Valor Econômico
Sobram labaredas e falta entendimento sobre a
mitigação dos efeitos do aquecimento global
O ar está irrespirável e as campanhas
eleitorais seguem ignorando a mitigação da poluição. São Paulo, pior ar do
mundo, já é apresentado às mágicas de El Salvador contra a violência sem que se
discutam propostas de arborização ou a instituição de uma taxa para a
circulação de veículos pelo centro para financiar a mitigação dos efeitos do
aquecimento global.
Se há condescendência nas campanhas, sobra rigor quando o poder público corre atrás do prejuízo. É o caso, por exemplo, das cobranças sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal contra os incêndios. A implementação de políticas públicas não é função do STF, mas o ministro Flávio Dino agiu mediante provocação (Rede, PT, Psol). O regimento da Corte atribui ao relator do acórdão vencedor a prerrogativa de assegurar seu cumprimento. A reação engloba agronegócio, Congresso e os ministérios convocados às audiências com Dino.
Desde esta terça, porém, mudou o clima das
audiências promovidas pelo ministro para agilizar as medidas contra os
incêndios. O estarrecimento com a invasão de prerrogativas dos ministros cedeu
às evidências de que Dino ocupou um vácuo na coordenação das ações
emergenciais. Também cederam às evidências de que o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, assim como o fez com as emendas, aprova o protagonismo de Dino sobre
uma Amazônia desgovernada pelo atraso.
Se Lula avaliza o acúmulo de prerrogativas de
Dino, parece confortável em despir-se das suas. Em entrevista à TV Norte nesta
quarta, disse correr o “boato”, em Brasília, de que o governador de Roraima,
Antonio Denarium, “teria vinculação com essa gente do garimpo”.
Agropecuarista, Denarium (nome adotado por
significar moeda em latim) está com seu mandato por um fio no Tribunal Superior
Eleitoral por abuso de poder econômico. Antes de espalhar o boato, Lula não
acionou a Polícia Federal, o ministro da Justiça ou o advogado-geral da União.
Age no atropelo de um governo premido a
cumprir compromissos assumidos aqui e alhures sem força para assegurá-los no
Congresso. Corre o risco de ter seu discurso na Assembleia Geral das Nações
Unidas emoldurado pelas chamas do Pantanal e pela fuligem que sufoca a vida nas
cidades.
Antes de apontar o dedo para os países mais
ricos na COP30, que acontecerá em 2025, em Belém, terá que mostrar sua lição de
casa. É um boletim que comporta aplausos e vaias. O desmatamento, em 2023, caiu
62% na Amazônia e cresceu 68% no Cerrado. É nesta região que se espraia o
desmatamento legal, abrigado por um Código Florestal permissivo e em conflito
com metas de Lula na campanha, na COP27 e na posse.
O objetivo é zerar o desmatamento em 2030.
Para isso, o Brasil tem que estabelecer uma meta de corte de emissões para o
período 2030-35 a ser entregue às Nações Unidas no fim do ano. A definição
desta meta deixou o agronegócio em ponto de fervura.
Na semana passada, interlocutores do setor
que mais dialogam com as autoridades ambientais do país tinham uma reunião com
a secretária nacional de mudanças do clima, Ana Toni. Como foi chamada ao
Palácio do Planalto, a secretária teve que desmarcar a reunião.
Estavam em curso, no Planalto, as tratativas
para a nomeação da Autoridade Climática, cargo destinado a alinhar as políticas
públicas de todo governo, promessa de campanha à qual o Congresso reagiu. As
explicações não acalmaram o setor. Abespinhados, os interlocutores divulgaram
uma carta em que despejaram todas as queixas.
Duas delas têm a anuência de ambientalistas e
até da própria secretária. Trata-se do inventário dos gases de efeito estufa,
que ainda não contabiliza as práticas sustentáveis da agropecuária, e da
confecção de cenários para a descarbonização, cuja metodologia, desenvolvida
pela UFRJ, é considerada pouco clara.
É a terceira queixa que ainda arde na
fogueira das divergências. Para ser convencido a não usufruir da liberalidade
do Código Florestal e desmatar legalmente, o agronegócio quer ser compensado. O
governo quer se valer de mecanismos como o mercado de crédito de carbono ou o
Pagamento de Serviços Ambientais para a compensação. O setor prefere o
Orçamento.
Na segunda-feira, sete ambientalistas de
entidades como o Observatório do Clima, Instituto Socioambiental e Greenpeace,
subscreveram um artigo na “Folha de S.Paulo” que contesta a carta: “Longe de
ser uma pobre vítima da crise do clima, o agronegócio brasileiro é responsável
por 75% das emissões de gases de efeito estufa do sexto maior emissor de
carbono do mundo.”
No fim da tarde desta terça-feira, Ana Toni
reuniu-se com representantes deste grupo, como Marcello Brito, coordenador do
Centro Global Agroambiental da Fundação Dom Cabral, e apararam as arestas, o
que não significa que se tenha chegado a um acordo.
O agronegócio tem acumulado prejuízos
gigantescos com os incêndios, mas também se opõe ao endurecimento penal para as
queimadas. Olha atravessado, inclusive, para as audiências públicas promovidas
por Dino no STF. Seus interlocutores mais esclarecidos querem medidas, como a
compensação no Orçamento, para segurar os setores que movem a poderosa Frente
Parlamentar da Agropecuária. Um caminho para destravar um acordo poderia surgir
se o poder desta frente se movesse para deslocar emendas para essa compensação.
Ótima coluna.
ResponderExcluirNo Brasil, esse papo de " patriotas ", " defensores do povo " e afins muitas vezes não passa de conversa pra boi dormir. Lucros são privados; prejuízos, socializados.
Leio que a ação do PT/Rede foi encaminhada no governo anterior, mas, por ironia do destino, suas consequências também recaem no atual.
Enquanto isso, os menos organizados ou que não possuem qualquer tipo de influência sobre as ações do Estado pagam a conta.
😏😏😏
O STF tem que agir quando o Executivo se omite ou age lentamente. Seja no DESgoverno Bolsonaro, seja no governo Lula, que na metade do seu mandato ainda não implantou muitas promessas de 2 anos atrás.
ResponderExcluirExcelente análise! “Longe de ser uma pobre vítima da crise do clima, o agronegócio brasileiro é responsável por 75% das emissões de gases de efeito estufa do sexto maior emissor de carbono do mundo.”
ResponderExcluirAproveitando o "Código florestal PERMISSIVO" que ajudaram a impor, os representantes do agronegócio continuam a fazer o que fizeram por décadas: expandem a agropecuária através de desmatamentos legais e criminosos, destroem as vegetações ciliares que protegiam os rios e queimam as outras vegetações nativas para implantar pastagens cultivadas.
Lendo e tentando entender.
ResponderExcluir