domingo, 11 de agosto de 2024

Míriam Leitão - Saída difícil na Venezuela

O Globo

Aposta do Brasil de manter a posição de mediador é de alto risco. Mas tem uma lógica: de não ser mais um a apontar a fraude e tentar dialogar 

Não é trivial decidir como agir em relação à crise na Venezuela. O Brasil tem procurado manter sua posição e preservar o espaço para negociação. Se o governo brasileiro fizesse uma declaração dizendo que o processo foi fraudulento e condenando Nicolás Maduro seria mais um a fazer o mesmo movimento. Porém não condenar é uma aposta de alto risco. Aposta que ele tem perdido desde que patrocinou o acordo de Barbados, desrespeitado por Maduro com atos como o de impugnar candidaturas de oposição. Se tudo der errado, como parece o mais provável, não será desonroso ter ficado na posição de tentar uma solução negociada para a crise.

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Nem sempre os governos Lula acertaram na política externa. Na verdade, os erros foram bem mais frequentes. No caso da Venezuela houve excessivo entusiasmo com o chavismo sem ver seus evidentes defeitos e riscos, entendendo como sendo de esquerda, o que era na verdade uma ditadura em formação. A declaração de Lula feita no começo do atual mandato de que a “democracia é relativa” e que na Venezuela tinha mais eleições que no Brasil, além da deferência excessiva com Maduro, recebeu críticas de outros governos da região.

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Naquela época já era o começo da aposta de trazer o governo venezuelano para o convívio dos outros países da América do Sul, na expectativa de que houvesse um processo eleitoral e, depois dele, uma transição pacífica. Não deu certo, como fracassou o acordo de Barbados. E agora há poucas probabilidades de que dê certo, mas quando há uma perspectiva, ainda que remota, de uma saída é melhor errar por ingenuidade do que por precipitação.

Em relação à Nicarágua, o governo Lula não foi tão leniente quanto com Maduro, ainda que tenha sempre falado com saudosismo da revolução Sandinista. A revolução hoje é um quadro na parede e o que há é o governo mais tirânico das Américas. O Brasil também tentou ser canal de diálogo e atendeu até a um pedido do Papa Francisco para mediar a libertação de religiosos que estavam presos no país. A ditadura havia encarcerado vários padres e bispos e um deles ficou 500 dias na prisão. Foi bem-sucedido em parte porque alguns religiosos foram libertados. Agora, Daniel Ortega impôs uma humilhação ao Brasil, expulsando o embaixador brasileiro, e só restou ao Brasil reagir da mesma forma.

Embaixadores experientes enxergam um padrão na política externa de Lula. Ele não quer seguir os outros países e simplesmente condenar, que é a atitude mais fácil. Prefere procurar outro caminho e, desta vez, está ao lado do México e da Colômbia. A Venezuela está para a Colômbia como a Argentina está para o Brasil. Portanto, o apoio de Gustavo Petro à posição brasileira é mais importante do que a de López Obrador.

O problema é que Maduro dificilmente vai recuar até porque o poder se organizou na Venezuela como um governo militar. Eles estão na maioria dos ministérios, controlam o orçamento e recursos de empresas públicas, viraram um quarto poder. Essa simbiose com os quartéis foi parte da estratégia para Chávez e Maduro se manterem no poder.

Em 2003, fui à Venezuela em momento de um grave conflito com a oposição que, naquela época, tentara um golpe de estado contra Hugo Chávez. Ele reagiu com forte repressão contra opositores, contra a imprensa e executou seu projeto de controlar as instituições, a começar pelo Conselho Nacional Eleitoral.

Fui a Miraflores entrevistar Chávez. Cercas de arame farpado isolavam o palácio presidencial. Depois de passar por uma revista duríssima na guarita, eu subi a rampa com uma arma apontada contra mim. Um soldado subia andando de costas e apontando um fuzil. Nas três horas em que esperei para ser atendida, eu vi o tempo todo militares entrando e saindo do gabinete presidencial. Um grupo deles ficou durante a tensa entrevista. Voltei e disse ao meu chefe. Conheço democracia e conheço ditadura militar. Aquilo que eu vi está deixando de ser uma democracia.

O Centro Carter, que já supervisionou 124 eleições em 43 países, disse inicialmente que a eleição não pode ser definida como democrática. Em segundo pronunciamento, informou que, após analisar os dados disponíveis, confirmou a versão da oposição.

Diante de tudo isso qual é o próximo passo do Brasil? Vai continuar apostando que alguma brecha apareça para uma saída pacífica? Ela pode nunca aparecer.

 

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