Folha de S. Paulo
Presidente salvadorenho e influenciador
candidato à Prefeitura de São Paulo acumulam semelhanças no marketing, no
discurso e na estética
Pablo Marçal é
uma colcha de retalhos. Candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, o
influenciador agrega características de diferentes líderes populistas do século
21 para avançar sobre o eleitorado desiludido com a política tradicional.
Um pouco do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um pouco do argentino
Javier Milei. Mas é com o presidente salvadorenho Nayib
Bukele, com quem deve
se encontrar nesta semana segundo mostrou a coluna Mônica Bergamo,
que mais semelhanças se acumulam.
A começar pelo boné. O apetrecho se tornou marca registrada do líder de El Salvador, que chegou à Presidência em 2019. Já Marçal tem usado em debates e agendas um boné azul com a inicial M, que logo passou a ser vendido na internet.
É verdade que, conforme os anos se passaram e
Bukele foi lançando mão de uma série de
medidas autoritárias, ele deixou o acessório de lado e adotou um
estilo mais sério e sisudo. Mas, na primeira campanha presidencial, o item
cumpria uma função mais do que estética, assim como para Marçal.
O boné fazia parte do marketing do
salvadorenho, que se apresentou ao eleitor como um "outsider", um
empresário "descolado" que não seguiria as regras da política
tradicional. "Sim, eu sei: ‘o prefeito não deveria aparecer de boné em uma
coletiva de imprensa’, ‘as meias não combinam com as calças’...", escreveu
ele na legenda de uma foto em 2016.
Bukele se elegeu presidente em meio a
denúncias de corrupção e ao desgaste dos dois principais partidos que se
revezaram no poder em El Salvador por
30 anos: o FLMN, de esquerda, e o Arena, de direita.
Publicitário, apostou numa estratégia de
marketing que fez com que os partidos tradicionais parecessem
ultrapassados. Assim como
Marçal faz hoje, adotou um discurso populista e se vendeu como um
jovem irreverente, um representante da nova política que tinha uma ideia
original para o futuro.
Em 2015, quando concorria para a prefeitura
da capital San Salvador, Bukele defendeu que os eleitores votassem em pessoas
com "zero experiência política", mas que tivessem bagagem na área
empresarial.
"Gente que quer mudar o país. Se vamos
eleger por experiência política, não podemos nos queixar da realidade, porque
estamos votando nos mesmos de sempre."
De maneira semelhante, em um vídeo que
circula nas redes, Marçal se refere a si próprio como "uma liderança nova
que está levantando". "Meu desejo é que brasileiros com resultado na
vida privada vão para a política", disse.
Assim, Marçal se aproveita da mesma onda
antissistema que elegeu
Bolsonaro em 2018, após uma década de desencanto e desconfiança em
relação à política pós-Operação Lava
Jato.
Tanto o influenciador quando Bukele evitam
responder se são de esquerda ou de direita, deixando as portas abertas para
ajustar o discurso conforme o
momento político. Já usaram, inclusive, o mesmo argumento para não
fazê-lo. Em entrevista à revista Time ao fim de agosto, o salvadorenho afirmou
que não há nenhum sentido em adotar uma divisão arcaica que nasceu com a
Revolução Francesa.
Apesar de hoje buscar o voto
bolsonarista por entender que essa é a maneira de chegar ao
segundo turno, Marçal já inventou que é
"governalista" para não se definir ideologicamente e
já tratou Lula e Bolsonaro como duas faces da velha política.
Na mesma linha de Bukele, afirmou em 2022 ao
goiano jornal Opção: "Essa forma de enxergar a política remonta o final do
século 18 e está ultrapassada. Querem nos fazer aceitar isso como uma verdade
inescusável da luta entre jacobinos e girondinos."
Da mesma forma que o salvadorenho lapidou sua
imagem como o CEO de El Salvador, Marçal também usa o sucesso no ramo
empresarial como uma cartada para chegar à prefeitura. Se a riqueza e o estilo
de vida luxuoso de parte dos políticos tradicionais é frequentemente vista com
desconfiança ou irritação pelo eleitor, os dois são admirados exatamente por
isso. Enquanto Bukele é herdeiro das empresas da família, Marçal diz ter
enriquecido com seus cursos e mentorias.
Em 2023 esta repórter esteve em El Salvador
para produzir um dos episódios do podcast Autoritários, publicado pela Folha. Na ocasião, o
jornalista salvadorenho Nelson Rauda explicou a adoração em torno de Bukele,
que funciona para entender também a excitação com a figura de Marçal.
"É curioso porque muito do que se
critica em relação a muitos políticos, como o uso de caminhonetes, o luxo, os
helicópteros e tudo isso, passou a ser visto como um êxito, uma coisa
aspiracional", disse Rauda. "Ou seja, o salvadorenho quer ser como
ele [Bukele], quer mandar pelo Twitter, quer ser popular, quer ser ‘cool’, quer
ter dinheiro, quer discutir com todo mundo, quer ser o macho
salvadorenho."
Bukele e Marçal também se colocam como
figuras inventivas, que têm ideias novas para a gestão pública –seja adotar
o bitcoin como
moeda oficial ou construir um teleférico como solução para o
problema da mobilidade na periferia.
Os dois se valem de um amplo
engajamento digital e surfam nos cortes, vídeos de curta
duração que viralizam nas redes. Ambos têm alta penetração entre os jovens e
ganharam espaço com a reprodução de memes favoráveis a eles.
Viralizam inclusive de forma semelhante, com
frequência dando respostas ríspidas a jornalistas ou adversários. Os vídeos são
cortados para fazer parecer que Bukele ou Marçal deram uma resposta que deixou
o interlocutor sem reação, desconstruindo com firmeza a crítica ou
questionamento feito a eles.
Com falas agressivas e sarcásticas, os dois
fazem da irreverência e da impulsividade sua marca. Em meio a acusações de
que minava a
democracia em El Salvador, por exemplo, Bukele atualizou sua
biografia no Twitter para "O ditador mais cool do mundo".
Ativando valores da masculinidade
tradicional, ambos também se vendem como homens de pulso firme, capazes de
tomar uma decisão e ir até o final. "É só me dar uma caneta Bic e um
mandato que eu resolvo. Por que não podemos fazer um [prédio] de mil metros?",
disse Marçal sobre críticas a uma de suas propostas de execução questionável.
No caso de Bukele, chamou a atenção que no
início do governo ele tenha ordenado pelo Twitter uma série de demissões,
viralizando a hashtag "SeLeOrdena" ("Você é obrigado a").
Ambos se assemelham até nas acusações de
vínculos com o crime organizado. Em setembro de 2020, o El Faro, principal
jornal investigativo da América Central, noticiou com base em informes de
inteligência penitenciária que Bukele havia feito um pacto com a MS-13, a maior
gangue do país, para reduzir o
número de homicídios em troca de benefícios e regalias.
Já Marçal tem sido questionado por supostos
vínculos de aliados com a facção PCC. A Folha revelou um
áudio no qual o presidente do PRTB, Leonardo Avalanche, afirma
ter ligação com o grupo criminoso.
Bukele começou a carreira política como
prefeito de uma pequena cidade próxima da capital. Sete anos depois, eleito
presidente, passou a ser acusado de violar
garantias constitucionais e sufocar o sistema de freios e
contrapesos. Se eleito prefeito da cidade mais populosa do país, Marçal terá em
mãos um trampolim ainda mais potente para suas aspirações presidenciais.
Excepcional análise, extremamente informativa e original. Parabéns à colunista, e ao blog por divulgar seu trabalho.
ResponderExcluirO partido salvadorenho "Arena, de direita", a Nova Política proposta por Bukele antes até da Nova Política de Bolsonaro em 2018, as ligações com milicianos e criminosos... As igualdades nestes países NÃO são coincidências!
''Arena'' de triste memória no Brasil,diga-se.
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