quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Fernando Exman - Na ONU, Lula aplica ‘vacina’ e também vai para o ataque

Valor Econômico

Presidente teve que se explicar sobre as queimadas, algo que também está com dificuldades de fazer internamente

Foi em tom de consternação que um experiente servidor relatou o teor das imagens que circulavam entre autoridades, enquanto ocorria neste mês a reunião do Grupo de Trabalho da Agricultura do G20.

Grupo das 20 maiores economias do mundo, o G20 é presidido temporariamente pelo Brasil. Tem sido usado como plataforma para a defesa de algumas bandeiras caras à gestão Lula no cenário internacional, inclusive dentro da Organização das Nações Unidas (ONU), como o desenvolvimento sustentável, o combate à fome e mudanças na governança global.

Mas o arquivo mostrava a situação da rodovia que conecta o aeroporto da capital do Estado do Mato Grosso ao resort localizado na Chapada dos Guimarães, onde se reuniam as delegações que integram o GT. Cercada de fogo e ofuscada pela fumaça, a estrada não era nem de longe o cenário que o governo brasileiro pretendia apresentar aos convidados estrangeiros que iriam discutir, entre outros temas, agricultura sustentável e adaptação às mudanças climáticas.

“Parecia uma cena de ‘Mad Max’”, disse esse interlocutor, citando a consagrada franquia de ficção científica baseada em um futuro pós-apocalíptico.

Cerca de dez dias depois, o constrangimento permanece. Tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou nessa terça-feira (24) para a abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas tendo que se explicar sobre as queimadas, algo que também está com dificuldades de fazer internamente.

Segundo uma recente pesquisa do Ipec, o meio ambiente foi exatamente o setor da administração federal com pior desempenho entre os entrevistados. Consideraram a gestão Lula no meio ambiente ruim ou péssima 44% das pessoas ouvidas na sondagem, ante 27% que a avaliaram ótima ou boa. Em abril, 33% dos entrevistados consideravam o desempenho do Executivo no segmento ruim ou péssimo.

É verdade que já se fala abertamente na Esplanada dos Ministérios que, embora tenha se planejado para enfrentar a crise provocada pela seca, o governo implementou estratégias que não deram conta dos incêndios que destruíram 5 milhões de hectares apenas em agosto. Porém, não há consenso no Executivo quanto a essa estratégia de comunicação. No Palácio do Planalto, existe ainda quem rejeite assinar o “termo de confissão”.

Nesse contexto, Lula aproveitou o aguardado discurso para a abertura da Assembleia-Geral para tentar “aplicar algumas vacinas” e reduzir os danos de imagem. “O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”, disse ele, depois de pontuar que o planeta está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro a países pobres que não chega. “Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030”, acrescentou.

Quando passou a falar da reforma das instituições multilaterais, contudo, o presidente saiu da defensiva e partiu para o ataque.

Nos bastidores, o Itamaraty já havia adotado uma estratégia considerada internamente arrojada de levar a discussão da reforma da governança global para uma reunião de chanceleres do G20 marcada para ocorrer dentro da sede da ONU e à margem da Assembleia-Geral. Uma vitória, dentro dos limites que a prática tradicional da diplomacia impõe aos operadores das relações exteriores.

Em público, Lula também avançou. O presidente apresentou um plano objetivo de reforma da ONU que vai além da antiga demanda brasileira de ampliação do Conselho de Segurança. Ele citou, por exemplo, a transformação do Conselho Econômico e Social no principal foro para o tratamento do desenvolvimento sustentável e do combate à mudança climática. Segundo ele, o órgão deve ter “capacidade real de inspirar as instituições financeiras”.

Em paralelo, defendeu a revitalização do papel da Assembleia-Geral, inclusive em temas de paz e segurança internacionais, e o fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz. Já em relação à reforma do Conselho de Segurança, a ideia é focar em mudanças nos métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas, mas também na sua composição.

Nessa última frente, Lula evocou o colonialismo para atacar a ausência de países da América Latina e da África com assentos permanentes no colegiado. Foi uma sinalização para o eleitorado que busca para levar a ideia adiante, estratégia que também prevê articulações nas reuniões dos grupos de países dos quais o Brasil faz parte.

Em um deles, aliás, há uma potencial armadilha no caminho de Lula: acredita-se que a Rússia pode tentar avançar em uma proposta para incluir a Venezuela no Brics, já que o presidente Javier Milei anunciou que a Argentina não irá aderir ao bloco. Seria uma nova expansão de um grupo que já passou a abrigar Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes, com novo potencial embaraço para o Brasil.

Ao não se opor à ideia, Lula acabaria por legitimar a contestada reeleição de Nicolás Maduro, a qual ainda não reconheceu e sequer citou em seu discurso na ONU. Porém, esse tema pode estar presente na cúpula do Brics de Kazan, em outubro na Rússia, rondar conversas paralelas durante a cúpula do G20 no Rio de Janeiro em novembro e ainda virar um problema maior em 2025, justamente durante a presidência temporária do Brasil no bloco.

 

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