus delitos ultrapassam em muito seus graves crimes
políticos, envolvendo redes de narcotráfico e lavagem de dinheiro. Para muitos
atores envolvidos, o dilema de negociar com máfias violentas é variável não
trivial. O regime não controla partes do aparelho de estado e do território
—uma pré-condição de negociações efetivas; tendo delegado autonomia a setores
—mineração por exemplo— a redes dominadas por militares e paramilitares.
A terceira, é que nas saídas negociadas a liberalização precede à democratização o movimento inverso do que se observa na trajetória do Chavismo (embora tudo tenha começado com dois golpes fracassados de Chávez, em 1992).
Sei.
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