O Globo
Não existe perigo de o planeta acabar, mas
sim de a vida humana tornar-se inviável nele
Começou o outono em Nova York.
Estive concentrado na cidade porque os líderes mundiais falariam na ONU.
E também porque minha filha Maya estava por lá. O que tem a ver uma coisa com a
outra? O trânsito. Ela precisava se deslocar entre um e outro evento sobre
defesa do oceano e fez uma curta viagem à Califórnia. Sofreu com as longas
viagens de táxi.
Os discursos na ONU se sucediam indiferentes
aos pequenos transtornos urbanos. Imagino aquele prédio como um imenso
transatlântico com seus oradores navegando num mar tempestuoso, repleto de
icebergs.
Ouço uma voz em português de nosso presidente
advertindo para a catástrofe climática. Soa sensato, mas, a 8 mil quilômetros
de distância, o que sentimos ainda é o calor do fogo, o cheiro de fumaça.
Estamos destruindo o planeta com regularidade, sem discriminação.
O outono começa por lá. Por aqui o inverno acabou. Ainda restam algumas folhas de amendoeira não recolhidas na Rua Almirante Saddock de Sá.
O amigo Py, psicanalista, me envia uma rápida
fala sobre o setembro amarelo. É o mês da prevenção ao suicídio. Ele alerta
sobre o suicídio lento do consumo exagerado de tabaco e álcool. E me pergunta
se a agressão ao meio ambiente não é um tipo de suicídio coletivo.
De certa forma, sim, amigo. Não há perigo de
o planeta acabar, mas sim de a vida humana tornar-se inviável nele. No entanto
não é esse o suicídio que Albert Camus chama de maior problema filosófico em
seu célebre “O mito de Sísifo”. Para ele, a questão estava na consciência da
falta do sentido da vida e em como responder a essa situação absurda. Atribuir
um sentido ou abandonar o mundo.
A destruição ambiental não é uma escolha
consciente. Na verdade, é resultado do gozo desenfreado da vida, por meio da
produção e do intenso consumo. As pessoas não dizem “adeus, vida cruel!”. Pelo
contrário, celebram e querem fruir cada vez mais.
No setembro por aqui, é a primavera que
começa. Ainda há folhas secas na Rua Saddock de Sá, que esteve coberta com um
colorido tapete de folhas de amendoeira.
Talvez um dado novo em nossa prevenção do
suicídio seria observar o avanço das empresas de aposta. Os brasileiros jogam
mais de R$ 200 bilhões. Fala-se que há 13 milhões de inadimplentes. Isso é um
risco para a estrutura das famílias, para a saúde mental.
As empresas de aposta patrocinam muita coisa,
clubes e imprensa. O governo espera recolher imposto para obras sociais. Mas
precisamos fiscalizar e definir campanhas educativas. Caso contrário,
deixaremos passar em branco o setembro amarelo.
Num artigo que escrevi sobre os discursos da
ONU, mencionei também as guerras. Não apenas na Ucrânia ou
em Gaza.
Agora se alastram pelo Líbano, já existem em
lugares que ignoramos, como o Iêmen, a República
Democrática do Congo.
Esse foi um dos temas no transatlântico dos
grandes discursos, dos grandes pianistas. A semana acabou com mais notícias de
guerra. Os líderes voltaram para casa, minha filha voou para a Europa. Restou
setembro com seus tons de amarelo. Não faço mais discursos, limito-me a
interpretá-los por dever de ofício. A esta altura, sem menosprezar a retórica,
prefiro alguma ações concretas: elas andam em falta.
Neste setembro, peço desculpas não só a
Camus, como aos existencialistas com suas teses sobre o absurdo da vida, a
necessidade de cravar as unhas no abismo e de encontrar um sentido para ela.
Tive a sorte de viver muitos anos, acabei me
acostumando, sem grandes inquietações. Reduzi expectativas. Felicidade para mim
é apenas um pedaço da Lagoa onde sopra uma brisa: este ligeiro excesso de
oxigênio me inebria. E, com perdão dos grandes mestres orientais, meditar para
mim é boiar de costas e deixar que os pensamentos flutuem e se tornem tão leves
como o corpo.
Por isso, meu amigo Py, não sei se meu
argumento é uma blasfêmia no coração do setembro amarelo. Penso nas grandes
turbulências aéreas: colocar a máscara de oxigênio e, então, ajudar os outros.
Dito isso, continuaremos tentando prevenir suicídios, inclusive o da
Humanidade.
Falou Gabeira!
ResponderExcluirDo sábio Gabeira: "Não faço mais discursos, limito-me a interpretá-los por dever de ofício. A esta altura, sem menosprezar a retórica, prefiro algumas ações concretas: elas andam em falta"!
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