O Globo
Seca prolongada favorece os incêndios. É
preciso remover do solo o que pudermos de material combustível
Grande parte do Brasil arde em chamas. Brasília amanhece
enfumaçada, suas claras manhãs ficam cinzentas. Na cantina da Câmara, em torno
de cestas de pão de queijo, deputados mal notaram as mudanças no céu do
Planalto Central. Falam do Supremo:
— O STF nos
sacaneou proibindo emendas Pix. Vamos sacaneá-los
também, acabar com isso de decisões monocráticas. Vamos criar uma lei que nos
permita dar a palavra final sobre o que decidem. Não é constitucional? Rui
Barbosa já foi contra um dia? Foda-se o Rui. Temos voto; isso é o que importa.
A fumaça vem de São Paulo, talvez Minas,
de Mato Grosso,
onde queimam ao mesmo tempo pedaços de três biomas: Cerrado, Pantanal e Amazônia.
O deputado mantém o pão de queijo entre os
dedos e diz em voz alta:
— Vamos cozinhar essas votações em banho-maria. Esse projeto na pauta, punição de devedor contumaz, faremos com ele o que fazem os devedores: empurrar com a barriga.
No Pantanal, a dor de ver os animais
carbonizados; em São Paulo, o prejuízo na agricultura; na Amazônia, a perda da
floresta. Mas a fumaça não consegue penetrar nos corredores do Congresso.
Talvez se insinue através do ar-condicionado, e alguém se lembre de fazer algo:
aumentar a pena para incendiários, quem sabe? Mas é tão pouco para um país que
já perdeu 30% da vegetação ao longo dos anos, que vive uma seca histórica em 15
estados.
Os jornais mostram o que outros países fazem.
A Califórnia investiu US$ 1,2 bilhão para se equipar. Um pouco mais do que
vamos gastar com as eleições municipais. A África do Sul contrata
milhares de desempregados para transformá-los em brigadistas. Com os
supersalários da burocracia, poderíamos contratar 600 mil. Portugal criou uma
agência específica para tratar do problema.
O mais importante é estabelecermos conexões
entre os fatos, tirarmos consequências das previsões meteorológicas. A seca
prolongada favorece os incêndios. É preciso remover do solo o que pudermos de
material combustível — inclusive, se for o caso, fazendo pequenos incêndios
controlados.
A experiência alheia serve apenas como
referência. Cada país deve ter o plano de acordo com suas singularidades. Mas
ele precisa existir com ajuda da tecnologia, com recrutamento de trabalhadores
e também com envolvimento da sociedade.
Jamais me esqueci de um motorista de ônibus
em Israel que conduzia um grupo de visitantes brasileiros. Ele viu um pequeno
foco de incêndio na estrada, parou o ônibus e foi debelar o fogo.
Um dos perigos deste momento de grandes
incêndios é tomá-los como algo ocasional, que não acontecerá com frequência. Os
efeitos do aquecimento global já chegaram. Além do relativo silêncio no
Congresso, as campanhas eleitorais deste ano deixam passar a oportunidade de um
grande debate sobre um tema cada vez mais presente, cada vez mais negado, não
tanto ostensivamente pelos adeptos da Terra plana, mas principalmente pela
indiferença cotidiana.
Continuamos perdendo as matas na Amazônia, os
bichos do Pantanal, a vegetação do Cerrado e mantendo, a duras penas, o que
restou da Mata Atlântica. É uma história de autodestruição.
Parece uma montanha intransponível fortalecer
no país uma cultura preventiva. Mas os argumentos são esmagadores. Só em São
Paulo, o governo estadual estimou em R$ 1 bilhão as perdas com o fogo. Se
somarmos aos prejuízos na Amazônia e no Pantanal e acrescentarmos o que o Rio
Grande Sul perdeu com as enchentes, vamos ultrapassar os R$ 10 bilhões. O mesmo
dinheiro gasto efetivamente poderia atenuar prejuízos com eventos extremos por
alguns anos.
É preciso que alguém coordene esse esforço e
mobilize, além das estruturas de governo, a própria sociedade. Não afirmo que
nada está sendo feito, embora as determinacões do ministro Flávio Dino indiquem
que é preciso mais intensidade no combate ao fogo. A verdade é que, quando se
chega ao combate ao fogo, algumas batalhas anteriores, as preventivas, já foram
perdidas.
Tão pondo fogo no planeta...Já cantava o Grupo Dominó nos anos oitenta.
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