terça-feira, 3 de setembro de 2024

Eliane Cantanhêde - Deboche de um lado, teimosia do outro

O Estado de S. Paulo

Com excessos, STF contribui para confundir o que é patriotismo, democracia e liberdade de expressão

Ao apoiarem por unanimidade a suspensão do X (ex-Twitter), os cinco ministros da Primeira Turma do STF rechaçaram energicamente o descumprimento de decisões judiciais por Elon Musk, mas... houve ressalvas às decisões do relator Alexandre de Moraes e sinais favoráveis a negociações tanto com X quanto com a Starlink, outra empresa do grupo, buscando saídas para o impasse.

Assim, o julgamento reforçou a união do Supremo contra ataques externos, mas deixou no ar o incômodo de parte dos ministros com a teimosia de Moraes, que, segundo um colega, “não gosta de ser controlado, mas quer controlar todo mundo” e tem imensa dificuldade para recuar, mesmo quando extrapola e enfraquece a imagem do STF.

Se o julgamento fosse no plenário, não na primeira turma, haveria unanimidade? Há quem acredite que não. Assim, Musk é indefensável e usa seu poder, suas empresas e seus bilhões de dólares com objetivo ideológico evidente, mas está provocando, por linhas tortas, uma reflexão e um freio de arrumação na Corte.

O caldo ameaça entornar quando cidadãos comuns encampam o discurso que embola conceitos de democracia e liberdade de expressão para esconder que o Supremo foi a linha de frente da resistência a um golpe de Estado e acusá-lo do contrário: de ameaçar o estado democrático de direito. Aliás, o “patriotismo” bolsonarista só servia para invadir e vandalizar as sedes dos três Poderes e pedir golpe? E evapora diante de um bilionário estrangeiro que debocha da Justiça e do Brasil?

Sim, é preciso conter Musk e as ameaças bolsonaristas, mas Moraes não é dono da verdade, o Supremo não é uma bolha e toma rumos que confundem e constrangem: apoio épico à Lava Jato, reviravolta que levou à estaca zero condenações de Lula, políticos e grandes empresários, desmonte de acordos de leniência e multas, por exemplo, de JBS e ex-Odebrecht. Sem falar em dúvidas sobre decisões de Executivo e Legislativo.

Esse acúmulo atiça grupos que se escondem por trás de Deus, pátria, família, liberdade de imprensa e democracia para atacar justamente a democracia e chega a um momento crítico, quando um estrangeiro confronta a Justiça e a soberania do Brasil. Em vez de se levantar contra o abuso, o País se divide e amplos setores usam o episódio para questionar o Supremo e transformar Moraes, de defensor da democracia, em “ditador”.

Logo, o freio de arrumação é necessário. Partir para cima de Musk e do X, sim. Jogar a Starlink, a VPN e os 20 a 21 milhões de usuários do X na mesma fogueira, não. O Supremo foi e é fundamental para a nossa democracia, não pode deixar de ser supremo.

 

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