Folha de S. Paulo
Declarações do petista estreita o campo de
ação do governo como articulador regional
As primeiras declarações de Lula sobre
a eleição na Venezuela não
foram só um reflexo da simpatia rançosa por um regime que já provou seu
desprezo pela democracia. Ao indicar que o país passa por uma disputa
corriqueira, o petista deu um péssimo sinal sobre a maneira como pode lidar com
os próximos capítulos dessa crise.
A decisão brasileira de exigir a apresentação
dos boletins de urna antes de reconhecer o resultado da votação não foi pouca
coisa. Em boa medida, a posição foi um reconhecimento das desconfianças sobre
um órgão eleitoral que se mostrou um braço do regime de Nicolás
Maduro.
O problema é que Lula já se esborrachou ao ensaiar o segundo passo. Deu ares de normalidade aos questionamentos feitos pela oposição, ignorando as provas de que Maduro nunca teve interesse em organizar uma eleição livre. Para completar, afirmou que a questão cabe à Justiça local. "E aí vai ter uma decisão que a gente tem que acatar", disse.
Nem Lula deve acreditar que os órgãos
capturados por Maduro sejam capazes de dar a palavra final sobre a eleição de
forma imparcial. O que o presidente sugere é levar às últimas consequências a
doutrina de que cada país é soberano para resolver questões internas. Está
certo, mas, no caso específico, essa filosofia estreita o campo de ação do
governo.
Se as atas eleitorais nunca aparecerem e
Maduro insistir na vitória, restaria a Lula manter o juízo de que não foi
possível verificar a autenticidade do resultado. Qualquer recuo seria uma
submissão gratuita e humilhante às vontades do ditador.
Em outro cenário, hoje pouco provável, o
regime apresentaria boletins que confirmam o argumento da oposição. O governo
brasileiro teria papel crucial numa transição que preservasse Maduro e aliados.
O quadro mais complicado seria a divulgação
de atas com números favoráveis a Maduro, mantidas as
suspeitas de fraude na contagem dos votos. Pelo terreno
preparado por Lula, o Brasil já decidiu que teria que acatar a palavra do
regime.
Pois é.
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