sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Vera Magalhães - Dino puxa o freio das emendas

O Globo

Ministro do STF soltou um conjunto de decisões a respeito da execução orçamentária que tem enorme impacto político

As atenções estão todas voltadas para a Olimpíada e, nos últimos dias, para a Venezuela, mas agosto chegou e, aos poucos, os Poderes vão retomando suas atividades. Às voltas com as convenções partidárias que estão a todo vapor, deputados e senadores só retornam a Brasília na semana que vem.

Vão chegar com a orelha quente, pois o Supremo Tribunal Federal retomou os trabalhos antes e, já de cara, o ministro Flávio Dino soltou um conjunto de decisões a respeito da execução orçamentária que tem enorme impacto político, inclusive na sucessão de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

Dino atuou em duas ações: uma que questiona as chamadas emendas Pix, que têm transferência imediata e sem necessidade de detalhamento de projetos para os municípios, o que dificulta a apuração dos órgãos de controle, e outra que aponta o descumprimento da decisão da Corte de 2022 que julgou inconstitucional o chamado orçamento secreto.

O ministro reuniu governo, Ministério Público, as assessorias da Câmara e do Senado e o Tribunal de Contas da União para uma audiência pública, mas o grau de detalhamento e a extensão das duas decisões mostram que ele usou o recesso para estudar profundamente o tema. Participantes da reunião se surpreenderam com a acuidade das perguntas feitas por Dino e o rigor que demonstrou diante de respostas por vezes hesitantes das demais partes.

Entre as medidas estipuladas pelo ministro está a necessidade de completa transparência e rastreabilidade das emendas Pix, além da exigência de que sejam criadas contas específicas para o recebimento desses recursos e de justificativa para os repasses.

No caso do “puxadinho” que deputados e senadores criaram para se adaptar ao fim das emendas do relator — que compunham o orçamento secreto —, após a decisão da ex-ministra Rosa Weber depois corroborada pelo plenário, Dino foi implacável. Apontou sem titubear que a decisão não foi cumprida efetivamente e determinou auditoria nos recursos de restos a pagar relativos às emendas RP9 e as de comissão, que vieram em seu lugar.

Parlamentares que tomaram conhecimento da decisão diziam ontem que Dino atingiu de morte os principais instrumentos de que Arthur Lira e Davi Alcolumbre dispunham para organizar a disputa pelo comando das duas Casas.

Lira prometeu para este mês o anúncio do seu candidato à própria cadeira. A escolha está embolada entre pelo menos três nomes, e o mais próximo ao alagoano, o deputado Elmar Nascimento (União-BA), não conta com a simpatia de Lula.

A maior participação do Legislativo na destinação de recursos orçamentários foi sendo construída nos últimos anos, sobretudo desde o governo Bolsonaro, e foi um elemento crucial para a consolidação da liderança de Lira na Câmara.

Do outro lado do Congresso não é diferente. Apesar de não ser o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) nunca deixou de ser o comandante da destinação de todo tipo de emenda na Casa, e tem essa prerrogativa como a principal arma para retomar a cadeira de seu aliado Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Se Dino já contava com a desconfiança de parte do Congresso por supostamente ser muito “político”, deve reforçar esse status graças às suas decisões disciplinando as emendas — algo que Lula prometeu fazer na campanha, mas que desistiu de enfrentar uma vez no cargo, dada a governabilidade dependente que tem em relação aos presidentes das duas Casas.

Congressistas veem um conluio silencioso entre Lula e o indicado para o STF para fazer aquilo que ele não teve força política para fazer: a contenção do avanço do Parlamento sobre a destinação dos recursos orçamentários, inclusive com um item que obriga que emendas Pix na área de saúde (a que mais concentra indicações e zona de interesse de Lira) sejam precedidas de um parecer técnico do SUS.

 

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