terça-feira, 10 de setembro de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - A direita tem dono?

Folha de S. Paulo

Marçal não é mero 'voto de protesto', como Tiririca foi no passado

Narcísico, megalomaníaco, soberbo e lacrador foram alguns dos xingamentos usados por Silas Malafaia para se referir a Pablo Marçal depois do protesto de 7 de Setembro na Paulista. O motivo do protesto era, em tese, a liberdade de expressão, mas o que se viu na avenida foi mais um ato político do bolsonarismo.

O curioso é que o público do bolsonarismo parece estar ficando menos… bolsonarista. E não é que tenha aberto mão dos valores que movem o movimento. Só mostra disposição de se descolar da liderança de Bolsonaro para votar em outros que melhor os incorporem. Grande parte deles pretende votar, não no candidato apoiado por Bolsonaro, Ricardo Nunes, e sim em Pablo Marçal.

Muito se pode criticar a direita brasileira, mas uma coisa ela tem mostrado: é mais fiel a seus valores que a seus líderes. O mesmo não se pode dizer da esquerda brasileira, que dos anos 90 até hoje tem apenas um e único líder.

Lendo a coluna desta segunda de Juliano Spyer ("Decodificando o Evangelho segundo Pablo Marçal"), é impossível não pensar em como a direita brasileira, neste aspecto, se assemelha aos pentecostais, pronta a agir contra as hierarquias eclesiásticas caso sinta o chamado do Espírito; e como a esquerda se assemelha ao catolicismo, sempre ciosa das estruturas oficiais e do guia máximo que se senta no topo.

Marçal não é mero "voto de protesto", como Tiririca foi no passado. Ele concentra, sim, a revolta (contra a política tradicional, contra a imprensa), mas traz também um valor positivo. Ele oferece ao eleitor algo em que acreditar. Encontrou o ponto ideal entre o discurso das igrejas e o discurso de coach. Predestinação divina e conquista por mérito próprio se fundem num pacote único. Se ele realmente é capaz de entregar os milagres que promete —ou se é um estelionatário— é uma outra questão.

Além disso, Marçal incorpora um aspecto da política para o qual o eleitorado brasileiro despertou: o conflito. Por baixo da discussão de propostas e dos discursos pretensamente técnicos, existe um conflito entre diferentes grupos para decidir quem terá acesso ao poder e aos recursos limitados. Hoje, ferir o inimigo vale mais do que encontrar soluções conjuntas.

É difícil a vida do político moderado nos dias de hoje. Ele tem que se aliar a um dos grandes campos em disputa e, mesmo assim, corre o risco de levar uma rasteira de algum radical correndo por fora. Nunes é o representante do bolsonarismo moderado —alguém de índole moderada que tem o apoio de Bolsonaro— e, se chegar ao segundo turno —seja contra Boulos ou contra Marçal— é o favorito. Mas corre grande risco de perder votos para Marçal e ficar de fora.

A boa notícia para ele é que as últimas pesquisas retratam um cenário estacionário. Nunes parou de sangrar, e Marçal parou de crescer. Os três primeiros colocados seguem em empate técnico. Tabata vem um pouco atrás.

Tudo está em aberto, mas o significado é claro: uma vitória de Marçal —ou mesmo sua ida ao segundo turno— seria uma vitória não apenas para ele próprio, mas para o que ele representa para a direita brasileira: a possibilidade de crescer por conta própria, falando diretamente ao eleitor, sem a necessidade da bênção de Bolsonaro. Quantos outros Marçais não esperam sua oportunidade?

 

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