quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Thiago Amparo - Não há juízes em Caracas

Folha de S. Paulo

Lula apelar ao Judiciário venezuelano é, no mínimo, ingênuo, e, no máximo, hipócrita

O fato de a nota pró-Maduro do PT ser coerente com o histórico do partido não faz dela menos deplorável: a lente binária anti-imperialista ofusca que a fome e a repressão ao povo venezuelano não podem ser, hoje, creditadas primordialmente às sanções americanas, mas a um Maduro que, como Bolsonaro, prefere dar de comer aos seus militares do que aos mais pobres. Enquanto o PT aplaude, o Partido Comunista da Venezuela e a Internacional Socialista pedem mais transparência no pleito, o mesmo apelo que o próprio Itamaraty e Lula fizeram ao lado de Biden.

A nota do PT comete dois erros fundamentais: internamente, dá munição para a oposição brasileira explorar em ano eleitoral o tema que virou espantalho político, e, ideologicamente, expõe a incoerência do partido da democracia aplaudir o autoritarismo, elogiando a reeleição de figuras como Putin e Maduro. Lula, por outro lado, deveria ser o adulto na sala, e assim o foi até a última declaração de que "Não tem nada de anormal" na Venezuela.

Note que há dois movimentos, concomitantes, em curso: de um lado, a diplomacia brasileira (Itamaraty e Amorim) sabe que anda em uma corda bamba se quiser influenciar o regime e, de outro, Lula joga o jogo da diplomacia presidencial servindo de interlocutor entre o autoritário Maduro e o império americano.

Nesse jogo delicado, Lula escorregou na banana que ele mesmo colocou no chão: inventou que o Judiciário venezuelano —cooptado pelo chavismo— poderia servir de alguma solução para a crise. Não serve: a receita chavista foi a de cooptar, como Trump, os tribunais.

Lembro da lição de Ruy Fausto em "Caminhos da Esquerda": "Impõe-se uma plena e absoluta superação crítica do interregno totalitário. Só nessas condições a esquerda tem futuro. Sem isso, não sairemos do túnel". Lula, não há juízes em Caracas e pensar que há é, no mínimo, ingênuo, e, no máximo, hipócrita. Com a arma na cabeça e a barriga vazia, não importa muito se o tiro vem do milico do lado de cá ou do lado de lá.

 

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