Folha de S. Paulo
Com a ampliação de 2023, a que o Brasil
resistiu, grupo perdeu nitidez de propósitos
Mudanças importantes em curso na cena
internacional propõem desafios inéditos para a política externa brasileira e
exigem revisão das visões e estratégias que a caracterizaram ao longo de muitas
décadas. Um desses desafios é decidir o que fazer com o Brics diante
da segunda ampliação do bloco proposta por China e Rússia.
Durante 14 anos, o grupo foi formado pelos
quatro países que o fundaram em 2009 e lhe deram o nome —Brasil, Rússia, Índia
e China— mais a África do Sul, que a ele se juntou logo depois, daí o S final
da sigla.
No ano passado, incorporou cinco novos membros, nenhum conhecido por praticar a democracia.
Com a ampliação, a que o Brasil resistiu, o
Brics ganhou em participantes o que perdeu em nitidez de propósitos. A vingar a
proposta ora em discussão, seriam admitidas mais 34 nações da Ásia, África,
Oriente Médio e América
Latina (Venezuela,
Honduras, Cuba e
Nicarágua) com níveis díspares de desenvolvimento e distintas formas de governo
autocrático.
Ora em dieta de engorda, o bloco surgiu da
convergência de países emergentes —com ambições globais— em torno do
compromisso de buscar uma arquitetura econômica internacional mais aberta e
menos dominada pelos países norte-ocidentais. Tratava-se de apoiar os esforços
do G20 para lidar com a crise global e reformar as instituições financeiras
multilaterais de regulação econômica, em especial o FMI e o Banco Mundial.
Em suma, o Brics seria uma ferramenta para
dar vez e voz a seus criadores ali onde são tomadas as decisões que contam para
a economia mundial.
Considerado pelo professor Oliver Stuenkel
(FGV-SP) como uma das duas mais importantes inovações na governança global
neste século —a outra seria o G20—, o Brics, contra muitas previsões
pessimistas, logrou se institucionalizar.
Suas vitórias foram escassas no que respeita
a reformas das instituições financeiras multilaterais.
Maiores foram os êxitos no interior do bloco:
adensamento das relações bilaterais; estabelecimento de diferentes formas de
cooperação; criação do Novo Banco do Desenvolvimento —o chamado Banco do Brics.
O Brasil se beneficiou de muitas maneiras do intercâmbio adensado com os
parceiros.
Por outro lado, a disparidade de nascença em
matéria de recursos de poder entre a China e os demais membros do grupo —que só
aumentou com o tempo— colocou-o diante de dois cenários possíveis: um,
funcionar como uma coalizão de nações que buscam mais protagonismo no âmbito da
ordem internacional existente; outro, transformar-se em mais um instrumento da
ascensão da China à condição de grande potência.
O aumento do bloco em 2023 e a atual proposta
de inclusão de novos membros aponta na direção do segundo cenário. Não há o que
explique a escolha dos 34 candidatos a membro, salvo a intenção de promover o
Brics a pilar de sustentação de uma ordem internacional pós-ocidental liderada
pela China.
Nessa nova ordem, há ganhos comerciais e
econômicos para o Brasil e os outros parceiros do bloco. Mas dificilmente —e
por razões óbvias— haverá espaço para que floresçam a democracia, a liberdade e
os direitos individuais.
Verdade.
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