Valor Econômico
O tardio conjunto de propostas do governo em resposta à crise das queimadas na Amazônia e no Pantanal nem chegou ao Congresso mas já desafia a crença de que a catástrofe une
O tardio conjunto de propostas do governo em
resposta à crise das queimadas na Amazônia e no Pantanal nem chegou ao
Congresso mas já desafia a crença de que a catástrofe une. A começar pelo
crédito extraordinário que, autorizado pelo Supremo, será endereçado por medida
provisória em curso.
Equivale a 1,2% daquilo que está previsto
para compensar o Rio Grande do Sul pelas enchentes. Apesar disso, fez pipocar
alardes fiscais desproporcionais ao reduzido volume de gasto face à elevada
extensão do dano. Se os R$ 40 bilhões previstos para a tragédia gaúcha são
necessários à reconstrução de um Estado agrícola que enterrou 183 vítimas e
desabrigou 81 mil pessoas, os R$ 514 milhões de crédito extraordinário também o
são para recuperar a Amazônia e o Pantanal.
Suas chamas espalharam fumaça por 60% do território nacional e deixaram localidades onde moram 10 milhões de brasileiros em situação de emergência. Para comer, o país precisa respirar.
Uma parte desses recursos será destinada à
contratação de brigadistas temporários para o Ibama. Apenas em agosto, o
Executivo conseguiu pôr fim a uma paralisação que durou quase um ano. Até
julho, quando a Amazônia começou a queimar, os autos de infração lavrados pelo
Ibama na região haviam caído 70%. Some-se a isso o sucateamento do órgão. Com
quase metade dos quadros de carreira vagos, o Ibama não foi contemplado no
Concurso Nacional Unificado.
O segundo capítulo da reação do Executivo são
as medidas de endurecimento penal, corte de crédito e confisco de terras. As
penas para quem provoca incêndio são tão baixas - de dois a seis anos de acordo
com a lei que se use - que até a bancada ruralista concorda em discutir sua
elevação.
Não há dúvida de que a bancada representa um
setor fortemente impactado pelas queimadas. Depois de uma enchente como a
gaúcha e a seca amazônica, o Brasil entrou numa lista que até então era
reservada àquelas partes do planeta sujeitas a terremotos, tufões e tsunamis, a
dos países com risco climático, com previsível impacto sobre o seguro rural.
Se a situação os leva a apoiar o
endurecimento penal, não têm a mesma abertura para discutir barreiras à
concessão de financiamento rural a quem queima a mata ou o confisco de suas
terras, consideradas muito mais efetivas do que o endurecimento de penas.
Tampouco cogita-se a revisão do Código Florestal, em descompasso com a meta de
desmatamento zero em 2030.
E, finalmente, a Autoridade Climática, cargo
que seria responsável pela articulação transversal de diversas instâncias do
Executivo, e cuja criação é a terceira frente da reação governista, despertou
um otimismo precoce demais da ministra do Meio Ambiente.
Marina Silva conseguiu arrancar o cargo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas os parlamentares não se desarmaram
como a ministra esperava. Desde que possam indicar um nome em que possam
mandar, aprovam qualquer um.
Por mais que os presidentes das duas Casas, o
senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), estejam
convencidos da gravidade da situação, paira, no Congresso, o receio de que a
bancada ruralista, abespinhada, tumultue a sucessão das mesas diretoras. Ambos
contêm as pressões com o discurso de que o crime ambiental tem que ser contido
sem “populismo penal”.
Não há rival no Congresso para a Frente
Parlamentar da Agropecuária. São 290 deputados e 50 senadores, um quarto maior
do que na legislatura passada. Não apenas constituem um paredão contra projetos
que afetem seus interesses quanto desestabilizam qualquer chapa que dispute o
comando das mesas.
Daí porque se tornaram intransponíveis. A
pressão sobre a União Europeia contra sanções ao agronegócio brasileiro é uma
porta que o governo mantém aberta com a bancada. É um jogo duplo. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva tem empenhado esforços para evitar vetos a produtos
brasileiros, mas voltou a mencionar nesta semana a iminência das sanções para
baixar resistências na bancada às políticas ambientais.
Os ministros das Relações Exteriores, Mauro
Vieira, e da Agricultura, Carlos Fávaro, subscreveram carta à UE para que a lei
antidesmatamento aprovada pelo parlamento europeu em 2020 não entre em vigor no
fim deste ano.
De acordo com esta lei, produtos produzidos
em áreas desmatadas depois de 2020 não poderão ser comercializados na Europa.
Se esta pressão não surtir efeito, a tensão subirá, cenário que os
ambientalistas veem como o único possível para fazer aprovar uma legislação
mais efetiva contra as catástrofes climáticas no país.
O Executivo não tem que dobrar apenas a
bancada ruralista como suas próprias contradições. A cinco dias da abertura da
Assembleia Geral das Nações Unidas por Lula, quando se espera um novo libelo
pelo clima, o “Financial Times” publicou uma longa reportagem em que questiona
a dupla ambição presidencial de colocar o país no clube dos gigantes do óleo,
com a exploração da Margem Equatorial, e reivindicar a liderança do combate ao
aquecimento global.
O jornal reconhece que o país precisa do
dinheiro do óleo para se desenvolver, mas a pergunta que lhe serve de título -
“O Brasil quer ser um campeão do clima e um gigante do óleo. Conseguirá ambos?”
- chega ao fim da reportagem sem uma resposta.
Excepcional. Destaco: "a Frente Parlamentar da Agropecuária são 290 deputados e 50 senadores, um quarto maior do que na legislatura passada." Isto é bem mais que a metade da Câmara Federal e do Senado: 290 de 513 deputados, e 50 de 81 senadores! Praticamente todos mais interessados no Agronegócio que no Meio Ambiente!
ResponderExcluirEis a questão!
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