quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Conversa entre Poderes é positiva para o país

O Globo

Não necessariamente acordo sobre emendas parlamentares será o ideal. Mas é melhor que embate institucional

Embora tenso, foi positivo o encontro entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), os presidentes da Câmara, Arthur Lira, do Senado, Rodrigo Pacheco, e representantes do governo para negociar um acordo capaz de aplacar as divergências em torno das emendas parlamentares. Não há dúvida de que se avançou depois do conflito desencadeado pela decisão do ministro Flávio Dino — referendada por unanimidade no plenário do Supremo — de suspender o pagamento de emendas até que Congresso e Planalto criem regras garantindo mais transparência e rastreabilidade a esses repasses.

O acordo está longe de representar a solução ideal para a questão, até porque mantém inalterada a parcela do Orçamento sob controle dos parlamentares — em torno de R$ 50 bilhões, ou 20% dos gastos livres do governo (patamar sem paralelo no mundo). Mas pelo menos muda os procedimentos, em particular nas emendas individuais que os congressistas podem enviar diretamente a estados ou municípios sem exigência de projeto ou mecanismo de controle, apelidadas “emendas Pix”. Pelo que foi pactuado, eles terão de revelar como os valores serão usados. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) ficará responsável pela fiscalização.

Outro ponto controverso são as emendas de comissão, novo foco da destinação de recursos sem transparência depois que o STF declarou inconstitucionais as emendas do relator, que irrigavam o “orçamento secreto”. O acordo estabelece que os recursos poderão ser destinados apenas a projetos “de interesse nacional ou regional”, estabelecidos de comum acordo com o Executivo. A definição das obras será objeto de regulação posterior. Lamentavelmente, um dos principais problemas não foi tratado: a identificação do autor da emenda. Por fim, as emendas de bancada ficarão restritas a projetos considerados “estruturantes”, segundo critérios discutidos entre Executivo e Legislativo.

Desde 2015, diversas mudanças na Constituição ampliaram os recursos de emendas parlamentares e as tornaram progressivamente mais impositivas, limitando o poder do Executivo sobre o Orçamento. A última foi a PEC da Transição, aprovada em 2022, que aumentou os recursos de emendas para 3% da receita líquida do ano anterior — um evidente exagero. Agora, apesar de não haver redução imediata nessa fatia, o Congresso se comprometeu a estabelecer uma nova fórmula para reajustar os valores anualmente, de modo que ao menos não cresçam mais que as despesas discricionárias.

A suspensão do pagamento das emendas pelo STF causou indisfarçável abalo na relação entre os Poderes. A reação do Legislativo foi imediata, ressuscitando propostas que miram os magistrados. Uma delas limita decisões monocráticas de ministros do STF. A outra permite ao Congresso derrubar decisões do Supremo, ideia sem nenhum cabimento. O mal-estar ficou claro no encontro de terça-feira.

Não necessariamente o acordo negociado entre os Poderes será o ideal ou o mais justo para o Brasil. Mas, além de aumentar a transparência e estabelecer critérios mais sensatos para as emendas parlamentares, ele contribui para arrefecer a animosidade. A contenda não faz bem ao país. É sempre melhor haver conversa que disputa institucional.

Ou Senado reage, ou Brasil terá maior imposto sobre consumo do mundo

O Globo

Lista de exceções torna inviável alíquota-padrão de 26,5% estipulada pelos próprios deputados

Se o Senado não reagir, o Brasil corre o risco de se tornar o país com o maior imposto sobre consumo do mundo. O projeto aprovado na Câmara pode — e precisa — ser corrigido. Na forma como está, ele acarretará uma alíquota-padrão próxima de 28%, mais alta que a adotada em 150 países analisados pela consultoria PwC. Hoje a Hungria é a número 1 no ranking, com 27%. Croácia, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia vêm empatados em segundo lugar, com 25%. Na terceira posição estão Grécia e Islândia, ambos com 24%. Nos países emergentes, o percentual tende a ser mais baixo. Na China, não passa de 13%. No México, 16%, e no Chile, 19%.

O tema dos tributos é pródigo em complexidades impenetráveis. Porém a explicação para o Brasil alcançar patamar tão alto é simples. Enquanto a reforma tributária esteve em análise na Câmara, houve romaria a Brasília de grupos interessados em fazer pressão para que produtos ou serviços entrassem em listas de exceção, com tributos zerados ou reduzidos. Quanto mais beneficiados, maior precisa ser a alíquota-padrão cobrada dos demais para manter o mesmo nível de arrecadação.

Os argumentos usados para tentar justificar as listas de exceção não se sustentam. Um vasto conjunto de pesquisas acadêmicas mostra que o sistema tributário não é o canal mais eficaz para tratar de temas de equidade. A ideia de uma cesta básica isenta é enganadora. Produtores beneficiados com impostos menores embolsam a vantagem sem repassá-la aos consumidores. Mesmo quando repassam, a situação é injusta, pois beneficia pobres e ricos. É muito mais eficaz, em vez de criar listas de exceções, usar a receita dos impostos para cuidar dos mais vulneráveis. Ou devolver dinheiro aos pobres por um sistema de cashback, como o previsto na própria reforma.

No texto aprovado em julho na Câmara, os deputados estipularam um teto de 26,5% para a alíquota-padrão. Caso seja respeitado, esse limite já colocaria o Brasil no segundo lugar do ranking dos maiores impostos sobre consumo. Mas nem isso está garantido. Se, na revisão a ser feita em sete anos, a alíquota estiver próxima de ultrapassar o teto, o governo precisará apresentar um projeto para reduzir os benefícios fiscais. O mais indicado seria o Senado já definir um gatilho automático na lei — e trabalhar para reduzir a alíquota-padrão cortando exceções.

Em Brasília é comum o argumento “faremos o possível, não o indicado”. É o tipo de atitude que favorece lobbies de toda espécie, que costumam conseguir o que querem. Mas não é impossível derrubar os argumentos frágeis com base em estudos empíricos. As longas listas de exceções, com carnes, queijos, farinhas e toda sorte de produtos, são uma aberração. Os brasileiros merecem uma reforma tributária melhor que a aprovada na Câmara, simplesmente porque não suportam mais a pesadíssima carga tributária. É papel dos senadores fazer as correções necessárias. O Brasil precisa ambicionar as primeiras colocações nos rankings mundiais de educação, saúde e oportunidades. Não nos de maiores impostos.

Governo precisa enfrentar o déficit estrutural crescente

Valor Econômico

Mesmo com uma sequência provável de três anos de avanço do PIB perto dos 3%, o déficit estrutural continua piorando

Com a mudança dos regimes fiscais entre o governo de Jair Bolsonaro e o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o déficit público se acentuou. Entretanto, é preciso uma visão de longo prazo para saber a direção em que caminham as contas públicas. Foi o que economistas da MCM Consultores fizeram para chegar a uma conclusão preocupante: o déficit fiscal estrutural está crescendo. Isso significa que quando se excluem tanto receitas extraordinárias quanto despesas que não se repetirão, a condição normal dos gastos do Estado hoje é a de superar a arrecadação. (Valor, 15 de agosto).

A indicação é que para colocar as finanças públicas em ordem e permitir frear o endividamento - hoje em alta moderada, com tendência de aceleração -, será preciso obter um superávit primário maior. Pelas contas da MCM, o desequilíbrio ao longo do tempo tem subido. No segundo semestre do ano passado, foi de 1,1% do PIB, avançou para 2,1% no primeiro trimestre deste ano e alcançou 2,4% do PIB no segundo trimestre. Os números mostram que há 6 meses seria necessário um esforço fiscal bem menor para emprumar a contabilidade, cerca de R$ 120 bilhões. Hoje, seriam necessários R$ 250 bilhões para atingir o mesmo resultado.

Os cálculos vão além das oscilações fiscais típicas da sucessão de governos. O governo Lula resolveu fazer um ajuste fiscal que preserva aumentos reais de gastos, a serem cobertos pelos aumentos de receitas. A arrecadação está subindo, mas para efeitos estruturais não adianta obter uma safra boa de dividendos do BNDES ou da Petrobras, se eles não formarem um contínuo de recursos relativamente estável ao longo dos anos. Ainda que se obtenha a zeragem do déficit primário este ano, o que ainda é uma enorme dúvida, isso não resolverá o problema. Da mesma forma, despesas que não se repetem ao longo do tempo, ou variações acima do padrão normal de gastos, que podem enfeiar os resultados durante um ou outro exercício, não são tão relevantes se não contribuírem para uma piora permanente da conta.

O país tem agora um desequilíbrio crescente, mas já viveu uma situação oposta, a de superávits estruturais ao longo de praticamente uma década - nos primeiros governos de Lula e no início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, de 2004 a 2015. A farra de gastos da nova matriz econômica, que não prescindiu das pedaladas fiscais, inverteu o rumo das contas públicas e levou o país a uma das maiores recessões da história. O teto de gastos, que impedia as despesas de terem crescimento real, implantado no governo Temer, conseguiu reverter a situação a partir de 2017, até se obter um superávit primário, ainda que pequeno, de 0,5%, no primeiro trimestre de 2022.

A partir do início do governo Lula, marcado pela PEC da Transição, houve um aumento grande das despesas, com o salvo conduto para gastos de R$ 168 bilhões no exercício fiscal de 2023, e os ajustes que conduziram a mais gastos, desta vez recorrentes, com a indexação das maiores despesas do orçamento à inflação acrescidas do avanço do PIB de dois anos anteriores. Isso foi feito sem que houvesse qualquer preocupação para diminuir as renúncias fiscais e gastos tributários, que, ao contrário, cresceram. E pelo visto continuarão assim, mesmo que se consiga um ou outro melhor desempenho ao longo do tempo.

As fortes vinculações do orçamento pioram o controle das contas públicas, por seu caráter pro-cíclico, um problema antigo e renitente. Nos momentos em que a economia está desacelerando, a arrecadação cai e o déficit cresce. Nos momento de crescimento, como agora, as receitas dos governos aumentam e as despesas crescem. Assim, mesmo com uma sequência provável de três anos de avanço do PIB perto dos 3%, o déficit estrutural continua piorando.

O novo regime fiscal, para se manter, precisa cumprir suas regras, que foram afrouxadas antes até do início de sua vigência. Apesar de o governo julgar que o esforço para atingir a meta será menor em 2025 do que agora, não é esta a opinião dos economistas. A mediana do Prisma Fiscal, que coleta as expectativas sobre o desempenho das contas públicas, recuou em agosto em relação a junho, para um déficit de R$ 73,5 bilhões. No entanto, o rombo esperado para 2025 é maior do que o do atual exercício - R$ 91,6 bilhões.

O governo terá de gerar um superávit primário de R$ 36 bilhões de agosto a dezembro para cumprir o limite inferior, de déficit de até R$ 28,8 bilhões este ano, calcula a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. A receita líquida precisará crescer R$ 94,1 bilhões de agosto a dezembro, mas a IFI acredita que há “elevado grau de incerteza” sobre isso e que será possível alcançar R$ 65,6 bilhões, com carência de R$ 21,5 bilhões. A instituição mostra que a correção das principais despesas (60% do total) pela inflação mais ganho real do PIB ameaça já a curto prazo a subsistência das regras.

Para consertar de forma sustentável as contas públicas, seria preciso uma desvinculação importante das despesas e corte dos enormes subsídios fiscais, além do fim da correção real dos principais gastos. O governo não está disposto a realizar as mudanças, mas poderá ser convencido pela realidade dos fatos a fazê-las.

Taxação alta e corte de publicidade para bets

Folha de S. Paulo

Governo acerta ao autorizar apostas, mas cumpre vetar propaganda e elevar impostos, como já ocorre com tabaco e álcool

O sucesso do mercado de apostas online, as chamadas bets, é incontestável. Levantamento do banco Itaú estima que, entre junho de 2023 e junho de 2024, jogadores desembolsaram R$ 68,2 bilhões nesse tipo de competição e receberam de volta R$ 44,3 bilhões. Ou seja, perderam R$ 23,9 bilhões.

O jogo, portanto, é péssimo negócio para o apostador. Mas brincar com a sorte é atividade que fascina a humanidade pelo menos desde o Paleolítico —arqueólogos encontraram dados e outras evidências de jogos em sítios pré-históricos.

Nem o Estado nem tabus moralistas apagarão esse traço da natureza humana. E nem deveriam tentar. Se um adulto em pleno gozo de suas faculdades mentais quiser gastar seu dinheiro desafiando probabilidades estatísticas, deve ter o direito de fazê-lo.

Daí não decorre, por óbvio, que o poder público deva se omitir nessa seara. Assim como normatiza o comércio em geral, o Estado deve garantir que as empresas que exploram a atividade não ludibriem os apostadores. No Brasil, a lei 14.790/2023 autorizou as bets e, no mês passado, uma série de portarias do Ministério da Fazenda instituiu a regulamentação.

Os documentos preveem que as poucas chances de vitória e os riscos envolvidos devem ser anunciados com clareza —e que manipulação de resultados e uso de equipamentos enviesados, entre outras fraudes, serão coibidos.

O Estado também tem interesses legítimos na saúde pública. Já que proibições não funcionam, como se verifica no uso de drogas, é preciso conter o aumento do número de jogadores dependentes.
Uma das medidas, no caso, seria vetar ou ao menos limitar severamente a publicidade das bets. Mas, apesar de algumas condições pontuais, a propaganda é livre no país.

A restrição à divulgação de produtos nocivos à saúde está prevista no artigo 220 da Constituição e é empregada em relação ao tabaco, ao álcool e até a medicamentos. O jogo de aposta entra nessa categoria. É insensato estimular comportamentos potencialmente autodestrutivos para os quais o cérebro já não tem muitas defesas.

Outra questão em que a regulamentação deixou a desejar é a dos impostos. As empresas foram tributadas em apenas 12%, valor ridiculamente baixo, mesmo considerando que os vencedores também pagam tributos sobre os prêmios.

Ademais, as discussões sobre a reforma tributária estão, até agora, poupando setores do chamado imposto do pecado —sobretaxa para produtos e serviços que causam danos à sociedade. Ora, quando aborda esse tipo de tributo, a literatura econômica é quase unânime em usar como exemplo a tríade tabaco, álcool e jogo.

É corte ou não é?

Folha de S. Paulo

Qualquer que seja o termo usado, pente-fino no BPC é correto, mas insuficiente

Não é de hoje que o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, precisa se equilibrar entre os deveres do cargo, como zelar pela credibilidade da política econômica, e a plataforma gastadora abraçada por seus correligionários petistas —a começar pelo próprio presidente da República.

O exemplo mais recente se deu na terça-feira (20), quando Haddad defendeu a revisão de gastos a ser promovida com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um programa destinado à população carente que passa por uma expansão anômala de sua clientela.

Fazer pente-fino para identificar concessões indevidas ou mesmo fraudes, argumentou o ministro em evento do banco BTG Pactual, "não pode ser chamado de corte".

É curioso que o mesmo Haddad tenha usado a palavra, ou uma variação dela, ao anunciar essa e outras medidas similares em 3 de julho, com uma previsão da economia a ser feita: "Identificamos, e o presidente autorizou levar à frente, R$ 25,9 bilhões de despesas obrigatórias que vão ser cortadas", disse, referindo-se ao Orçamento de 2025.

Explica-se: naquele dia, a preocupação da Fazenda era dar uma mostra pública de compromisso com a responsabilidade fiscal, de modo a estancar uma disparada do dólar alimentada por declarações desatinadas de Luiz Inácio Lula da Silva —daí o exagero retórico de chamar de corte o que ainda é só uma reestimativa do gasto.

De lá para cá, o governo tem sofrido ataques demagógicos por supostamente tirar dinheiro dos pobres, quando se trata apenas de fazer cumprir as regras do programa, voltado para idosos e deficientes com renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo.

A providência é obviamente correta —mas insuficiente. Verificar a devida destinação de recursos é obrigação da gestão pública, porém no caso brasileiro será inescapável rever também regras que levam os gastos a uma elevação contínua e insustentável, como reajustes de benefícios acima da inflação.

É essencial preservar o aparato de seguridade social, o que implica garantir que ele caiba no Orçamento e seja de fato direcionado aos que dele mais precisam.

A montanha pariu um rato

O Estado de S. Paulo

Acordo entre STF, Legislativo e governo mantém problemas das emendas parlamentares e do desequilíbrio das relações entre os Poderes sem restituir ao Executivo o controle do Orçamento

Terminou em um típico “acordão” a crise entre governo e Congresso sobre as emendas parlamentares. Mediado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o pacto promete dar transparência às indicações orçamentárias feitas por deputados e senadores a seus redutos eleitorais, mas não proporciona a efetiva retomada do controle do Orçamento pelo Executivo.

Para começar, foram mantidas as “emendas Pix”, que configuram mera transferência de recursos da União para o caixa de prefeituras e governos estaduais. O Congresso se comprometeu a fazer o mínimo e indicar como o dinheiro enviado deverá ser utilizado pelos prefeitos e governadores. Os recursos deverão priorizar obras inacabadas, o que não garante sua melhor aplicação.

Nada disso sana o vício de origem das transferências especiais. Embora existam desde 2019, as “emendas Pix” sempre foram inconstitucionais, como descreveu a tardia Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) há duas semanas. Elas ofendem o pacto federativo, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Perpetuá-las desmoraliza a atuação de uma corte cuja função primordial é defender a Constituição.

O acordo não enfrentou o caráter impositivo das emendas. As emendas individuais só deixarão de ser executadas se houver algum impedimento de ordem técnica. Quanto às emendas de bancada, elas só poderão ser destinadas a “projetos estruturantes” – seja lá o que isso signifique.

Releitura das antigas emendas de relator, as emendas de comissão – as únicas que não têm caráter obrigatório – também foram preservadas. Deverão priorizar projetos de “interesse nacional ou regional”, a serem definidos em conjunto entre o governo e o Congresso. Seu principal problema, a falta de identificação do autor da indicação, não foi resolvido.

O pacto tampouco enfrentou o patamar que as emendas assumiram no Orçamento, de cerca de R$ 50 bilhões. Com a Emenda Constitucional da Transição, as individuais passaram a corresponder a 2% da Receita Corrente Líquida; e as de bancada, a 1%. Agora, elas não poderão crescer mais que os 2,5% reais impostos pelo arcabouço fiscal, mas não serão reduzidas.

O pagamento das emendas permanecerá suspenso pelo STF até que os termos do acordo sejam regulamentados, o que, à primeira vista, parece reduzir a força que o Legislativo conquistou nos últimos anos. Mas tudo dependerá da regulamentação dos termos desse pacto, que sairá nos próximos dez dias e será controlada com mão de ferro pela cúpula do Congresso.

Para o governo, a situação melhorou um pouco. Incapaz de convencer os parlamentares a utilizar as emendas para apadrinhar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) voluntariamente, talvez agora o Executivo consiga arrancar um naco dos recursos para seus projetos prioritários.

Convém não subestimar a capacidade do Legislativo de defender seus interesses. O diabo mora nos detalhes, que podem ser facilmente escamoteados nas vírgulas de emendas constitucionais, leis e resoluções. Regras escritas, quando aplicadas, revelam a distância abissal entre teoria e prática.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que se chegou ao “consenso possível”, entendimento que consolida a atuação política de uma corte que parece muito mais preocupada em mediar crises do que em proteger a Constituição.

A mera existência do acordo expressa a manutenção de uma disfuncionalidade. Afinal, para impedir retaliações contra si e o Executivo, o Supremo atuou para apaziguar os ânimos, quando em tempos não tão remotos caberia ao Congresso apenas cumprir uma decisão judicial referendada por unanimidade pela Corte.

Nesse contexto, o incômodo demonstrado por Arthur Lira (PP-AL) mais parece encenação, enquanto o STF celebra os desvios de sua função e a perda de sua autoridade e o governo canta vitória antes da hora. Como disse o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), a montanha pariu um rato, e a tendência é de que tudo – as emendas parlamentares e a relação desequilibrada entre os Poderes – continue como está.

O governo Dilma ainda dá prejuízo

O Estado de S. Paulo

Correios vão aportar R$ 7,6 bi para tapar metade do rombo no fundo de pensão que aplicou recursos em fundos de investimentos e projetos lulopetistas de estrita conveniência política

A direção dos Correios firmou contrato de confissão de dívida com o Postalis, o fundo de pensão dos funcionários da estatal, em que concordou em pagar R$ 7,6 bilhões, metade do rombo que o fundo acumula desde o período em que foi amplamente utilizado em investimentos podres, mas que eram do interesse do governo petista da época. Grande parte do prejuízo total, estimado em R$ 15 bilhões, foi causada por operações feitas entre 2011 e 2016, durante o governo Dilma Rousseff – que, como mostrou reportagem do Estadão, corresponderam a R$ 9,1 bilhões.

Desnecessário frisar como é descomunal o volume de recursos jogados no ralo da incúria, em negócios mal administrados e em fraudes no Postalis. O rombo é superior ao patrimônio total de 225 dos 236 filiados à Abrapp, associação que reúne as entidades nacionais de previdência complementar. Aposentados e pensionistas, sem culpa nos malfeitos, arcarão com a outra metade do prejuízo, com descontos que chegam a ultrapassar um terço do valor dos benefícios.

Não estarão sozinhos no infortúnio. Como se sabe, aposentados e pensionistas da Petros (dos funcionários da Petrobras) e da Funcef (da Caixa) também sofreram cortes de benefícios para sanar os prejuízos de uma época em que o capital de suas caixas de previdência foi usado com o propósito prioritário de atender aos interesses do lulopetismo e partidos aliados. Os Correios, por exemplo, foram território fechado para o PTB e o PMDB. Os desmandos no Postalis deixaram a situação tão crítica que foram suspensas novas adesões de participantes.

Das grandes entidades patrocinadas por estatais, somente a Previ, do Banco do Brasil, não entrou na roda da decadência. Talvez por seu tamanho – é, de longe, a mais rica das fundações – ou por ter sido beneficiada por um período em que a rentabilidade das aplicações em ações multiplicou seu patrimônio, o fato é que não teve de onerar seus contribuintes com extras e nem os assistidos com cortes. Mas participou, como as demais, dos projetos lulopetistas.

Previ, Postalis, Funcef e Petros entraram, por exemplo, como sócios da Sete Brasil, a excentricidade idealizada pelo governo petista para intermediar as encomendas de equipamentos do pré-sal, mas que nada entregou a não ser um prejuízo bilionário. Sob o governo Dilma Rousseff, o Postalis vendeu títulos da dívida pública do Brasil e comprou títulos da Venezuela e da Argentina em 2014, um negócio que qualquer iniciante sabia ser um grande mico.

A inevitável intervenção no Postalis aconteceu ao final de 2017, no governo Michel Temer, depois que órgãos reguladores do Brasil e dos Estados Unidos concluíram ter havido má gestão e fraude. A Comissão de Valores Mobiliários, que já aplicou inúmeras multas a administradores do fundo, ainda hoje investiga irregularidades. Há dois meses, retomou julgamento de suposta operação fraudulenta em fundos de investimentos administrados pelo Postalis e multou os acusados em mais de R$ 21 milhões. A intervenção durou até dezembro de 2019, sob Bolsonaro, com a substituição do interventor da Previc, que fiscaliza os fundos de pensão, por um general. Sob Lula, um sindicalista passou a ocupar o cargo. Como se vê, nenhum dos dois estava genuinamente preocupado em corrigir os rumos.

Paulo Guedes, o “superministro” de Bolsonaro, incluiu os Correios na lista de estatais privatizáveis. O projeto para autorizar a operação chegou a ser encaminhado pelo Executivo ao Congresso, mas abortar a privatização foi uma das primeiras providências de Lula da Silva ao assumir o terceiro mandato.

A estatal é hoje deficitária – no primeiro trimestre deste ano, o prejuízo chegou a R$ 800 milhões – e durante as gestões anteriores do PT chegou a ter congeladas as tarifas postais, uma prática que foi relativamente comum na gestão Dilma, que conteve preços de combustíveis e de energia elétrica, acionando o gatilho de bombas inflacionárias de efeito retardado cujos efeitos ainda não cessaram.

‘Troll’ na campanha eleitoral

O Estado de S. Paulo

Faltar a debate não é o melhor caminho para lidar com quem só está ali para causar confusão

Os candidatos a prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (Psol) e José Luiz Datena (PSDB) recusaram-se a participar de um debate promovido pela revista Veja e pela ESPM por causa do evidente descontrole do candidato Pablo Marçal (PRTB). A recusa ao debate escancara a dificuldade desses políticos de lidar com trolls – como são chamados os agentes do caos cujo principal objetivo é o de causar tumulto para gerar engajamento nas redes sociais –, mas nem de longe é o caminho para lidar com um fenômeno que só tende a se expandir.

Ter de conviver na campanha com quem não tem nenhum interesse em fatos e argumentos – e, mais importante, nas reais necessidades dos eleitores – é certamente desafiador, mas não mais do que administrar uma metrópole tão complexa como São Paulo. Um prefeito não lida só com os assuntos sobre os quais se sente confortável ou preparado. Um verdadeiro estadista é aquele que coloca os interesses da cidade acima de suas sensibilidades pessoais.

Como os trolls não têm compromisso algum com os eleitores, cair nas provocações ou delas se esquivar simplesmente não comparecendo a debates gera o mesmo efeito: conteúdo para as redes sociais, onde os adversários serão ridicularizados por caírem nas esparrelas ou tachados de fujões. Para o provocador, é um perfeito ganha-ganha.

Provocações e golpes abaixo da cintura, no Brasil e no exterior, são tão velhos quanto a política. A novidade é que os trolls não atacam os adversários pensando exatamente em vencer a disputa eleitoral. No específico caso brasileiro, eles são valiosíssimos para legendas de aluguel, cuja existência não depende de propostas, muito menos de soluções, mas de candidatos que puxem milhares de votos permitindo que partidos parasitas sigam se locupletando do sistema, curiosamente o mesmo velho sistema que os agentes do caos fingem combater.

Sempre ancorados nas redes sociais, os trolls estão aí para esgarçar o tecido social e, no processo, consolidar a base de fiéis seguidores que lhes engordam os bolsos ou lhes garantem apoio significativo que pode ser negociado com quem tem ainda mais poder.

Acostumados a serem cultuados por seus seguidores e altamente dependentes de likes, os trolls não raro se enrolam no próprio vazio de ideias. Quando é chamado a detalhar propostas, por exemplo, Marçal afirma que tratará delas depois, em suas redes, demonstrando não apenas não ter nenhum respeito pelo eleitor, mas também que só busca a zona de conforto de seus bajuladores. Ou seja, os trolls são vulneráveis quando confrontados com a realidade dos fatos, por isso fogem dela como o diabo da cruz. A melhor maneira de enfrentá-los, portanto, é expô-los sem se deixar arrastar para o terreno do vandalismo nem da altercação. Como diz o velho adágio, não é bom brigar com o porco na lama, porque os dois se sujam, mas só o porco se sente em casa.

Nunes, Datena e Boulos perderam a oportunidade de, com sangue-frio e altivez, como exigem os problemas da cidade, desnudar a estratégia sedutora, porém limitada, do troll do momento. Outros surgirão. Fugir deles certamente não os derrotará.

Atenção aos sinais sanitários

Correio Braziliense

O Brasil precisa estar atento ao comportamento de vírus com potencial para causar novas crises sanitárias e, principalmente, pôr em prática medidas de enfrentamento eficazes

Sistemas sanitários pouco robustos costumam padecer diante de vírus ameaçadores à saúde humana. Não à toa, durante a pandemia da covid-19, o Brasil figurou em rankings dos países com maior número de mortos. Dificuldades para o monitoramento do coronavírus e o rastreamento de infectados, além da sobrecarga nas estruturas de atendimento aos doentes, foram apontadas como fatores que levaram ao cenário letal. Mais de quatro anos depois do surgimento do Sars-CoV-2, o país precisa estar atento ao comportamento de outros vírus com potencial para causar novas crises sanitárias e, principalmente, pôr em prática medidas de enfrentamento eficazes.

O mpox é um dos que merecem atenção. Nesta semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ressaltou que o atual surto da doença é considerado uma emergência de saúde pública de importância internacional, mas não "uma nova covid", porque as "autoridades sabem claramente como controlar sua disseminação". Começa a se espalhar, porém, uma cepa do vírus MPXV que, aparentemente, é mais transmissível e perigosa, devido a danos no pulmão, intestino e fígado de infectados. Cientistas da Austrália calculam que a chamada 1B seja até 10 vezes mais letal que a clado 2, responsável pela emergência de saúde decretada pela agência da ONU em 2022. 

O Ministério da Saúde instalou um comitê de emergência, na semana passada, para reforçar a vigilância epidemiológica em nível nacional  — são 709 casos confirmados ou prováveis da doença neste ano e mais de 10 mil só em 2022  — e anunciou que negocia a compra de 25 mil doses de vacina. Ambas as medidas fazem parte da lista de recomendações da OMS neste novo surto de mpox.

 Espera-se postura semelhante no enfrentamento a uma nova variante do HIV que, até o momento, pode ser apenas um problema nacional. Na  última sexta-feira, pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgaram a identificação do micro-organismo em amostras de sangue de pessoas soropositivas do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia. Segundo os cientistas, trata-se de uma mistura genética de dois tipos de HIV amplamente difundidos no Brasil que pode ter surgido em um indivíduo e já está presente em, pelo menos, três estados. Não há evidências de que o tratamento atual precisa ser adaptado, mas o grupo enfatiza que é necessário manter os esforços para investigar a variante.

Isso em meio a uma avalanche de doenças respiratórias — os boletins epidemiológicos semanais da Fiocruz têm indicado aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por vírus sincicial respiratório em crianças e adolescentes e por covid-19 em idosos — e à proximidade de mais uma temporada de dengue. Vale lembrar que, neste primeiro semestre, o país contabilizou mais de  6,1 milhões de casos prováveis da doença e 4.250 mortes, batendo recordes sanitários.  

Os impactos das mudanças climáticas, a circulação de subtipos de vírus da dengue em populações imunologicamente desprotegidas e o descompromisso de gestores e cidadãos com as medidas preventivas estão entre os fatores que levaram à situação inédita. Todos eles também são imprescindíveis quando se elabora políticas que contribuam de fato para o bem-estar da população. É indiscutível que não se deve alimentar o terrorismo sanitário que ganhou força com a pandemia. Mas foi a própria covid que nos ensinou, de forma dolorosa, que, em se tratando de saúde pública, custa muito caro remediar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário