quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Vera Magalhães - O fator que não deveria ser surpresa

O Globo

Perplexidade e inação de adversários diante das técnicas do ex-coach mostram que não aprenderam nada com os candidatos antipolítica

Entra eleição, sai eleição, e o sistema político e a imprensa ainda se surpreendem com a aparição de outsiders e suas estratégias cada vez mais ousadas de captar a atenção e, se possível, o voto da audiência.

Depois que nomes como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Javier Milei foram eleitos presidentes com discursos agressivos, ideias que excluem abertamente boa parte da população e defesa da afronta a instituições e regras republicanas, não deveria causar espécie que subprodutos fossem surgir nas eleições subsequentes, como já proliferam nos legislativos, por sinal.

Pablo Marçal estreou na disputa pela Prefeitura de São Paulo metendo o pé na porta no debate da Band. Trajando um boné que já vai se tornando sua marca nas redes — assim como o gesto da letra M com os dedos, que já virou emoji —, o coach foi para cima de adversários sem nenhuma evidência ou prova, não ficou corado ao ser exposto em total desconhecimento de questões concretas da cidade e mentiu sobre seu histórico vasto de processos judiciais. Nada de novo: Bolsonaro já havia gabaritado todos esses itens em 2018.

As novidades, aqui, são o shape mais moderninho, bem vestido, e a completa falta de cerimônia em posar de milionário, ou “próspero”, palavra que usa como cenoura para atrair seguidores, clientes e eleitores. Bolsonaro ostentava aquele ar simplão, apesar da vertiginosa evolução patrimonial que ele e os filhos obtiveram única e exclusivamente por meio de mandatos eletivos, embora se digam antipolítica.

A perplexidade dos adversários veio na forma de uma ficha que demora a cair. O mesmo percurso, diga-se, parece ter sido feito pelos eleitores. Os grupos de pesquisas qualitativas com indecisos feitas na hora do debate captaram certa aversão ao ar agressivo do coach, que depois parece ter decantado em curiosidade e, por fim, em recall na explosão de menções em redes sociais e no crescimento do alcance já gigantesco que ele tem nesse ambiente. 

É possível converter likes em votos? Não completamente. A começar pelo fato de a base de seguidores de Marçal não se concentrar na cidade de São Paulo. Mas é inegável que ele parte de uma plataforma de lançamento e projeção com que seus rivais estão longe de poder sequer sonhar.

A depender do uso que Marçal faça da máquina digital — e para ganhar dinheiro ela tem sido bem eficaz—, ela pode superar com folga mecanismos que têm se mostrado mais obsoletos a cada ano, como o corpo a corpo na rua, o santinho impresso e até o palanque do horário eleitoral de rádio e TV, com alcance cada vez mais reduzido.

Diante do fenômeno que deveriam ter antecipado, mas de novo subestimaram, candidatos quebram a cabeça a respeito de que postura adotar.

Tabata Amaral (PSB) resolveu ir para o confronto aberto. Conseguiu expor o despreparo de Marçal e seu passado obscuro de pendências judiciais. Mas o difícil de lidar com candidatos feitos dessa matéria nova é que eles parecem refratários a esses reveses, para os quais fazem vista grossa até os bambambãs do mercado. Sim, a Faria Lima parece encantada com o novo outsider, como já se enfeitiçou por João Doria antes e por Bolsonaro depois.

Ricardo Nunes (MDB), o maior prejudicado pela disputa desses votos, e Guilherme Boulos (PSOL), que ouviu inerte insinuações do coach contra si sem qualquer evidência, parecem mais perdidos sobre a maneira como enfrentar o trem-bala. Poderiam pleitear sua exclusão dos debates, pois seu partido, o PRTB, não tem representantes no Congresso, como exige a lei eleitoral. Mas não querem dar essa bandeira de que estão preocupados. O problema de lidar com um trem assim desgovernado é que, quando você decide o que fazer, o estrago muitas vezes já aconteceu.

 

2 comentários:

  1. Doria é diferente de Marçal e Bolsonaro.

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  2. Marçal está quilômetros à frente de Bolsonaro em termos de picaretagem.

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