O Globo
O desejo de mudança segue vivo entre as
classes médias que querem empreender e prosperar
As experiências de Bolsonaro e de Lula
indicam que alimentar a polarização extremista pode até garantir a eleição, mas
governabilidade e poder político são outra conversa. O diálogo e a construção
de acordos ficam dificultados. Esse é o dilema da política da polarização: as
forças que elegem os políticos ao Executivo não são as mesmas que viabilizariam
o sucesso de sua gestão e o avanço do país para o desenvolvimento.
Assim, em meio a decepções, a sociedade segue
insatisfeita, e essas lideranças mostram-se enfraquecidas.
O comportamento de Lula sugere que ele reconhece sua fraqueza. Exemplo disso foi não ter entrado em campo para defender a Reforma Tributária do IVA no molde proposto pela Fazenda, talvez por entender que sua ação poderia dificultar as negociações ao levantar a poeira da polarização. Bolsonaro, repetidas vezes, criticou a reforma, mas sem eco.
Quando Lula entrou em jogo, foi para
capitalizar politicamente a inclusão de carnes na cesta básica (com alíquota
zero), o que era uma pauta do PL, o partido de Bolsonaro. Isso apesar do alerta
técnico quanto ao consequente aumento na alíquota básica (0,56 pp).
Outro exemplo são as emendas parlamentares,
que já consomem quase um quinto das despesas discricionárias (ou não
obrigatórias) no orçamento federal. Com Lula sem forças para mudar o quadro, o
ministro do STF Flavio Dino buscou um (tímido) acordo entre as cúpulas dos
Poderes para maior transparência e zelo na alocação dos recursos, e limites ao
seu crescimento.
Já Bolsonaro, contrariando as experiências de
presidentes anteriores, não conseguiu se reeleger. Isso depois de ter sua
gestão enfraquecida no Congresso. Agora ele se defronta com o crescimento da
candidatura de Pablo Marçal para a Prefeitura de São Paulo, apesar do apoio ao
atual prefeito Ricardo Nunes.
A possível saída de ambos os atores da cena
eleitoral de 2026 poderá contribuir para um quadro mais saudável de
concorrência e renovação na política, com menor grau de polarização.
O desejo de mudança segue vivo entre as
classes médias (renda per capita em torno de mil reais) que querem empreender e
prosperar, e veem com desconfiança as elites. A bronca não é sem razão. O
abismo entre as classes médias e os ricos aumenta. Não à toa Bolsonaro perdeu
mais votos, entre as duas eleições, justamente no Sudeste, onde as classes
médias têm maior peso e o desemprego é mais elevado em comparação às regiões do
agro, Sul e Centro-Oeste.
Esse quadro poderá abrir espaço para
renovação da política, com candidatos que compreendam as mudanças das placas
tectônicas da sociedade e questionem o status quo. No entanto, nomes com perfil
populista, que acirram a divisão da sociedade, preocupam. Isso em um país onde
as regras do fundo eleitoral não favorecem a renovação, o que acaba
incentivando discursos mais estridentes de novatos.
Pablo Marçal se encaixa nesse perfil: um
outsider da política, com discurso antissistema e que vende sonhos, saídas
fáceis. Trata-se, porém, de caso isolado. Nas demais capitais, o jogo é o da
política tradicional, sem outsiders competitivos, enquanto a polarização entre
nomes apoiados por Lula e por Bolsonaro é pouco representativa. Erich Decat
aponta que os candidatos de partidos de centro (União, PP, PSD, Republicanos,
MDB e Podemos) lideram em 18 das 26 capitais.
Assim, se por um lado a competitividade de
Marçal não cresce no vácuo, por outro, ela parece muito associada às suas
características pessoais e ao contexto paulistano, não sendo necessariamente um
indicador do sentimento geral no país ou do porvir.
Comunicador hábil, Marçal coloca grande foco
nos eleitores de classe média que desejam empreender e prosperar. E a cidade de
São Paulo tem peculiaridades. Além de sua grande complexidade, foi a capital em
que Bolsonaro, derrotado, perdeu percentualmente mais votos, e seu prefeito
atual tem pouca expressão. O sentimento de mudança parece mais profundo.
As classes médias desejam voltar a sonhar,
mas não necessariamente querem a aventura e a polarização extremista, fatores
possivelmente secundários no momento. A economia volta e a taxa de desemprego
está nas mínimas históricas. O momento está mais para arregaçar as mangas e
conquistar seus sonhos. Que a política renovada consiga prometer sonhos e
entregá-los, afastando o populismo.
Não vejo a hora que termine esta polarização.
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