segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Marcus André Melo – A sina da Venezuela

Folha de S. Paulo

A autocratização começou há 8 anos: que fatores impedem uma saída negociada para Maduro?

A conversão do autoritarismo eleitoral chavista em autocracia plena não ocorreu agora, mas em 2015. Tratei da Venezuela historicamente aqui. Quando perdeu a maioria legislativa, Maduro deflagrou o processo de dissolução da Assembleia Nacional. Maduro mobilizou a Suprema Corte de maioria chavista para impedir a posse de deputados que garantiriam o quórum constitucional oposicionista. Depois mobilizou a Corte para a dissolução da Assembleia, o que ela fez.

A medida, no entanto, foi revertida, o que levou Maduro a convocar uma Assembleia Constituinte (que a oposição boicotou), que finalmente decretou a esperada dissolução. Ela também destituiu a Procuradora Geral do cargo, retirou a imunidade do presidente da Assembleia, Juan Guaidó; e cancelou os registros dos principais partidos da oposição, impedindo-os de participar das eleições. Tudo isso levou à crise de 2019.

Na atual eleição Maduro reproduz as mesmas práticas ditatoriais. Quais as chances do país se redemocratizar?

Houve diversos padrões de transição à democracia na América Latina durante a chamada terceira onda da democracia (1974-1999). Em três países —Brasil, Chile e Uruguai — o processo foi negociado, assegurando-se garantias às elites autoritárias incumbentes.

Em dois países — Panamá e Argentina — eventos externos levaram ao colapso dos regimes : a intervenção dos EUA e derrota militar, respectivamente. No Paraguai (1989) e na Bolívia (1978-1982) golpes por defecções entre facções militares deflagraram o processo de democratização. No Peru (2000), isto também ocorreu combinado com ampla mobilização interna e externa.

Há esperanças de uma saída negociada para Maduro, que seria menos traumática, embora a impunidade de ditadores gere justificada perplexidade. Três fatores tornam essa saída improvável. O primeiro deles é que o regime está politicamente muito fraco. Primeiro, saídas negociadas ocorrem quando os regimes ainda não estão muito enfraquecidos, como era o caso do Brasil, Uruguai e Chile.

A segunda, é que o regime está enredado em alta criminalidade; seus delitos ultrapassam em muito seus graves crimes políticos, envolvendo redes de narcotráfico e lavagem de dinheiro. Para muitos atores envolvidos, o dilema de negociar com máfias violentas é variável não trivial. O regime não controla partes do aparelho de estado e do território —uma pré-condição de negociações efetivas; tendo delegado autonomia a setores —mineração por exemplo— a redes dominadas por militares e paramilitares.

A terceira, é que nas saídas negociadas a liberalização precede à democratização o movimento inverso do que se observa na trajetória do Chavismo (embora tudo tenha começado com dois golpes fracassados de Chávez, em 1992).

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