Maria Cristina Fernandes - O cálculo político do combate a Marçal

Valor Econômico

Tabata nada tem a perder, Boulos quer estender a permanência de Marçal na disputa para colar Nunes no bolsonarismo e o prefeito joga com a força dos padrinhos nos tribunais

Ao capitanear o combate a Pablo Marçal, no front jurídico e nos debates, a candidata do PSB à Prefeitura de São Paulo, Tabata Amaral, se mostra destemidamente conhecida e alveja a imagem de jovem sem pulso firme para administrar a maior cidade do país. Seus dois principais adversários, Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, lhe terceirizam o “jogo sujo” por cálculo político.

A ideia de que cabe à política enfrentar Marçal, colhida na campanha de Nunes, vale tanto quanto uma nota de 30. Debates são instrumentos dos quais a política se vale para expor os candidatos ao contraditório e Nunes e Boulos vão faltar a quase todos.

O prefeito está focado no horário eleitoral gratuito, espaço que é 65% dominado por sua candidatura. O vice-presidente Geraldo Alckmin tinha metade do HPEG de 2018, o que não o impediu de perder para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que tinha 20 segundos.

A aposta de aliados de Nunes, na verdade, é a da mobilização das cúpulas do governo de São Paulo, do PSD e do PL para mover os tribunais contra Marçal. Se já o fizeram uma vez para tirar o rei da audiência analógica, Silvio Santos, da disputa vencida por Fernando Collor, em 1989, podem fazer mais uma vez contra o dono do vale tudo da audiência digital que disputa a prefeitura pelo PRTB.

A votar a lei que regula as redes sociais que dormita no Congresso e já teria cortado as asas de Marçal, a turma prefere agradar a extrema direita de olho no seu voto para as mesas diretoras da Casa e apelar para o tapetão quando se fizer necessário. Assim o prefeito evita o enfrentamento direto e mantém a expectativa de herdar a ativa base de apoiadores do candidato do PRTB se ele for colocado para fora do jogo.

De tanto que foi cobrado por sua militância, impaciente com a imagem de um candidato que cultiva eleitores distribuindo pulseirinhas como se estivesse num show de Taylor Swift, Boulos soltou na segunda-feira (26) seu primeiro vídeo mais agressivo contra Marçal, associando-o a Nunes e ambos ao crime. Não aparece porque teme fazer crescer sua rejeição.

Para Boulos, quanto mais tempo o candidato do PRTB permanecer na campanha, melhor. Enquanto Marçal estiver no pedaço, Nunes terá que permanecer colado ao bolsonarismo. O cálculo do Psol é que Nunes só vai para o 2º turno com Bolsonaro mas, ao seu lado, dele não sai. São contas que se fiam no peso dos padrinhos e na aposta de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fideliza mais eleitor para Boulos do que o ex-presidente o faz para o prefeito.

Sem nada a perder, Tabata prossegue na campanha cada vez mais agressiva contra Marçal. No vídeo de segunda, detalha a ficha criminal de Marçal, desde quando foi preso por fraude bancária, até o pagamento de influenciadores que compartilham seus vídeos. Foi esta acusação que levou a Justiça Eleitoral a suspender seus perfis. Ainda insinua que seu dinheiro vem do crime organizado.

A candidata do PSB promete revelar no debate de domingo a estratégia usada por Marçal para conseguir, em 24 horas, recuperar 2 milhões dos 13 milhões de seguidores que tinha no Instagram depois da suspensão das contas. Na sabatina da CNN de segunda, Marçal pediu que os eleitores de esquerda votem nela, como se tentasse neutralizar os ataques que a candidata do PSB lhe faz.

A campanha de Tabata já dispõe de e-mails recebidos por alunos dos cursos de recortes de vídeos oferecidos por Marçal. Nessas mensagens, dirigidas a uma base de ex-alunos calculada em 150 mil, Marçal lhes pede para compartilhar as novas contas que criou para substituir aquelas que foram suspensas. Este pedido, assim como tudo o que ele fez naquelas contas banidas, também infringe a lei eleitoral. Como se trata de um especialista em burlar as poucas regras vigentes no ambiente digital, não custará a encontrar meios para reativar suas redes a cada sanção que lhe for imposta.

Esses cursos são a ponte de Marçal com uma juventude, sem qualificação, que se incorpora ao mercado de trabalho pelas beiradas e se encanta com a possibilidade de empreender sem sair da frente de um computador. Por R$ 12, um jovem com conhecimentos digitais rudimentares aprende a editar vídeos e fazer anúncios para monetizar canais nas redes sociais. Aluga roupa e carro, coloca o anúncio na rede, vende e depois pode comprar tudo aquilo que um dia alugou.

São cursos desprovidos de qualquer senso crítico, diz uma ex-aluna. Ensinam a vender de produtos que não têm aprovação na Anvisa a terrenos na lua. Como lhe interessa que os alunos aprendam o que ensina para que ele possa vender cursos mais caros, vale-se de táticas motivacionais e religiosas. Despede-se com um TMJADF (“Tamo junto até depois do fim”).

Num dos cortes feitos por seus alunos, Marçal cita sua inspiração para o concurso de cortes com os quais remunera os influenciadores que mais conseguirem compartilhar seus conteúdos, como um dia os estabelecimentos comerciais e industriais premiavam o funcionário do mês.

É Andrew Tate, um influenciador americano de 38 anos (um a mais que Marçal), “coach” e ícone de grupos que cultivam lutas e masculinidade tóxica, dois atributos que compartilha com o candidato do PRTB. Chegou a ser uma das personalidades mais buscadas no Google no mundo até ser banido das redes sociais.

Foi preso a primeira vez em 2015, acusado de estupro. Perseguido pela polícia britânica, refugiou-se na Romênia, onde aguarda, numa prisão, julgamento pela acusação de tráfico de 35 mulheres, entre elas menores de idade, atraídas ao país para produzir conteúdo para plataformas pornográficas.