segunda-feira, 2 de setembro de 2024

André Gustavo Stumpf - Festival de besteiras

Correio Braziliense

As eleições municipais tendem a reduzir a reduzida capacidade de os políticos se preocuparem com o país. É mais importante produzir frases de efeito, atacar o oponente e ter o cuidado de não fixar nenhuma promessa na mente do eleitor

Coivara: substantivo feminino, quantidade de ramagens a que se põe fogo nas roçadas para desembaraçar o terreno e adubá-lo com as cinzas, facilitando a cultura; fogueira. Os melhores dicionários explicam o que é coivara. O hábito de limpar o terreno com fogo é muito antigo e tradicional no Brasil. Os índios faziam, e ainda fazem isso, nas suas áreas para afastar bichos e limpar o terreno. Os fazendeiros praticam. Além disso, há quem coloque fogo no mato para proteger a propriedade. É o fogo contra fogo, entre um e outro, constrói-se um acero — área capinada de três ou quatro metros de largura para impedir a progressão do incêndio. 

A seca é tradicional e regular no Centro-Oeste brasileiro. Ela também se manifesta com maior ou menor intensidade na Amazônia. No Nordeste, ela não é episódica. É um fenômeno mais longo e permanente. Enfim, o país é assolado por fenômenos naturais de diversos matizes, e o pessoal que estuda o meio ambiente deveria saber o que está ocorrendo nesses dias no enorme território brasileiro. Aliás, as queimadas não respeitam fronteiras, invadiram Bolívia e Peru, na América do Sul. E todos os anos abalam os alicerces da poderosa Califórnia e, vez por outra, assustam os portugueses. Queimada não é privilégio brasileiro.

É espantosa a quantidade de frases lançadas ao vento pelas autoridades brasileiras. Segundo elas, os incêndios verificados em São Paulo, nos dois Mato Grosso, na Amazônia foram consequências de incêndios ilegais, ou criminosos. É difícil imaginar que a oposição, ou grupos de criminosos, previamente instruídos, tenham sido distribuídos pelo território nacional com caixa de fósforos na mão para incendiar fazendas. Para queimar, inclusive, a produção que estava perto de ser colhida e proporcionar prejuízos colossais. É ridículo apontar o dedo para eventual criminalidade e esquecer a rigorosa seca que assola a maior parte do território nacional. O mato seco, com vento forte, oferece combustível ideal para o fogo se propagar. Em vez de prevenir, é mais fácil jogar a culpa em incendiários anônimos.

Os comentários públicos, sem qualquer reflexão anterior, estão colocando o presidente da República numa posição estranha. Ele está se transformando na própria crise. Lula não precisava fazer, de público, críticas à atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na liberação de novos remédios. Não sei se a crítica é, ou não, procedente. Sei que o presidente pode pegar o telefone e fazer a crítica pessoalmente. Sem dar publicidade ao fato. Pela falta de reflexão prévia, levou uma resposta desaforada e bem fundamentada. 

No caso da Venezuela, a situação está desagradável. Nicolás Maduro faz o que quer, mente, trapaceia, não cumpre acordos, e o presidente brasileiro segue falando em negociar. Insiste em nova eleição, tese repudiada por governo e oposição. Perdeu a credibilidade nos dois lados. Ainda foi chamado de lacaio do imperialismo ianque. Não precisava ouvir isso.

As críticas à Vale também foram além do razoável. A empresa seria, segundo ele, um cachorro sem dono, a quem ninguém dá comida ou água. A Vale vai muito bem, disputa com empresa australiana o título de maior mineradora do mundo, tem negócios em vários pontos do planeta. Administra a estrada de ferro Carajás, que exporta mais de 200 milhões de toneladas de minério de ferro/ano. As críticas presidenciais se originam do fato de que ele não conseguiu colocar seu protegido em posição relevante na empresa. Ele também não digere a privatização da Eletrobras. E faz profissão de fé a favor de empresas estatais que, historicamente, são ineficientes e deficitárias. Pretende ressuscitar a velha Telebras.

As eleições municipais tendem a reduzir a reduzida capacidade de os políticos se preocuparem com o país. Ninguém enxerga a próxima geração. Nesse momento, é mais importante produzir frases de efeito, atacar o oponente e ter o cuidado de não fixar nenhuma promessa na mente do eleitor.  O presidente precisa falar ao lado de seus candidatos na tentativa de sensibilizar o povo. As perspectivas eleitorais do PT nas grandes cidades não são favoráveis. É razoável que ele diga o que, supostamente, o eleitor quer ouvir. 

Ele afirma, por exemplo, que a Telebras poderá produzir inteligência artificial de melhor qualidade que empresas estrangeiras. Sonho. Não há técnica, investimento, conhecimento e know-how para conseguir o milagre de o Brasil liderar nesse complexo setor da inteligência artificial.  Chineses e norte-americanos estão numa corrida frenética para conseguir autonomia no setor. O Brasil, anos atrás, experimentou a reserva de mercado na informática com objetivo de desenvolver esse segmento no país. Conseguiu apenas aumentar o contrabando de computadores e equipamentos de informática produzidos no exterior.

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