sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Bernardo Mello Franco - Jogo bruto na Câmara

O Globo

Arthur Lira puxou o tapete do aliado mais próximo. O chefão da Câmara havia prometido apoiar Elmar Nascimento em sua sucessão. Na terça-feira, rifou o amigo e fechou com Hugo Motta.

A traição muda a ordem de largada na corrida pela presidência da Câmara. Sem o padrinho poderoso, Nascimento perdeu a primeira posição. Motta, que nem figurava no grid, agora desponta na pole.

Como faltam cinco meses para a eleição, ainda há tempo para novas surpresas. Mas a reviravolta desta semana já permite algumas conclusões: o Centrão não é tão unido quanto gostaria; a palavra de Lira está longe de valer o que ele diz; esquerda e direita significam cada vez menos no jogo bruto da Câmara.

O Centrão buscava um consenso entre três candidatos: Nascimento, do União Brasil; Antonio Brito, do PSD; e Marcos Pereira, do Republicanos. O primeiro era apontado como o escolhido de Lira. O segundo, como o preferido do governo. Bispo da Igreja Universal, Pereira tentava se viabilizar como tertius. Não conseguiu, mas complicou os rivais ao abdicar em nome de Motta, seu colega de partido.

Incentivado por Lira, Nascimento havia investido alto na campanha. No réveillon, levou 20 deputados para uma ilha na Bahia. No carnaval, arrastou outros 80 para um camarote em Salvador. Em julho, promoveu uma megafesta de aniversário em Brasília. Ao menos uma das bocas-livres foi patrocinada pelo empresário Carlos Suarez, conhecido como “rei do gás”.

Nascimento se considerava credor de Lira. Em 2021, o alagoano só passou a liderar a disputa na Câmara quando ele rompeu com Rodrigo Maia para apoiá-lo. Agora quem já foi apontado como traidor experimenta a condição de traído.

A rasteira põe em xeque a reputação que Lira buscou construir para si mesmo. Antes de se sentar na cadeira, ele escreveu que “o presidente da Câmara precisa ser um político de palavra, que cumpra a palavra dada, que respeite a palavra empenhada”. Pelo visto, a regra comportava exceções.

Alçado a favorito na eleição de fevereiro, Motta se projetou como pupilo de Eduardo Cunha. Na quarta, passou por um beija-mão com Lula e Bolsonaro e disse a aliados que será apoiado por PT e PL. Se a previsão se confirmar, alguém ainda vai se sentir enganado.

 

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