Maria Cristina Fernandes - Contra Musk, Moraes segue a trilha do Pastor Sargento Isidório

Valor Econômico

Ordem do ministro em seu embate contra o empresário se dá no vácuo regulatório do Brasil

Como o capital do X foi fechado depois de sua aquisição por Elon Musk, há mais de dois anos, não há como saber o quanto a ameaça de suspensão de suas atividades no Brasil, feita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, repercutiria nas contas da empresa.

Embora não rasgue dinheiro, Musk já deu sinais de que está disposto a colocá-lo a serviço dos bastiões da extrema-direita, em linha com um modelo de negócios em que o ódio gera mais engajamento e lucro.

Basta ver o que Musk fez com o X. Ao cobrar pelo acesso exclusivo (“premium”) em vez de ampliar o espaço para propaganda, demonstra que quer manter a plataforma sob suas próprias regras em vez de ceder às regras de monetização que obrigam um ambiente mais transparente.

Ao fazê-lo, acabou se antecipando ao debate provocado pela nova lei da União Europeia de serviços digitais (“Digital Services Act”), cujo regramento para a publicidade dirigida e a responsabilização das plataformas vem sendo bombardeada pelas gigantes do setor. A França valeu-se desta nova regulamentação para prender o presidente do Telegram, Pavel Durov, na semana passada, por disseminação de conteúdo de pedofilia e tráfico de drogas.

A investida de Musk converge com o tudo-ou-nada da campanha de recondução do candidato republicano, Donald Trump, à Casa Branca. A ofensiva antitruste do Departamento de Justiça contra as plataformas, durante o governo Joe Biden, deu novo Ímpeto à sua militância trumpista.

A determinação de Moraes em seu embate contra Musk se dá no vácuo regulatório do Brasil, do Legislativo ao Executivo. O Congresso sentou em cima do projeto de lei 2630, de regulação das redes sociais e a Secretaria de Direitos Digitais, do Ministério da Justiça, tem atuado timidamente no setor.

Além disso, a Anatel, loteada politicamente, também não tem tido papel um proativo no tema, nem tampouco o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade. Na ausência dessas instituições, a chance de uma mediação entre o ministro do STF e o dono do X é praticamente zero.

Ao notificar as contas da Starlink, Moraes não se arvorou a intervir nos negócios desta empresa, cujos serviços de satélite têm grandes clientes públicos e privados no país. Restringiu sua decisão ao bloqueio para fins de pagamento das multas do X. Cobrou a designação dos representantes legais do X, retirados do país por Musk, e dobrou a aposta da suspensão caso persista a desobediência das decisões judiciais.

É grande a chance de o tema vir a se misturar com a avalanche dos processos contra Pablo Marçal, candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo. Tanto o X quanto o Google questionaram, no Tribunal Regional Eleitoral, a suspensão dos perfis do candidato, sugerindo que o tema vai parar nos tribunais superiores em Brasília.

No início do governo Jair Bolsonaro, o deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) foi à tribuna discursar contra a liberação de armas de uso exclusivo dos militares. E propôs a formação de uma comissão de deputados para ir negociar com o presidente, da qual se propôs a participar: “Pra conversar com um doido, só outro doido”. Se os casos se imiscuírem em Brasília, Moraes se fiará em Isidório para dobrar a aposta contra Musk e Marçal.