quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Vinicius Torres Freire – O caminho do fogo no país que sufoca

Folha de S. Paulo

Lula promete rodovia no meio da floresta, mas não se sabe como conter destruição geral

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu terminar a reconstrução da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (Rondônia). Mais de metade da estrada é de terra ou um atoleiro de lama em parte do ano. Um motivo para concluir a rodovia, diz Lula, é a seca que torna o rio Madeira inútil para a navegação (e até para as hidrelétricas, rio acima).

Parte da BR-319 fica entre os rios Purus e Madeira. Ambientalistas, cientistas e adeptos da causa indígena dizem que, com a obra, vai-se tentar reparar um desastre ambiental com outro. Uma estrada trafegável facilitaria a ocupação das margens e mais entradas e bandeiras no entorno: terras indígenas, parques nacionais e outras unidades de conservação. Por outro lado, Manaus é uma cidade meio isolada em termos de infraestrutura de transporte e energia.

A BR-319 foi construída pela ditadura, no início dos 1970. Tornou-se em parte intransitável em 1988. O governo FHC teve planos de reconstruí-la em 1996 e 2000. O governo Lula retomou a ideia em 2005. Desde então e até julho deste 2024, a obra ou seus projetos foram suspensos por irregularidades ambientais e outras dezenas de disputas legais e políticas. Pouco andaram.

Dada a avacalhação dos projetos de impacto, ambiental e outros, o cuidado com a BR-319 até parece maior, com planos, instituições e empresas de controle. Mesmo que funcionem, não garantem grande coisa. Se por mais não fosse, a destruição da floresta e o extermínio de indígenas podem seguir outros caminhos, que não os do asfalto. Já em 1714, os jesuítas estavam ali no Madeira, tentando "pacificar" os Múra. Os colonos do extrativismo guerreavam os indígenas. O governo colonial tentava ligar o Grão-Pará a Mato Grosso. Essa história é velha.

Rios, pistas de pouso no meio do nada, picadas, avanço da fronteira da ocupação agropecuária e mineradora e das cidades são caminhos da ruína. O desmatamento cai. Mas degrada-se a floresta, tirando madeira boa, enfraquecendo a mata, que é ocupada por baixo, também com fogo, e exposta na borda a áreas de agropecuária, mais sujeita a calor e seca. Nos últimos 12 meses, o desmatamento caiu, mas a área degradada foi quase seis vezes a desmatada na amazônia.

Desde 2023, sob Lula, o Ibama ataca a extração irregular de madeira. Há fraudes imensas no sistema de monitoramento de extração, comércio etc. E daí? Daí que negócios mais ou menos legais, criminosos, empresas e massas de gente sem nada avançam pela floresta, do jeito que der, com ou sem rodovia asfaltada. A destruição se integra à parte oficial do sistema econômico podre e pobre que compra ouro, gado, madeira. Sem punir os grandes negociantes, a coisa não vai.

A degradação da floresta na amazônia e ataques diversos ao cerrado e à mata atlântica, piorados pela seca, provocam focos de incêndio em números vistos apenas entre 2002 e 2007, fora uns saltos em 2010 e 2020. O país sufoca. A própria agropecuária está em perigo.

O que tem a BR-319 a ver com isso? Não temos planos maiores para lidar com as causas mais profundas da destruição: a integração dos destruidores à economia dita formal e a pobreza. Sim, prevenção, polícia, leis ou instituições ambientais com força política e dinheiro podem ajudar. Mas há o risco de que apenas apaguem incêndios, se tanto, dada a força da degradação socioeconômica e criminal.

 

3 comentários:

  1. Tentei encontrar nas publicações de jornais onde e quando o presidente teria falado em "terminar a reconstrução" da estrada. Tudo o que encontrei foi "reiniciar" a obra. Ele deve saber que seria impossível terminar a citada obra nos próximos anos.

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  2. "Rios, pistas de pouso no meio do nada, picadas, avanço da fronteira da ocupação agropecuária e mineradora e das cidades são caminhos da ruína. O desmatamento cai. Mas degrada-se a floresta, tirando madeira boa, enfraquecendo a mata, que é ocupada por baixo, também com fogo, e exposta na borda a áreas de agropecuária, mais sujeita a calor e seca."
    Exatamente! Isto é feito há décadas pelos agropecuaristas, mas tornou-se ainda mais ampliado nos anos com secas muito fortes, quando tantos incêndios criminosos se expandem até além das intenções iniciais dos incendiários.

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