O Globo
Perplexidade e inação de adversários diante
das técnicas do ex-coach mostram que não aprenderam nada com os candidatos
antipolítica
Entra eleição, sai eleição, e o sistema
político e a imprensa ainda se surpreendem com a aparição de outsiders e suas
estratégias cada vez mais ousadas de captar a atenção e, se possível, o voto da
audiência.
Depois que nomes como Donald Trump, Jair
Bolsonaro e Javier Milei foram eleitos presidentes com discursos agressivos,
ideias que excluem abertamente boa parte da população e defesa da afronta a
instituições e regras republicanas, não deveria causar espécie que subprodutos
fossem surgir nas eleições subsequentes, como já proliferam nos legislativos,
por sinal.
Pablo Marçal estreou na disputa pela Prefeitura de São Paulo metendo o pé na porta no debate da Band. Trajando um boné que já vai se tornando sua marca nas redes — assim como o gesto da letra M com os dedos, que já virou emoji —, o coach foi para cima de adversários sem nenhuma evidência ou prova, não ficou corado ao ser exposto em total desconhecimento de questões concretas da cidade e mentiu sobre seu histórico vasto de processos judiciais. Nada de novo: Bolsonaro já havia gabaritado todos esses itens em 2018.
As novidades, aqui, são o shape mais
moderninho, bem vestido, e a completa falta de cerimônia em posar de
milionário, ou “próspero”, palavra que usa como cenoura para atrair seguidores,
clientes e eleitores. Bolsonaro ostentava aquele ar simplão, apesar da
vertiginosa evolução patrimonial que ele e os filhos obtiveram única e
exclusivamente por meio de mandatos eletivos, embora se digam antipolítica.
A perplexidade dos adversários veio na forma
de uma ficha que demora a cair. O mesmo percurso, diga-se, parece ter sido
feito pelos eleitores. Os grupos de pesquisas qualitativas com indecisos feitas
na hora do debate captaram certa aversão ao ar agressivo do coach, que depois
parece ter decantado em curiosidade e, por fim, em recall na explosão de
menções em redes sociais e no crescimento do alcance já gigantesco que ele tem
nesse ambiente.
É possível converter likes em votos? Não
completamente. A começar pelo fato de a base de seguidores de Marçal não se
concentrar na cidade de São Paulo. Mas é inegável que ele parte de uma
plataforma de lançamento e projeção com que seus rivais estão longe de poder
sequer sonhar.
A depender do uso que Marçal faça da máquina
digital — e para ganhar dinheiro ela tem sido bem eficaz—, ela pode superar com
folga mecanismos que têm se mostrado mais obsoletos a cada ano, como o corpo a
corpo na rua, o santinho impresso e até o palanque do horário eleitoral de
rádio e TV, com alcance cada vez mais reduzido.
Diante do fenômeno que deveriam ter
antecipado, mas de novo subestimaram, candidatos quebram a cabeça a respeito de
que postura adotar.
Tabata Amaral (PSB) resolveu ir para o
confronto aberto. Conseguiu expor o despreparo de Marçal e seu passado obscuro
de pendências judiciais. Mas o difícil de lidar com candidatos feitos dessa
matéria nova é que eles parecem refratários a esses reveses, para os quais
fazem vista grossa até os bambambãs do mercado. Sim, a Faria Lima parece
encantada com o novo outsider, como já se enfeitiçou por João Doria antes e por
Bolsonaro depois.
Ricardo Nunes (MDB), o maior prejudicado pela
disputa desses votos, e Guilherme Boulos (PSOL), que ouviu inerte insinuações
do coach contra si sem qualquer evidência, parecem mais perdidos sobre a
maneira como enfrentar o trem-bala. Poderiam pleitear sua exclusão dos debates,
pois seu partido, o PRTB, não tem representantes no Congresso, como exige a lei
eleitoral. Mas não querem dar essa bandeira de que estão preocupados. O
problema de lidar com um trem assim desgovernado é que, quando você decide o que
fazer, o estrago muitas vezes já aconteceu.
Doria é diferente de Marçal e Bolsonaro.
ResponderExcluirMarçal está quilômetros à frente de Bolsonaro em termos de picaretagem.
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