domingo, 22 de setembro de 2024

Celso Rocha de Barros – Ricardo Nunes virou Zambelli

Folha de S. Paulo

Deixar golpistas fora do segundo turno em São Paulo seria uma enorme vitória para a democracia

Ricardo Nunes foi um prefeito ruim demais para se reeleger sem o voto de fanáticos que não se importam com a realidade. Sabendo disso, o prefeito de São Paulo foi atrás do apoio de Jair Bolsonaro para a eleição deste ano.

Jair inclusive indicou o candidato a vice de Nunes, Ricardo Mello Araújo, que Bolsonaro vê como uma coleira puxada por ele e amarrada no pescoço de Nunes.

Até aí, um defensor de Nunes poderia dizer: bom, ainda não prenderam Bolsonaro. Enquanto não prenderem, ele ainda tem o direito constitucional de participar da vida política. Nunes é um candidato de direita, Bolsonaro ainda tem muitos votos na direita, a aliança é natural. Se Nunes fosse um prefeito competente e popular, talvez conseguisse atrair os eleitores de direita sem concessões ao golpismo. Mas Nunes não é nada disso.

Esse papo colou até que Bolsonaro traiu Nunes. Durante algumas semanas, o bolsonarismo esteve inteiro —embora nunca oficialmente— com Pablo Marçal, que crescia rapidamente nas pesquisas. Marçal de fato tinha mais dos defeitos que atraem o eleitorado bolsonarista.

Enquanto Marçal crescia, era estrategicamente compreensível —mas nunca perdoável— que Nunes se esforçasse para segurar os bolsonaristas do seu lado. Afinal, sem o apoio dos golpistas, corria risco real de não ir para o segundo turno.

Mas as pesquisas viraram. Marçal parece ter atingido, além da cadeira do Datena, seu teto. A máquina municipal começou a dar votos a Nunes, que parece bem posicionado para enfrentar Boulos no segundo turno. Nunes não deve nada desse crescimento a Bolsonaro: cresceu apesar do entusiasmo bolsonarista por Pablo Marçal.

Seria a chance de Nunes se distanciar dos golpistas, certo? Deixá-los fora do segundo turno em São Paulo seria uma enorme vitória para a democracia.

Mas não.

Já depois de ter descoberto que não precisa de Bolsonaro para vencer, Nunes deu uma entrevista para o marginal Paulo Figueiredo, cuja participação na tentativa de golpe de 2022/23 é bem documentada pela polícia. Figueiredo leu na rádio Jovem Pan o manifesto golpista de oficiais da ativa. Também usou a rádio para "denunciar" generais que não aderiam ao golpe, a quem atribuía os piores motivos possíveis.

Na entrevista, Nunes admitiu a possibilidade de impeachment de Alexandre de Moraes e disse que se arrependeu de ter defendido a obrigatoriedade da vacina durante a pandemia. Antes disso, já havia dito que o 8 de janeiro não havia sido um golpe. Ao final da conversa, o atual prefeito de São Paulo já estava a uma peruca ruiva de virar Carla Zambelli.

É por isso que os bolsonaristas te desprezam, Nunes. Porque sabem que você vai se render mesmo quando estiver vencendo.

Para Guilherme Boulos ficar tão distante do centro quanto o Ricardo Nunes de 2024, o Movimento dos Sem-Teto já teria que ter pelo menos tentado explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal, como fez o bolsonarismo em 2022.

Mas a turma de sempre vai votar em Nunes contra Boulos. Vão votar no extremista e continuar distribuindo uns para os outros carteirinhas de centrista, diplomas de moderado e certificados de voz da razão, tudo depois de meses fingindo que não viam Tabata Amaral ali no canto defendendo as propostas que eles mentem que apoiam.

 

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