Folha de S. Paulo
Primeiro Hugo Chávez, depois Nicolás Maduro
seguiram o conhecido roteiro da gradativa concentração de poder
Não se devem fazer previsões, principalmente
sobre o futuro, reza o ditado atribuído à sabedoria chinesa. Seja qual for a
sua origem, aplica-se à crise política venezuelana provocada pelas suspeitas de
que o presidente Nicolás
Maduro, para manter-se no poder, tenha falseado o resultado da
eleição do domingo, 28/7.
A Venezuela, neste século, é um caso notável de regressão autoritária resultante da corrosão de um regime democrático de cinco décadas, promovida por uma liderança eleita segundo suas regras.
Primeiro Hugo Chávez, depois Nicolás Maduro seguiram o conhecido
roteiro da gradativa concentração de poder por meio do controle do Judiciário,
do Legislativo e da Comissão Nacional Eleitoral que garante a integridade das
votações, além do assédio à imprensa e da descarada repressão das oposições.
A cooptação das Forças Armadas foi essencial ao êxito da urdidura. Aos
militares foram entregues ministérios, o comando da distribuição de alimentos,
as compras de armamento, boa parte da indústria de petróleo e a mineração
no arco do rio Orinoco, que os coloca na proximidade do crime
organizado que ali dá as cartas.
A cientista política venezuelana Maryhen Jiménez indica outras fontes de fortalecimento da
ditadura de Maduro. A primeira foi a criação de um novo empresariado ligado ao
regime, nascido da liberalização fragmentada da economia que abriu novos
espaços de atuação para os apaniguados do governo. Depois, as sanções
econômicas impostas pelos Estados Unidos provocaram, em resposta, a aproximação
comercial com o Irã, a China e a Rússia.
Finalmente, o regime ditatorial teria se
beneficiado também das estratégias erráticas das oposições: no passado,
marcharam divididas para as eleições; apostaram no boicote eleitoral em 2018;
no ano seguinte, jogaram suas fichas na formação de um implausível governo
independente encabeçado por Juan Guaidó.
Pelo visto, teriam acreditado em demasia na eficácia da pressão internacional e
das sanções do governo americano.
Quando as oposições mudaram de rumo, optando
pela união, participação no jogo eleitoral e aceno à transição negociada com o
regime, encontraram um Maduro pronto a romper acordos, burlar regras e agora, ao que parece, ignorar a vontade
dos eleitores.
O histórico de outros casos de transição do
autoritarismo para a democracia indica que ela ocorre com mais frequência
quando há cisão entre os que sustentam o status quo e oposições que se dispõem
a aceitar alguma forma de anistia aos agentes da ditadura. Antes disso, e ao
contrário do que afirmou o presidente Lula, não haverá normalidade democrática
na Venezuela.
Verdade.
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