Valor Econômico
Não é recomendável esquecer que milhões de paulistanos usam transportes individuais
A campanha eleitoral avança nos municípios e,
com perdão dos leitores não paulistanos, é preciso falar sobre “triviais”
problemas pouco abordados pelos candidatos a prefeito de São Paulo. Claro que
eles devem apresentar seus projetos principalmente para áreas essenciais, como
educação, habitação, saúde e segurança.
Existe, porém, uma área quase abandonada na megacidade: o caótico sistema de trânsito de veículos. Com razão, as últimas administrações cuidaram preferencialmente, pelo menos no discurso, do transporte coletivo, dos corredores de ônibus, por exemplo, que também chegaram pouco às periferias. Um bom marqueteiro eleitoral, porém, diria que não é recomendável esquecer que milhões de paulistanos usam transportes individuais, sejam próprios, sejam uberizados, em razão da deficiência dos públicos.
O trânsito caótico da cidade de 11,5 milhões
de habitantes clama por reforma ampla desse sistema. Com algum investimento -
não muito para um município que chegou a ter mais de R$ 30 bilhões em caixa na
atual administração -, aliado a soluções inovadoras e inteligência humana ou
artificial, seria possível melhorar bastante a mobilidade urbana.
De novo, não se está aqui tentando dizer que
as atenções principais devem ser voltadas ao transporte individual. Propõe-se
que o automóvel e outros meios individuais não sejam considerados apenas
poluidores execráveis do século passado, até porque eles também estão se
modernizando ambientalmente (elétricos e híbridos a etanol) e continuam sendo
responsáveis por mais de 20% do transporte na metrópole, enquanto 47% das
pessoas usam ônibus diariamente.
Cuidar disso, com planejamento, é tarefa dos
engenheiros municipais, mas há obviedades que qualquer cidadão observa.
Em tempos de IA, semáforos inteligentes são
uma raridade e os poucos instalados, com moldura amarela, parecem “burros”:
fecham por longos minutos para ruas cheias de veículos e abrem mais tempo para
vias “desertas”. Em algumas cidades, como o Rio, a inteligência artificial já
está sendo usada para reduzir o tempo de espera nos semáforos. São Paulo, a
metrópole mais rica do país, nem engatinha nessa área.
Há normas de trânsito claramente autoritárias
e desnecessárias, que parecem feitas por sádicos para punir os veículos. Elas
só prejudicam a circulação viária. Não se justifica, por exemplo, a proibição
de conversões à direita com sinal fechado, tema que já entrou nos debates dos
candidatos. Em grandes cidades do mundo, os sinais impedem a travessia, mas não
a conversão à direita, desde que seja feita com cuidado e dando preferência ao
pedestre. Lá fora, essas proibições costumam ser exceção, aplicadas apenas em
cruzamentos com muito movimento de pedestres, mas em São Paulo são a regra.
Essas conversões ajudam a desobstruir o trânsito.
Da mesma forma, não há razão para proibições
de conversões à esquerda em largas avenidas com canteiros centrais. São
manobras simples, facilitadas por recuos nos canteiros, que em São Paulo são
adotadas excepcionalmente.
Sem nenhuma necessidade, São Paulo tem um
número enorme de ruas com mão única, muitas delas vias secundárias em bairros e
sem trânsito o dia todo. Com mão dupla, abririam caminhos alternativos às
sempre congestionadas avenidas. Quando autoridades de trânsito percebem que
algumas vias alternativas estão sendo muito usadas, apressam-se em criar
conversões proibidas ou mudar a mão da rua, não raro por pressão de moradores
influentes, que não gostam de ter trânsito em sua rua.
São Paulo está cheia de obras, a maioria de
prédios particulares, e de caminhões de material de construção estacionados em
fila dupla que praticamente param o trânsito, ocupam as calçadas e emporcalham
as vias públicas. As calçadas, aliás, são o retrato mais horroroso e deprimente
da metrópole. São Paulo precisa de um plano urgente de redesenho e reconstrução
de calçadas, talvez com algum estímulo fiscal para moradores e comerciantes que
ocupam os imóveis.
Esses são alguns exemplos para ressaltar que
o próximo prefeito precisa fazer uma reforma ampla no sistema de trânsito
urbano - sem grandes dispêndios em obras, apenas com inteligência e
planejamento. Algo que faça o trânsito fluir melhor até que um dia tenhamos na
cidade um transporte público sustentável e com menos impacto ambiental,
suficiente para tirar das ruas milhões de veículos particulares. A ideia de
privilegiar os meios coletivos, que é correta, não deve levar gestores das
cidades a ignorar, odiar ou punir automóveis, caminhões, motocicletas ou
bicicletas, que estarão nas ruas ainda por décadas.
Sem essa reforma e sem um amplo programa de
educação de trânsito que difunda a ideia da generosidade, São Paulo continuará
sendo um palco tenebroso, onde se revezam congestionamentos monumentais e
mortes no trânsito.
Deboche outra vez?
Os mais velhos se lembram: em 1958, um
rinoceronte chamado Cacareco veio do Rio para o zoológico de São Paulo e virou
uma espécie de celebridade na cidade. Com a fama do animal, os cariocas
tentaram “repatriar” o Cacareco a qualquer custo e essa disputa virou discussão
nacional.
São Paulo ficou com o bicho e, como se
aproximava a eleição municipal de 1959, alguém teve a ideia da lançar a
candidatura do Cacareco para vereador. Descrentes da classe política, os
paulistanos votaram em massa no rinoceronte, que foi “eleito” vereador com mais
de 100 mil votos. Sozinho, teve mais votos que o principal partido da época na
cidade, o PSP de Ademar de Barros (1901-1969).
Aquilo foi uma eleição de deboche, fruto da descrença dos eleitores da época nas instituições políticas. Mas cacarecos e deboches não foram e não são solução para os problemas de São Paulo.
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