quarta-feira, 14 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Freio na omissão

Correio Braziliense

A jovem democracia brasileira pede uma participação maior da população no processo eleitoral, afastando o velho e ignorante pensamento de que, "como ninguém presta, não vou votar"

Na próxima sexta-feira, se inicia mais uma campanha eleitoral no Brasil. Desta vez, cidadãos e cidadãs se preparam para escolher seus representantes nas câmaras municipais e nas prefeituras. Como tem sido tendência nos últimos pleitos, o cenário indica mais uma concorrência voltada à polarização entre os candidatos, novamente com a pauta de costumes ganhando contornos de peso, ainda que apurações municipais tendam, historicamente, a serem mais recortadas para políticas públicas, como transporte público, saúde e educação. O que, no entanto, precisa ser prioridade para a classe política e para as autoridades é frear a crescente onda da abstenção. 

A jovem democracia brasileira pede uma participação maior da população no processo eleitoral, afastando o velho e ignorante pensamento de que, "como ninguém presta, não vou votar". Essas posições de negação da política levam o Brasil a um cenário no qual eleitos pouco têm a ver com o perfil da população do ponto de vista demográfico.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) comprovam como a falta de participação popular tem crescido nas últimas eleições. Em 2022, o índice de abstenção bateu 20,95%, o maior de todos os seis pleitos federais realizados no século 21. Esse dado cresce desde 2006, quando 16,75% das pessoas aptas a votar não apareceram. O número passou para 18,12% em 2010; 19,39% em 2014; 20,3% em 2018; e chegou aos 20,95% há dois anos. 

Quando a análise se volta ao pleito municipal, a abstenção se torna ainda maior. Em 2020, 23,15% dos eleitores aptos não apareceram. O índice era de 14,19% em 2004, passou para 14,53% em 2008, 16,41% quatro anos depois, e bateu 17,58% em 2016. Ainda nesse cenário, é fundamental que os homens e mulheres com acesso às urnas cumpram com o seu dever de participação no processo eleitoral e escolham vereador(a) e prefeito(a) que mais os(as) representem. 

Quem nega o voto, em primeiro lugar, renuncia a um direito conquistado pela população brasileira a partir de inúmeras mobilizações sociais que culminaram nas Diretas Já. Também fragiliza a própria cobrança daqueles que inevitavelmente vão ocupar as cadeiras legislativas e executivas nas cidades brasileiras. Conforme deixa clara a legislação eleitoral, "votos em branco ou nulos não são transferidos para o vencedor nem cancelam uma eleição".

Não se trata de ignorar as nuances que envolvem a desigual população brasileira ou de cobrar quem, por motivos pessoais, não pode comparecer ao local de votação e, posteriormente, justifica o motivo da ausência. O chamado vale para quem, por opção, prefere renunciar ao direito tão duramente conquistado. 

É notório que a democracia do país precisa amadurecer, sobretudo diante dos ataques de 8 de janeiro do ano passado. A partir do apito inicial do jogo da campanha política, se informe sobre os candidatos da sua cidade. Acompanhe-os nas redes sociais, mas também leia, ouça e veja o que a imprensa profissional vai noticiar e analisar sobre aquele determinado nome — afinal, os canais oficiais daquele candidato são institucionais, não críticos. É seu direito. É seu dever democrático.

Alta da inflação preocupa setor empresarial

O Globo

Pesquisa do BC desmente crença de que setores produtivos estão mais otimistas que mercado financeiro

Em sua primeira edição, a pesquisa do Banco Central (BC) sobre as expectativas econômicas das empresas mostra o setor produtivo mais pessimista em relação à inflação que o mercado financeiro. Batizado Firmus, o levantamento com 92 companhias e dados de maio, ainda em fase de teste, mostra uma projeção de 4% para 2024. No mesmo mês, as expectativas das 170 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo BC para o tradicional boletim Focus projetavam inflação de 3,89% neste ano. De lá para cá, as previsões do mercado financeiro pioraram. Em julho, a inflação acelerou e, no acumulado de 12 meses, alcançou 4,5%.

O mérito da pesquisa Firmus está em dissipar dúvidas sobre a visão das empresas. O BC costuma ser frequentemente criticado por dar ouvidos à expectativa do mercado financeiro, tida como mais pessimista. A Firmus desmente esse preconceito ao mostrar que os empresários estão ainda mais preocupados com pressões inflacionárias. Nas três edições da Firmus realizadas até agora, as expectativas de inflação foram “consistentemente maiores” que na Focus, informou o BC.

Entre os principais temores dos empresários está o custo de mão de obra, cuja alta nos próximos 12 meses é estimada em 4%. A preocupação é compartilhada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), responsável por definir a taxa básica de juros. Com o menor nível de desemprego em dez anos e aumento na massa salarial, já houve reflexo na demanda, e os empresários sentem o clima de repasse nos preços.

Na atual conjuntura, a responsabilidade que recai sobre o Copom é ainda maior. Em dezembro, acaba o mandato de Roberto Campos Neto à frente do BC. O governo terá de indicar seu sucessor e mais três diretores. Com o histórico de declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há dúvidas sobre quão leniente com a inflação será um colegiado dominado por integrantes indicados por ele. Até o momento, felizmente, não há indícios para alimentar os temores. Nas duas últimas reuniões, o Copom decidiu por unanimidade manter o juro básico em 10,5% ao ano. Na segunda-feira, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, cotado para assumir a cadeira de Campos Neto, afirmou que o aumento da taxa de juros “está na mesa”.

Em repetidas declarações públicas, Campos Neto tem reafirmado confiança no trabalho dos atuais diretores do BC. O próximo teste acontecerá na reunião do Copom marcada para 17 e 18 de setembro. Se houver percepção de maior risco de inflação, como sugerem a Focus e a Firmus, o mais provável será nova alta nos juros. Preocupam dados como a alta de preços no setor de serviços e a taxa de câmbio depreciada. Entre os fatores que podem segurar a inflação, está a desaceleração global mais acentuada que a projetada.

Independentemente do que o Copom decida, Galípolo está certo ao ressaltar o compromisso de cumprir o mandato da instituição: controlar os preços. O desempenho da economia brasileira desde o fim da pandemia comprova que é possível conter a inflação sem maior impacto na atividade econômica. Para isso, credibilidade é essencial. Desacreditado, o Copom teria de apelar a altas acentuadas dos juros quando tivesse de encarar um período de descontrole inflacionário. A consequência seria uma freada brusca no crescimento, com mais desemprego. Costuma ser mais difícil resgatar a confiança do que mantê-la.

Condenação do Google é marco na regulação de plataformas digitais

O Globo

Processo traduz mudança progressiva no entendimento jurídico sobre quando um monopólio vira abusivo

No julgamento mais relevante em 25 anos contra uma grande empresa com base na legislação antitruste dos Estados Unidos, o Google foi condenado por abusar de seu monopólio no mercado de buscas pela internet. A decisão de um juiz federal de Washington representa um marco na tentativa de regular as plataformas digitais e traduz uma mudança progressiva no entendimento jurídico que tem prevalecido nos tribunais americanos ao longo das últimas décadas.

No caso que guarda mais semelhança com a ação contra o Google, a Microsoft foi condenada em 2000, sob a acusação de abusar de seu monopólio ao obrigar fabricantes de computador a fornecer o navegador Explorer com o sistema Windows, prejudicando o concorrente Netscape. Num primeiro momento, a Justiça chegou a determinar a cisão da empresa, mas depois fechou um acordo que permitiu mantê-la intacta. Prevaleceu a compreensão de que o monopólio só se torna abusivo quando há prejuízo direto ao consumidor, em geral na forma de preços extorsivos — e os navegadores eram todos distribuídos de graça.

Desta vez, porém, a Justiça considerou que o Google cometeu crime ao pagar US$ 26 bilhões a Apple, Samsung, Motorola e a outras fabricantes de celular para que seu mecanismo de busca fosse usado como padrão nesses dispositivos. No veredito de 270 páginas, o juiz Amit Mehta registrou que o Google controla 89,2% do mercado de busca — fatia que chega a 94,9% em dispositivos móveis. “O Google é um monopolista e agiu como tal para manter seu monopólio”, afirmou. Mesmo que não tenha havido prejuízo visível ao consumidor, Mehta entendeu que, ao concentrar o domínio sobre mecanismos de busca em celulares e navegadores, o Google mantém o preço da publicidade on-line artificialmente alto e impede a concorrência de oferecer produtos melhores ou mais inovadores.

A Justiça ainda determinará medidas para garantir que o Google volte a conviver com um mercado onde vigore a livre concorrência. O Departamento de Justiça, autor da ação, também se pronunciará. Assim como aconteceu com a Microsoft no início dos anos 2000, entre os cenários possíveis está o desmembramento da Alphabet, controladora do Google, para separar o mecanismo de busca dos produtos Android (sistema de telefonia celular) e Chrome (navegador). Mesmo que a empresa recorra contra a decisão, como anunciado, as instituições americanas se fortalecem com o julgamento. Ele funciona como teste para um arcabouço jurídico que, mesmo capaz de assegurar benefícios crescentes ao consumidor sem sufocar a inovação no passado, hoje revela seus limites.

Prazo para universalização do saneamento corre riscos

Valor Econômico

Operadoras precisarão investir R$ 509 bilhões para o país atingir a universalização, o que significa R$ 46,3 bilhões por ano a partir de 2023

O novo marco legal do saneamento básico estimulou o investimento privado no setor e criou ambiente sadio para um aumento rápido e significativo da oferta desses serviços. Desde julho de 2020, quando foi aprovado, até maio deste ano, foram realizados 45 leilões de concessões de água e esgoto, que resultaram em R$ 69,2 bilhões em novos investimentos. Além disso, estão em estruturação mais 43 projetos, com potencial para gerar R$ 105 bilhões em novas obras, segundo a Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto.

Quando o presidente Lula assumiu, o marco do saneamento chegou a ser posto em xeque por conta da resistência política a algumas de suas regras, como a exigência de que companhias públicas comprovassem capacidade para investir e atingir a universalização do atendimento da população. O novo marco estabeleceu que 99% da população deverá contar com água potável e 90% com esgotos coletados até 2033. Os dados mais recentes mostram o desafio: 32 milhões de pessoas ainda não recebem água potável e 90 milhões não têm o esgoto coletado.

Apenas três meses após tomar posse, em 2023, o governo cedeu às pressões políticas e emitiu um decreto que alterou o marco do saneamento, amenizando as exigências de empresas estatais e prefeituras. Foi prorrogado até dezembro de 2025 o prazo para que as estatais provem que são capazes de fazer os investimentos necessários para a universalização dos serviços; caso contrário, o governo local precisará licitar o serviço para outra empresa. Mas a comprovação da capacidade financeira e técnica das estatais também foi flexibilizada. O decreto ainda mantém os contratos sem licitação assinados entre governos e estatais, os chamados contratos de programa, que haviam sido proibidos pelo marco original.

O governo Lula manteve a meta de universalização em 2033. As mudanças introduzidas dificultam, porém, o cumprimento da promessa, porque a ampliação dos serviços exige grandes investimentos, difíceis de bancar com recursos públicos em momento de aperto fiscal, e depende mais do setor privado.

Pesquisa do Instituto Trata Brasil e GO Associados estima que as operadoras de saneamento precisarão investir mais R$ 509 bilhões para o país atingir a universalização, o que significa R$ 46,3 bilhões por ano a partir de 2023, último com dados disponíveis, para atender a previsão legal. O montante é mais do que o dobro dos R$ 20,9 bilhões investidos por ano hoje.

A mudança de regras pelo governo Lula não reduziu o apetite do setor privado, como mostrou a privatização da Sabesp, embora o mercado esperasse mais competição e valores mais elevados, por seus mais de 28 milhões de clientes do serviço de abastecimento de água e 25 milhões de coleta de esgoto. O governo de São Paulo vendeu 32% de participação na Sabesp, por R$ 67 por ação. A Equatorial se comprometeu a investir cerca de R$ 70 bilhões para a universalização do saneamento no Estado até 2029, antes, portanto, da data prevista pelo marco legal. Com a privatização, a Sabesp deverá migrar a contratação dos próximos R$ 27 bilhões de obras para o ambiente privado, o que deve acelerar o processo.

Acredita-se que a privatização da Sabesp renovou o interesse privado pelo setor e pode estimular os investimentos. Vão testar o apetite duas concessões marcadas para setembro, a do Piauí e a de Sergipe. Há uma dezena de outras em estudo, algumas com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Não foi um bom sinal o adiamento para setembro da concessão do Piauí, que estava prevista para esta semana. Nota do governo estadual atribuiu o adiamento a “algumas adequações que serão feitas no edital, em função dos questionamentos recebidos”, sem detalhar. O Valor apurou que a razão foi a falta de interessados. Agora o leilão vai coincidir com o de Sergipe. Segundo a nota, a concessão prevê que 99% da população será atendida com abastecimento de água até 2033 e 90% com esgotamento sanitário até 2040, incluindo a zona rural. O prazo previsto para a universalização da coleta de esgoto está além da data fixada no marco do saneamento.

Não só o Piauí prevê atraso na universalização. Os números variam, mas há projeções de que a meta só será alcançada em 2070. Pelo ritmo atual dos investimentos, da preparação dos projetos de concessões e a existência de regiões ainda negligenciadas, o Trata Brasil acredita que a meta atrasará 37 anos.

A enchente no Rio Grande do Sul sublinhou uma nova preocupação nesses projetos, antes desconsiderada: o risco dos desastres climáticos. O marco original do saneamento já previa que os contratos de concessão levassem em conta o problema. Neste ano, nova norma da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) passou a demandar o detalhamento dos riscos e a divisão de responsabilidades (O Globo 4/8). Com as estações de tratamento e distribuição de água alagadas pelas enchentes de maio, e depois paralisadas pela falta de energia elétrica, milhares de pessoas ficaram sem água potável no Rio Grande do Sul. É um exemplo de novo fator de atraso potencial.

Mas é importante não sair do caminho traçado da busca da universalização e fazer todo o possível para alcançá-la o quanto antes.

Galípolo paga pedágio por falatório de Lula

Folha de S. Paulo

Provável chefe do BC em 2025, diretor dá mostras de ortodoxia ante demagogia do petista; credibilidade dependerá de ação

Tido como mais provável indicação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária da instituição, deu declarações que chamaram a atenção pela ortodoxia na análise dos riscos inflacionários e na disposição de tomar eventuais medidas necessárias.

Na semana passada, em palestra, destacou que a projeção oficial de um IPCA acumulado de 3,2% nos 12 meses encerrados em março de 2026 é tratada no BC como "acima da meta" —e, portanto, um motivo para elevar os juros.

A avaliação é algo surpreendente, em especial para um indicado pelo governo petista. Mesmo para um dirigente mais conservador, a diferença entre o número esperado e a meta de 3% ao ano poderia ser considerada menos digna de nota.

Galípolo também se alinhou entre os membros do Comitê de Política Monetária que consideram haver mais riscos de alta do que chances de queda da inflação, qualificando o atual cenário econômico como "desconfortável".

Não se sabe quantos dos oito demais membros do colegiado pensam da mesma maneira, mas o diretor afirmou que todos se declaram prontos a fazer o que for preciso para levar a variação de preços aos limites perseguidos.

Já na segunda (12), reforçou a mensagem ao dizer que a possibilidade de elevar a taxa Selic, hoje em pesados 10,5% anuais, está, sim, "na mesa" do Copom.

Venha ou não a ser o escolhido para o comando do BC, Galípolo claramente faz um trabalho preventivo para aplacar as incertezas gerais em relação à política monetária a partir do próximo ano, quando a cúpula da instituição terá maioria indicada por Lula.

O presidente da República, afinal, fez sucessivos ataques à autonomia do BC, aos juros e até às metas de inflação, a seu ver, ambiciosas demais. Despertou, assim, o temor de que o órgão se torne subserviente às preferências do Planalto —como ocorreu sob Dilma Rousseff (PT) e resultou em recessão profunda com inflação alta.

Difícil saber se Galípolo, que também abraçou posições heterodoxas no passado recente, tem real convicção sobre o que disse. De todo modo, o compromisso público assumido com a meta indica, no mínimo, um bem-vindo reconhecimento dos riscos a enfrentar.

Já se paga um pedágio, portanto, pelas manifestações demagógicas de Lula. A credibilidade, que reduz os custos do controle da inflação, dependerá das ações cotidianas.

A guerra vai à Rússia

Folha de S. Paulo

Ucrânia surpreende e invade rival, em cartada que implica risco para Zelenski

País acostumado com invasões, a Rússia não via forças estrangeiras cruzarem suas fronteiras em marcha desde 1941, quando Adolf Hitler lançou o maior ataque terrestre da história contra a URSS.

Desde então, soviéticos e russos ou travaram guerras fora do país, como na invasão da Ucrânia de 2022, ou lidaram com conflitos internos, como nas campanhas da Tchetchênia (1994-96 e 1999-2000).

Foi assim até a semana passada, quando o que parecia mais uma incursão fronteiriça ucraniana mostrou-se uma intrincada operação militar. A ação surpreendeu a todos, dado que a Ucrânia passa por um dos piores momentos desde que foi invadida por Vladimir Putin, há quase 2 anos e 6 meses.

Seus últimos sucessos estratégicos, as reconquistas de parte de Kherson (sul) e de Kharkiv (norte), datam do final de 2022. Ao longo de 2023, tentou uma grande contraofensiva que não deu em nada e viu os rivais retomarem a iniciativa.

A partir de fevereiro deste ano, Moscou avançou de forma lenta, mas constante, com risco real de colapso das defesas de Volodimir Zelenski na vital Donetsk, no leste. Em Kharkiv, uma nova frente russa drena preciosos recursos de Kiev.

A invasão ucraniana de Kursk, palco da épica batalha que expulsou os nazistas em 1943, foi encoberta de sigilo. Desorganizados, os russos demoraram uma semana para estabelecer uma defesa, para irritação visível de Putin, e precisaram evacuar quase 200 mil pessoas.

Como é impossível para a Ucrânia reter territórios externos com os recursos que tem, tudo indica que Zelenski busca uma cartada tripla.

Primeiro, injetar ânimo nas tropas com a humilhação sofrida pelo autocrata russo. Segundo, mostrar uma capacidade militar que merece apoio —ainda mais com a possibilidade de que o russófilo Donald Trump retorne à Casa Branca.

Mais factíveis, tais objetivos precedem um terceiro incerto: galgar posição para uma eventual negociação de cessar-fogo, algo que está sendo urdido aos poucos. Até Putin admitiu isso com desassombro.

"A Rússia precisa ser forçada a fazer a paz se Putin quer tanto lutar. Ela levou guerra aos outros, e agora ela voltou para casa", disse o presidente da Ucrânia na segunda (12).

Pode dar certo, mas implica o risco de exaurir algumas das melhores forças de Kiev numa aventura algo quixotesca de Zelenski, em momento de pressão renovada.

Banco Central desfaz um mito

O Estado de S. Paulo

Nova pesquisa do BC sugere que percepção do setor produtivo sobre a inflação é ainda pior que a do mercado financeiro e mostra influência das expectativas nas decisões da economia real

A mais nova pesquisa do Banco Central (BC) deve ter causado incômodo ao governo Lula da Silva. O levantamento mostrou que não é só o mercado que acha que a inflação deve superar a meta de 3% neste ano e nos próximos. No setor produtivo, inclusive, a expectativa sobre o comportamento dos preços é até mais negativa que a de bancos e instituições financeiras.

Batizada de Firmus, a pesquisa ouviu representantes de 92 empresas não financeiras entre os dias 13 e 31 de maio sobre a situação de seus negócios e as variáveis econômicas que podem influenciar suas decisões.

Em sua primeira edição, a Firmus mostrou que as empresas não financeiras esperam que a inflação deve atingir 4% neste ano e em 2025 e 3,70% em 2026. Todas as projeções ficaram acima das expectativas do mercado para o IPCA da mesma época – de 3,89% neste ano, 3,77% em 2025 e 3,60% em 2026, segundo o Boletim Focus.

As empresas não financeiras deram respostas importantes sobre aspectos que têm sido monitorados com atenção pelo Banco Central, como o dinamismo do mercado de trabalho. A maioria (46,7%) disse esperar que seus custos com mão de obra cresçam entre 4% e 6% nos próximos 12 meses. Outros 34,8% acreditam que terão de arcar com um aumento de 2% a 4%, enquanto 13% preveem alta superior a 6%.

Outro dado relevante sobre as expectativas dos empresários é o que diz respeito aos preços dos produtos. A maioria (41,3%) espera que eles fiquem em linha com o IPCA, enquanto 32,6% esperam alta discretamente acima da inflação e 6,5% fortemente acima. Somente 16,3% esperam aumento discretamente abaixo do IPCA e 3,3%, fortemente abaixo.

Quanto às margens nos próximos 12 meses, a maioria (37%) espera que elas fiquem em linha com os resultados atuais, 34,8% esperam que fiquem ligeiramente acima e 21,7%, discretamente abaixo.

O resultado foi divulgado nesta semana ainda em formato-piloto, mas a pesquisa será realizada a cada três meses, na semana seguinte à primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em cada trimestre. O diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, destacou a importância das expectativas na condução da política monetária. “Se a gente consegue saber qual é a expectativa dessa empresa que vai definir preço, ajuda muito”, disse.

A pesquisa é a melhor resposta que o Banco Central poderia dar a integrantes do Executivo e do Legislativo que acusam a instituição de tomar decisões baseadas somente na opinião dos operadores do mercado. Isso nunca foi verdade, mas não há dúvida de que a realização periódica da Firmus formaliza a aproximação entre a autoridade monetária e a economia real.

E a leitura dos primeiros resultados da Firmus também prova um ponto que o Banco Central costuma repetir em documentos oficiais e por meio de declarações públicas de seus diretores, mas que muitos, a começar pelo presidente Lula da Silva, fingem não entender.

Quando a maioria dos empresários acredita que a inflação vai superar a meta, eles se preparam para aumentar os preços de seus produtos em linha com essa expectativa. Isso visa a cobrir os aumentos salariais que sabem que terão de conceder em razão de um mercado de trabalho mais aquecido. E se os empresários acreditam que suas margens ficarão iguais ou um pouco maiores que as atuais, é porque veem espaço para repassar esses aumento de custos ao consumidor sem perder participação no mercado.

O resultado da Firmus mostra algo que o mercado financeiro já sabe. Ninguém projeta uma inflação elevada por apostar contra o governo ou para obrigar o Banco Central a subir os juros – muito menos os setores não financeiros, que precisam de juros baixos para financiar seus investimentos. As previsões embutidas nas pesquisas revelam apenas uma sensação compartilhada pelos setores financeiro e não financeiro sobre o comportamento da economia.

Essa percepção, por óbvio, gera consequências palpáveis nos preços dos produtos, nas margens das empresas e nos salários dos trabalhadores. Cabe ao Banco Central interpretar essas informações para saber como conduzir a política monetária da melhor forma possível. O governo faria bem se não as ignorasse.

A aposta arriscada de Kiev

O Estado de S. Paulo

A incursão na Rússia humilhou o Kremlin, mas pode fragilizar as defesas na frente ucraniana. Se será um ponto de virada ou um fracasso estratégico, dependerá da resposta dos aliados

É difícil superestimar o quão surpreendente foi a incursão ucraniana na região russa de Kursk. Que os russos foram pegos de surpresa é evidente pela ausência de uma resposta coordenada e pela profundidade do avanço: 40 km dentro da Rússia. Mesmo os aliados declararam que não sabiam da operação, mas endossaram sua legitimidade. Foi o maior ganho territorial desde a contraofensiva ucraniana no outono de 2022, e a primeira vez que a Rússia foi invadida desde a 2.ª Guerra Mundial. Se os resultados também serão surpreendentes, é uma questão completamente diferente.

Os ucranianos mantêm segredo sobre os detalhes da manobra e seus objetivos. O mais imediato parece ser o de forçar o deslocamento de tropas russas das frentes na Ucrânia. Esse efeito, do que se sabe, foi limitado. A Rússia deslocou algumas tropas de Kharkiv, mas mantém as posições no Donbass, um sinal de que não há expectativa de que os ucranianos continuarão penetrando o território russo. De todo modo, o ataque expôs uma vulnerabilidade russa, suas amplas fronteiras, e obriga o Kremlin a estar em guarda para defendê-las de incursões similares em outros lugares.

Um outro objetivo pode estar relacionado a um elemento menos tangível, mas crucial: o moral. O dos ucranianos estava abalado desde que os russos bloquearam sua contraofensiva. Segundo pesquisas, a maioria dos ucranianos ainda apoia a luta para recuperar todos os territórios perdidos desde 2014, mas o número dos dispostos a negociar terras por paz tem crescido.

Não se pode vencer uma guerra só na defensiva. As forças ucranianas mostraram que podem tomar a iniciativa, ludibriar a inteligência russa e infligir uma humilhação considerável ao Kremlin. Os russos vinham lutando na Ucrânia como se o seu território fosse inviolável. Isso mudou. “Eles estão sentindo o que nós estamos sentindo há anos, desde 2014″, disse um militar ucraniano à revista The Economist.

Desde o começo da guerra, Vladimir Putin tem riscado o chão com linhas vermelhas imaginárias tentando segurar a mão dos aliados dos ucranianos com ameaças de uma escalada nuclear. Parte do efeito pretendido pelos ucranianos pode ser o de expor a falácia desses argumentos.

O objetivo russo tem sido prolongar uma guerra de atrito para depauperar a Ucrânia e provocar a fadiga do apoio ocidental. A incursão abala essa narrativa de uma inevitabilidade militar russa. As cartas foram momentaneamente embaralhadas, mas até que ponto a operação será capaz de mudar o jogo, dependerá dos objetivos estratégicos dos ucranianos e da sua capacidade de conquistá-los. Por ora, nem uma coisa nem outra são claras.

Recentemente, em entrevista à BBC, o presidente ucraniano deu sinais de uma abertura a negociações. “Não precisamos recapturar todos os territórios” por meios militares. “Isso também pode ser conquistado por meio da diplomacia.” O objetivo da operação pode ser mudar não só a narrativa na zona de guerra, mas na mesa de negociações. Ao invés da oferta de Putin de trocar “terras por paz”, uma outra oferta: “terras por terras”.

Mas isso dependeria da capacidade dos ucranianos de manter os territórios russos. No momento, não é claro se esse é o objetivo nem se Kiev tem essa capacidade. Seria uma aposta arriscada. Os ucranianos enfrentam limitações de recursos, homens e armas, e deslocá-los da frente em casa para ocupar um território fora pode custar caro. A única serventia dessa estratégia seria a de persuadir os aliados a enviar os recursos e armas de que a Ucrânia precisa. Nesse caso, os ganhos compensariam os riscos, e os rumos da guerra poderiam efetivamente mudar.

O futuro dirá se o ataque foi um ponto de virada, inspirando os aliados ocidentais a armar a Ucrânia para mostrar que ditadores não podem violar fronteiras soberanas impunemente, ou se foi o último golpe ucraniano antes da capitulação – ou talvez nenhuma das duas coisas. Na névoa da guerra, todas essas possibilidades estão abertas. Por ora, os amantes da justiça podem se comprazer com o revés da tirania de Putin.

Medicina não tem ideologia

O Estado de S. Paulo

Passadas as eleições do CFM, médicos devem focar naquilo que lhes compete: a medicina

As eleições para o Conselho Federal de Medicina (CFM), entidade cuja atribuição é normatizar e fiscalizar a prática médica do Brasil, foram marcadas por elevado grau de agressividade e disputa ideológica. Encerrado o pleito e confirmados os eleitos, espera-se que o órgão se dedique agora àquilo que lhe compete: atuar para garantir que o exercício da medicina no País ocorra de forma ética, observando-se as melhores práticas da medicina em benefício dos pacientes e atuando, quando necessário, na punição dos que não se pautarem pelo mais elevado rigor médico e pelas leis brasileiras.

A julgar pelo comportamento de alguns dos eleitos logo após a divulgação dos resultados, contudo, o futuro não parece auspicioso. Reeleito conselheiro por São Paulo, o infectologista Francisco Eduardo Cardoso Alves tripudiou de “esquerdopatas” em publicação agora indisponível nas redes sociais. Durante a pandemia de covid-19, Alves defendeu o uso da cloroquina, remédio considerado pela Organização Mundial da Saúde ineficaz no tratamento da doença e com perigosos efeitos colaterais. Entre os reeleitos há quem tenha celebrado os ataques golpistas do 8 de Janeiro e médicos que fizeram campanha contra o aborto mesmo nos casos previstos em lei.

Durante a campanha eleitoral para o conselho, houve mais ênfase nas associações políticas dos candidatos – alguns fizeram questão de distribuir panfletos com a imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro como cabo eleitoral, por exemplo – que em propostas para que a medicina no Brasil seja exercida com ética e transparência, que segundo o próprio CFM são parte da sua missão.

Aos médicos, como a qualquer cidadão, não é vedado o direito de opinião nem de se manifestarem politicamente. O CFM, no entanto, não é uma agremiação sindical ou uma torcida organizada, nas quais os líderes costumam agir de acordo com suas paixões pessoais. Quando abraçam a medicina, os médicos fazem um juramento comprometendo-se a não discriminar nenhum paciente. Da mesma forma que todos têm direito a advogados, todos também têm direito a médicos. Ou deveriam.

Não é o que se tem visto nos últimos anos. Com o aumento da tensão política no Brasil, foram multiplicando-se relatos de médicos que se recusaram a atender pacientes movidos por convicções ideológicas e políticas. É atribuição do CFM fiscalizar, coibir e punir tais práticas, missão que fica altamente comprometida quando em campanha para o conselho de uma entidade médica os candidatos fazem questão de deixar claro seu alinhamento político.

Com a eleição definida, os conselheiros têm a oportunidade – ou melhor, o dever – de deixar o partidarismo de lado e guiar-se pelos valores da própria organização que representam, entre os quais estão “atuar com elevado padrão ético; ter comprometimento com a justiça, a responsabilidade e a transparência; agir em obediência à legislação que disciplina a gestão pública; prestar serviços de excelência; e buscar aperfeiçoamento contínuo e com eficiência”

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