quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Assis Moreira - Impacto da geopolítica na parceria Brasil-Índia

Valor Econômico

Brasil e Índia têm atuações convergentes em várias frentes

No admirável mundo novo da geopolítica de hoje, os negócios entre o Brasil e a Índia poderão ter um impulso, na expectativa em Brasília e Nova Deli.

Em recente palestra na Fundação Dom Cabral, o embaixador brasileiro na Índia, Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega, destacou como fatores geopolíticos influenciam as decisões econômico-comerciais indianas. Ou seja, inserir oportunidade concreta de negócios no atual contexto global é um desafio para qualquer relação de comércio e investimento “e com a Índia isso é indispensável, repito, indispensável”.

Além da eficiência econômica, “confiança” e “diversificação de parcerias” tornaram-se critérios essenciais para estreitar laços de negócios com o país mais populoso e quinta maior economia do mundo. Para Nova Deli, a parceria com o Brasil pode não ser crucial, mas é importante para diversificação com um dos maiores produtores de commodities e fora do complexo ambiente geopolítico asiático.

Brasil e Índia têm atuações convergentes pela reforma das estruturas de governança global, nas Nações Unidas; na busca de garantir para os países em desenvolvimento espaço regulatório para definir suas políticas públicas nos campos econômico e tecnológico; de fazer valer as flexibilidades do sistema de proteção de propriedade intelectual; reafirmar direito dos países emergentes nos foros ambientais, frente ao G7.

Essas convergências se refletem na participação comum em vários grupos e esquemas de coordenação diplomática, a começar pelo Brics. E ambos também sempre resistiram à ideia de serem meros “rule takers”, cumpridores passivos de regras criadas e impostas por outros países.

As relações comerciais bilterais ainda são modestas. Atingiram US$ 15,2 bilhões em 2022, mas declinaram para US$ 11 bilhões no ano passado com a queda dos preços internacionais de commodities, que pesam forte na balança bilateral.

Mas os relatos são de que há coisas acontecendo cada vez mais no plano bilateral, refletindo maior relevância geopolítica da relação. Em um ano, 36 missões brasileiras visitaram a Índia, e mais 12 estão programadas. No mesmo período, mais de 20 missões indianas foram ao Brasil. A parceria “confiável e segura” pode acelerar em áreas como agricultura, defesa e energia.

O agronegócio brasileiro nunca entrará na Índia como entra na China. Isso ocorrerá com comércio fortemente administrado, para suprir a demanda de pelo menos alguns produtos. Mas ter acesso mesmo a certos nichos num país com 1,4 bilhão de pessoas não é desprezível. No momento, os indianos parecem ansiosos para concluir um acordo de garantia intergovernamental de fornecimento de feijão. Exportadores brasileiros estão ressabiados, porque há três anos a Índia abriu uma janela de importação, os brasileiros se mobilizaram para atender a demanda e, com as cargas no mar, foram surpreendidos quando Nova Deli fechou repentinamente o mercado e ficaram com o prejuízo. Agora, será necessário garantia de acesso por alguns anos, pelo menos.

No agro, há oportunidades em tecnologia de genética, alimentação de gado, investimentos em logística, armazenamento e processamento de alimentos nos dois lados.

O segundo setor de mais potencial é a defesa. Imperativos econômicos e geopolíticos que condicionam a realidade do país na defesa e segurança levam Nova Deli a buscar novos fornecedores e ao mesmo tempo novos clientes. É grande produtor, mas é também hoje o maior importador de produtos de defesa no mundo. E a Embraer busca se credenciar para vender o avião cargueiro KC-390 e ampliar a frota local de ERJ-145 que fornece plataforma para os indianos instalarem radar.

A demanda indiana por energia cresce na medida da aceleração economica do país. Hoje, óleo bruto de petróleo representa 25% do que o Brasil exporta para o mercado indiano. A experiência brasileira com biocombustíveis poderia qualificar o Brasil como parceiro relevante para a transição energética indiana, na expectativa nos meios do governo.

Na área de investimentos, uma política agressiva de internacionalização leva mais empresas indianas rumo ao Brasil. O estoque de investimentos diretos indianos no Brasil alcança US$ 6,7 bilhões, comparado a US$ 400 milhões do Brasil na Índia.

Nos últimos meses, houve vários anúncios de novos investimentos. Do lado indiano, a Tata Consultancy Services (TCS) anunciou a duplicação do seu delivery center em Londrina, com previsão de criação de 1.600 postos de trabalho, somando-se ao atual 1.700. A Mahindra vai ampliar fábrica de tratores no Rio Grande do Sul; e a Hero Motocorp vai investir em fábrica de motocicletas na Zona Franca de Manaus.

Do lado brasileiro, a Packem fez investimento greenfield de US$ 30 milhões, para construção de planta de “big bags” em Gujarat, em joint venture com empresa indiana; a WEG, maior investidora brasileira na Índia, vai expandir sua unidade de fabricação de turbinas eólicas em Tamil Nadu, e fez aquisições para expandir sua capacidade produtiva no país; a Tramontina inaugurou oficialmente sua marca n Índia neste ano e planeja iniciar fabricação local de produtos customizados para o mercado indiano. Também destacam-se o início de operações de unidades produtivas da indiana Bajaj Auto (Zona Franca de Manaus), e das brasileiras CBC (Andhra Pradesh) e Taurus (Haryana).

O cenário internacional reforça a vontade política nos dois lados para ampliar negócios. Se haverá um boom, e isso se sustenta, é algo a ver.

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