Folha de S. Paulo
Marçal
não é mero 'voto de protesto', como Tiririca foi no passado
Narcísico,
megalomaníaco, soberbo e lacrador foram alguns dos xingamentos usados por Silas
Malafaia para se referir a Pablo Marçal depois
do protesto de 7 de Setembro na
Paulista. O motivo do protesto era, em tese, a liberdade de expressão, mas o
que se viu na avenida foi mais um ato político do bolsonarismo.
O
curioso é que o público do bolsonarismo parece estar ficando menos…
bolsonarista. E não é que tenha aberto mão dos valores que movem o movimento.
Só mostra disposição de se descolar da liderança de Bolsonaro para votar em
outros que melhor os incorporem. Grande parte deles pretende votar, não no
candidato apoiado por Bolsonaro, Ricardo
Nunes, e sim em Pablo Marçal.
Muito se pode criticar a direita brasileira, mas uma coisa ela tem mostrado: é mais fiel a seus valores que a seus líderes. O mesmo não se pode dizer da esquerda brasileira, que dos anos 90 até hoje tem apenas um e único líder.
Lendo a coluna
desta segunda de Juliano Spyer ("Decodificando o Evangelho segundo Pablo
Marçal"), é impossível não pensar em como a direita
brasileira, neste aspecto, se assemelha aos pentecostais, pronta a agir contra
as hierarquias eclesiásticas caso sinta o chamado do Espírito; e como a esquerda se
assemelha ao catolicismo, sempre ciosa das estruturas oficiais e do guia máximo
que se senta no topo.
Marçal
não é mero "voto de protesto", como Tiririca foi
no passado. Ele concentra, sim, a revolta (contra a política tradicional,
contra a imprensa), mas traz também um valor positivo. Ele oferece ao eleitor
algo em que acreditar. Encontrou o ponto ideal entre o discurso das igrejas e o
discurso de coach. Predestinação divina e conquista por mérito próprio se
fundem num pacote único. Se ele realmente é capaz de entregar os milagres que
promete —ou se é um estelionatário— é uma outra questão.
Além
disso, Marçal incorpora um aspecto da política para o qual o eleitorado
brasileiro despertou: o conflito. Por baixo da discussão de propostas e dos
discursos pretensamente técnicos, existe um conflito entre diferentes grupos
para decidir quem terá acesso ao poder e aos recursos limitados. Hoje, ferir o
inimigo vale mais do que encontrar soluções conjuntas.
É
difícil a vida do político moderado nos dias de hoje. Ele tem que se aliar a um
dos grandes campos em disputa e, mesmo assim, corre o risco de levar uma
rasteira de algum radical correndo por fora. Nunes é o representante do
bolsonarismo moderado —alguém de índole moderada que tem o apoio de Bolsonaro—
e, se chegar ao segundo turno —seja contra Boulos ou contra Marçal— é o
favorito. Mas corre grande risco de perder votos para Marçal e ficar de fora.
A
boa notícia para ele é que as últimas pesquisas retratam um cenário
estacionário. Nunes parou de sangrar, e Marçal parou de crescer. Os três
primeiros colocados seguem em empate técnico. Tabata vem
um pouco atrás.
Tudo
está em aberto, mas o significado é claro: uma vitória de Marçal —ou mesmo sua
ida ao segundo turno— seria uma vitória não apenas para ele próprio, mas para o
que ele representa para a direita brasileira: a possibilidade de crescer por
conta própria, falando diretamente ao eleitor, sem a necessidade da bênção de
Bolsonaro. Quantos outros Marçais não esperam sua oportunidade?
Entre Marçal e Malafaia...
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