O Globo
Uma pá de cal na esperança de que ainda haja
algum esforço de ajuste fiscal duradouro. A dívida bruta como proporção do PIB
já está em 77,8%
Arguta e bem informada como sempre, Vera
Magalhães dissecou, em coluna recente, o que “auxiliares de Lula” lhe mapearam
como a rota pela qual o presidente pretende chegar ao final do mandato em
condições de assegurar sua reeleição (“A receita de Lula até 2026”, O Globo,
26/7).
Em complemento à sua excelente análise, vale discutir aqui quais deverão ser as diretivas, implícitas e explícitas, à condução da política econômica ao longo dessa rota. Adiantando desde já a conclusão, a palavra de ordem parece ser empurrar com a barriga o enfrentamento dos principais desafios com que hoje se debate o país na área econômica.
Tendo mal completado um ano e meio de
governo, o presidente estaria convicto de que “a fase de reforma deste terceiro
mandato se esgotou”. Da perspectiva do problema central com que a economia hoje
se defronta — contas públicas insustentáveis —, isso significa uma pá de cal na
esperança de que ainda haja algum esforço de ajuste fiscal duradouro até 2026.
Sem ir mais longe, o governo não deverá mover
uma palha para desmontar o mecanismo de expansão descontrolada de gastos que
teimou em voltar a acionar, em 2023, ao restaurar a superindexação da
gigantesca folha de pagamentos de benefícios previdenciários e assistenciais da
União vinculados ao salário mínimo.
A ideia é ater-se à simples repressão fiscal
— bloqueios e contingenciamentos — para, aos trancos e barrancos, tentar dar a
impressão de que o governo está de fato empenhado em respeitar as restrições já
escancaradamente permissivas do seu mal-ajambrado arcabouço fiscal.
A aposta é que não seria necessário mais do
que isso para manter a economia crescendo a 2% ao ano, com farta geração de
empregos. E para deixar o presidente a um passo da reeleição.
Salta aos olhos que será preciso muito mais
para a economia “chegar bem” ao final do mandato. Sem evidência de compromisso
claro do governo com uma gestão responsável das contas públicas, que atenue o
risco fiscal, é improvável que as taxas reais de juros possam voltar a ser
condizentes com a recuperação dos investimentos, a manutenção da dinâmica do
endividamento público sob controle e a preservação do crescimento da economia.
Não será redobrando a aposta na possibilidade
de continuar a esticar a corda da irresponsabilidade na política fiscal, e de
passar a fazer o mesmo na política monetária, a partir de 2025, que o governo
fará a economia “chegar bem” a 2026.
O pronunciamento do presidente à nação, no
domingo passado, 28/7, deixou claro como lhe será difícil chegar a bom destino
por essa suposta rota da reeleição. “Quando terminei o segundo mandato, há 14
anos, a economia crescia mais de 4% ao ano.
A geração de empregos, o salário e a renda
das famílias aumentavam e a inflação caía. Tiramos o Brasil do mapa da fome.”
Foi o que lembrou de início, para, em seguida, lamentar. “De lá para cá,
assistimos a uma enorme destruição no nosso país”.
Estaria coberto de razão se tivesse
reconhecido que a destruição adveio primordialmente do colossal descarrilamento
da economia perpetrado por Dilma Rousseff, que ele próprio alçara à presidência
da República. Mas preferiu insinuar que a destruição deveria ser debitada a
governos não petistas.
Lula da Silva continua entregue ao
negacionismo. Ao se comportar como se o mandato e meio de Dilma jamais tivesse
existido, continua incapaz de extrair as devidas lições dos erros crassos
cometidos pelo PT entre 2011 e 2016. E pronto a incorrer em equívocos
similares.
No próprio pronunciamento, o presidente
permitiu-se declarar em tom solene: “Não abrirei mão da responsabilidade
fiscal”. Como assim?! Em não mais que um ano e meio, já deixou que a dívida
bruta do governo, como proporção do PIB, sofresse um salto de mais seis pontos
percentuais, de 71,7% para 77,8%. Para começar. Ainda lhe faltam dois anos e
meio de destruição nessa linha. E o presidente continua a não perder ocasião de
externar sua resistência a uma reles meta de déficit primário zero.
Um problema grave de dissonância cognitiva.
Ou pior.
Sei.
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