Correio Braziliense
Muitas cidades registraram clima igual ao do
Saara, que varia de 14% aos 20% de umidade. Como Brasília, 10 chegaram a
registrar apenas 7%
“Na planície avermelhada os juazeiros
alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro,
estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam
repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas.
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe,
através dos galhos pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória
com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano
sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao
cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra
Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram,
sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
— Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o
pai.”
Vidas Secas (Editora Record), romance de Graciliano Ramos, publicado em 1938, de 176 páginas, é uma obra-prima da literatura brasileira. Retrata a vida miserável de Fabiano e sua família de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar, de tempos em tempos, para áreas menos castigadas pela seca. São cenas que parecem distantes, principalmente depois de o canal do Rio São Francisco irrigar boa parte do semiárido do Nordeste, mas que podem se repetir em regiões inimagináveis, como os igarapés e várzeas da Amazônia, e áreas alagadas do Pantanal, castigadas pela seca e em risco de desertificação.
Segundo o Centro Nacional de Monitoramento de
Desastres Naturais (Cemaden), o país enfrenta a maior seca desde 1950, com
exceção do Rio Grande do Sul. Nas últimas semanas, muitas cidades ficaram
encobertas pela fumaça, entre as quais Brasília e São Paulo, com origem em
incêndios florestais na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.
Nesta semana, cerca de 244 cidades
brasileiras registraram clima igual ao do Saara, que varia de 14% aos 20% de
umidade. Como Brasília, cuja seca no inverno é famosa, chegaram a registrar
apenas 7% de umidade as cidades de Barretos, Marília e Tupã, em São Paulo;
Goiânia, Luziânia e Morrinhos, em Goiás; Parnaíba e Três Lagoas, no Mato Grosso
do Sul; e Itaituba, em Minas Gerais. As altas temperaturas e a fumaça agravam
as condições sanitárias. A previsão é de que a situação ainda pode se agravar.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia
(Inmet), setembro, o último mês do inverno, começou com uma forte onda de
calor. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, as máximas chegaram aos 40°C; no
interior de São Paulo e Minas Gerais, as cidades chegaram a 39°C. Talvez o
Brasil, nesta semana, seja o país mais quente do mundo, o que está diretamente
relacionado ao aquecimento global, provocado pelo “efeito estufa” — a emissão
de gases que retêm o calor solar na atmosfera terrestre, principalmente dióxido
de carbono e gás metano. Zerar o desmatamento é a forma mais barata, eficaz e
rápida de conter o aquecimento.
100 dias
Estamos na maior e mais extensa seca já
registrada, com muitos lugares sem chuvas há mais de 100 dias, o que provoca a
baixa umidade. Algumas cidades estão próximas de alcançar o nível de umidade do
deserto do Atacama, no Chile, que é de 5%, o mais seco do mundo.
Ontem, na Comissão de Meio Ambiente do
Senado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, advertiu que o Pantanal pode
deixar de existir até o fim do século. Na audiência com senadores, disse que
será preciso ampliar os esforços e recursos de combate às consequências das
mudanças climáticas. Propôs ao Congresso que crie um marco regulatório de
emergência climática, que exclua da meta fiscal do governo federal os recursos
gastos nessas condições.
No Congresso, há um negacionismo dissimulado
em relação ao aquecimento global, para o qual a maioria dos políticos não está
nem aí, principalmente nas fronteiras agrícolas e de mineração. Neste ano, o
Brasil registrou o maior número de focos de queimadas desde 2010. Segundo o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram 68.635 registros. De
acordo com o Inpe, mais de 80% desses focos ocorreram na Amazônia e no Cerrado.
Muitos são provocados pela seca, mas há, também, atividades criminosas.
Segundo o Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS), ontem, a Hidrelétrica de Santo Antônio precisou paralisar parte
das unidades geradoras em razão da seca extrema do Rio Madeira, em Rondônia, e
está funcionando com apenas 14% das turbinas. O rio chegou ao menor nível já
observado em quase 60 anos, atingindo 1,02m.
A Região Amazônica enfrenta um período de
seca extrema. O Oceano Atlântico Norte mais aquecido que o normal e mais quente
que o Atlântico Sul, e o fenômeno El Niño inibem a formação de chuvas. Com 3
mil km² de extensão, o Rio Madeira abriga duas das maiores usinas hidrelétricas
do Brasil: Jirau e Santo Antônio, que geram energia para todo o país.
Muito bom o artigo.
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