O Estado de S. Paulo
A responsabilidade não pode se tornar uma
desculpa para a solidariedade a Maduro e a Almeida
Os que desafiam as plausibilidades, os
portadores de más notícias, que insistem em contar as coisas como elas são,
nunca foram bem-vindos e, frequentemente, não são nem mesmo tolerados. A
constatação de Hannah Arendt em Responsabilidade e Julgamento explica em parte
o comportamento do Planalto diante da crise da Venezuela.
Há um mês, 30 ex-presidentes latino-americanos e ex-premiês espanhóis se uniram para exortar Luiz Inácio Lula da Silva a “reafirmar seu compromisso com a democracia” e reagir “à usurpação da vontade popular” executada por Nicolás Maduro. Ao petismo foi fácil desqualificar os portadores da má notícia, como “políticos de direita”. Usar a polarização política para justificar a leniência ou o apoio ao ditador Maduro não espanta em um mundo em que não poucos resistem a ver a democracia como um valor universal.
Mas há testemunhas demais no mundo para que o
absurdo se normalize. E a voz do secretário-geral do Partido Comunista da
Venezuela, Óscar Figuera, resolveu assombrar a conveniência de se enxergar os
conflitos de forma binária. Diz a direção comunista que se opõe a Maduro: “Todo
o mundo sabe o que ocorreu no dia 28 de julho”. Acrescente-se: alguns não
sentem vergonha disso.
Prossegue o PCV: “Uma sentença não pode
substituir os votos”. O partido descreve a “onda inédita de repressão no país”
com “desaparições forçadas temporárias, detenção de menores e mulheres,
revistas arbitrárias, roubos, extorsões e ações de milicianos em cumplicidade
com as forças do Estado”.
Conclui que a “política de terror” tem o
objetivo de “neutralizar os protestos populares”. Maduro pretende fazer crer
que a defesa da Constituição, da soberania popular e do estado de direito são
ideias “fascistas”. Não é preciso lembrar de Goffredo da Silva Telles Júnior
para se compreender a contradição.
Os tais portadores de más notícias não se
limitam a assombrar Lula e parte de seus apoiadores por causa da Venezuela.
Também os incomodam quando um ministro resolve assediar sexualmente amigas e
pessoas com quem trabalha, deslizando, sem consentimento, suas mãos pelas saias
de mulheres.
Não eram poucos os ministros que sabiam – e entre eles estava Alexandre Padilha – do fato. O cinismo de quem agora se lembra do direito à ampla defesa – como se Silvio Almeida fosse um pobre indefeso, em vez de um homem em posição de poder – coincide com o silêncio sobre Figuera. Falta vergonha a quem deveria tê-la? Se os dois casos reacendem o debate sobre o limite das conveniências e o das convicções, eles também mostram que a responsabilidade não pode se transformar em desculpa para a cumplicidade.l
Precisa a análise.
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