O Globo
É preciso diferenciar a politização fácil das
redes de discursos realmente conectados com a realidade
Com quase 20 milhões de pessoas, as favelas
representam uma fatia importante a ser disputada pelos candidatos no próximo
pleito. O futuro está nas mãos dessas populações, mais lembradas em tempos de
eleição. Como dizia um professor meu:
— Favelado fica mais importante em época de
eleição.
O favelado enfrenta dificuldade para
participar da política. Há uma visão equivocada de que todos votamos nos mesmos
candidatos.
A política tem sido a maior invenção de
transformação social. Quando se participa dela, descobrem-se os caminhos dos
espaços de poder e decisão. Com o advento das redes sociais, os excluídos, por
um lado, ganharam voz, mas, por outro, viraram presas fáceis para todo tipo de
aproveitador.
Os debates e apresentações são cada vez mais teatrais, buscando a espetacularização ou até ridicularização da política. Não há espaço para propostas sérias. Tudo parece girar em torno de curtidas que se convertem em votos.
Dentre esses novos protagonistas políticos,
dois tipos me chamam a atenção. O primeiro são os indivíduos não governamentais
(INGs). Eles não têm trabalho social algum, mas agem como se tivessem um CNPJ,
falando em nome de causas e pessoas com as quais não têm ligação alguma. Vivem
de postar fotos em eventos e congressos, arrotando um monte de regras.
Nestes mais de 30 anos, acompanho a
metamorfose de grande parte do movimento social e como esses INGs se escondem
por trás de uma cortina chamada “sociedade civil organizada”. Geralmente, estão
em muitos lugares ao mesmo tempo, já que não fazem parte de uma organização
coletiva, mas têm grandes financiamentos dentro e fora do país. Seguem as
próprias agendas, sem obrigação de prestar contas a ninguém, pois representam
uma coletividade no individual, mas, na prática, não têm quem lhes cobre
resultados.
O outro fenômeno que as redes sociais
trouxeram são os “fora da política”, ou, como dizem, outsiders. Afirmam ser
contra o sistema, mesmo sendo financiados e apoiados por ele. Querem destruir
tudo, mas, na verdade, só desejam a chave do cofre e ditar as regras. Quem tem
força, dinheiro e articulação tende a garantir seu lugar ao sol, o que retarda
a renovação do quadro político brasileiro e acaba por eleger aqueles que já
estão no poder.
Ter uma visão crítica e capacidade de
discernimento passa por estar conectado diariamente com a realidade social, sem
negar suas contradições, avaliando onde estão os interesses da maioria. Num
ambiente polarizado, é necessário, mais do que nunca, ter uma visão aguçada
para diferenciar a politização fácil das redes de discursos realmente
conectados com a realidade.
Organização, articulação e conhecimento têm
sido os caminhos que vejo para ressignificar o fazer político. Diante de tantas
alianças que se fazem e se rompem, de tantos personagens que trocam de partido
como trocam de roupa e de cenários que mudam o tempo todo, é fundamental saber
escolher gente que está no cotidiano das necessidades, convivendo com a vida
real e próxima das demandas em dias não eleitorais.
Na favela, as pessoas começam a perceber que
os bons políticos são aqueles que servem a suas dores e buscas. E, assim,
vai-se descobrindo que a política se faz no dia a dia. Quem ainda acredita que
o povo é gado (de todas as cores) descobrirá, quando as urnas se abrirem, que
curtidas não significam votos.
Verdade.
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